Pedra de Toque - A Minha Almofada
![]()
A MINHA ALMOFADA
Tenho uma ótima relação com a minha almofada.
Nela apoio a minha cabeça com que penso e com que sinto, já muito cansada.
Quando não tenho a minha almofada comigo passo mal.
Ela acompanha-me em noites difíceis com insónias intermináveis, que me levam por vezes a ser duro com ela, que então viro e reviro com injusta agressividade.
Mas quando por fadiga o sono se aproxima, acabo acariciando-a e com ela entro nos braços de Orfeu, envolvidos num abraço terno.
Nas noites de Cabíria, eu levo-a em pensamento para o pecado, pelos recantos luarentos da cidade à procura de uns cabelos revoltos, de uns dentes luzidios de brancos, de umas mãos carentes estendidas.
Depois no retorno ao meu leito, ela surge alva, real, minha amiga, minha doce companheira, minha fiel confidente, que escuta os poemas que balbucio, encantado pela noite, postada em todas as arestas do meu espaço.
E falo com ela que escuta as minhas angústias, que ouve as minhas preces, que enxuga as minhas lágrimas, que pressente o meu afecto e ternurentamente se entrelaça ao meu ventre.
Nas noites de amor ela escuta os meus gemidos e plangente viaja até ao Olimpo, ao som dos meus suspiros.
É testemunha perene dos meus resquícios de felicidade.
Adoro a minha almofada, a sua brancura, a sua lisura, a paciência com que acaricia meus sonhos e acalmia com que embala o meu repouso sempre difícil.
A minha almofada crismei-a de Maria,
Nome de mãe, nome de filha, nome de avó,
Nome de mulher.
António Roque


