Pedra de Toque
De António Roque
CARTA
Algures, 30/01/2020
Meu caro António:
Ao receberes esta, ficarás certamente surpreendido!...
Estamos tantas vezes junto, porque raio te deu para me escreveres!?...
Hoje é um dia especial, e eu senti necessidade de falar contigo.
Já passaram tantos anos meu amigo…
As marcas do tempo vão aparecendo inexoráveis por fora, mas sobretudo por dentro e não só no corpo…
A vida até ao presente vai suportando estoicamente as tempestades e fruindo gostosamente os períodos de bonança.
Só o trabalho dignifica, dizias-me tu sempre que me abatia face aos obstáculos que fui ultrapassando.
Agora sei que, mais sereno, te vais enamorando das palavras e das frases que com elas compões.
E deves continuar a fazê-lo inspirado na tua vida rica e cheia, moldada pelos sentimentos que estão colados à pele.
Continua a proporcionar-nos textos que, como diz a tua amiga Zezinha e a tua amiga Ana, vão tocando na sensibilidade de quem como tu, ama a linda cidade de Chaves, as suas gentes, as senhoras recatadas às janelas, os seus monumentos (um sortilégio… como muitas vezes a referes).
Ah, e não deixes de prezar os teus amigos de sempre. Sei que te dói o desaparecimento de alguns.
Normalmente os que nos deixam são os melhores. Quem comada (se existe alguém que comanda!?...), erra por vezes em demasia.
Sei que como eu, és um homem empenhado politicamente.
E como magoa vermos ruir os castelos que erguemos na juventude e que por eles tanto demos corajosamente, generosamente.
Fico feliz porque sei que hoje e sempre, tu não prescindes dos valores que foram teus alicerces de vida.
Comigo sei-te disposto ainda a lutar (sempre de pé, como as árvores, até ao fim!) pela liberdade, pela justiça, pela fraternidade, pelo sonho de um mundo melhor que vai chegar numa manhã muito clara e limpa.
Deixo-te um abraço do Zé Firmino, da Mizé Guimarães, do João Vasco Reis Morais, do Rui Bessa, do Jorge Comboio, do João Artur e de todos os amigos do peito, que são muitos, mas cujos nomes não me ocorrem.
Goza o amor incondicional que tens pelos teus filhos, que sei correspondido, e também pelos teus jovens e queridos netos, troncos da mesma raíz, cuja foto transportas sempre.
Os teus irmãos e sobrinhos sei que os estimas e que te admiram.
Não percas a recordação dos que te antecederam e que deram um contributo inestimável para fazerem de ti, aquilo que és.
Sei que deles és devoto e que veneras, especialmente a tua mãe e a tua sábia avó, de cuja varanda vias o mundo…
Eu gostava de pôr mais emoção nesta carta, como tu fazes com os teus textos, mas não sou capaz, não tenho esse dom…
Termino para te pedir encarecidamente que nunca esqueças “que só a cultura salva” como tantas vezes te ouvi dizer.
Os poetas gostam de ser cantados na tua voz. Projeta os seus versos para bem longe por muitos e muitos anos.
Uma amiga comum entregou-me um ramo de jasmins para te oferecer.
Deixo-te aqui um abraço muito sincero.
Um amigo,
António Roque