Pergaminho dobrado em dois
Grande Festim.
Imagino sempre – mais quando estou de cuecas a escrever crónicas para mim e para o jornal – da minha janela, Shakespeare a gritar, lá para as três da madrugada ajeitando de esguelha o seu colarinho felpudo tão másculo para que ninguém o reconheça e faça bullying:
- Puto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperares que alguém te traga um raminho de flores, aquelas que até fazem chorar os paralelepípedos da calçada.
Isto acontece-me sempre quando reflito na azeda e rápida vida que temos e o quanto somos tão vulneráveis e impotentes perante ela, ou todas as vezes que recebo notícias que sobreaquecem o coração, algo do género: “Resultado: Colocado”. Então aí, nesses pequenos momentos, não precisamos de mais nada do que ler Shakespeare às escuras ou de celebrar que nem um asno, nunca, claro, descorando a sábia frase da minha avó, “vamos todos morrer, não te estejas para aí a gabar”. É verdade vó, é preciso ter cautela.
Isto tudo só para vos dizer – a berrar, mas se me virem na rua lembrem-se que foi baixinho – que entrei na Universidade – Teatro e Artes Performativas –, primeiro, porque se não for pela Arte ainda fico como toda a gente. Segundo, como sou jovem ainda tenho muita energia para me masturbar de criatividade. Terceiro, para que um dia possa fazer pouco dos meus colegas bem-sucedidos – engenheiros aeroespaciais, engenheiros físicos, dealers e bloggers de Instagram – enquanto exponho com toda a criatividade e dedicação, que aliás, note-se, emprego em tudo o que faço, a minha apetência em fazer de Rei Lear enquanto tiro uns finos na festa do Avante. Vida de artista, é o que é. Tenho é um pesar grotesco relativamente à nossa cultura que consegue ser mais pequena do que um tarolozinho oriental.
Os meus pais ficaram muito contentes, viram no filho uma vontade exacerbada de nunca mais desejarem outro. “Este chega”, diziam eles e agora percebo o porquê. Há que ter orgulho naquilo que o filho poderia ter sido. Agora estão na fase de adaptação, parece que têm um chacal em casa a recitar teatros de Bretch. Tenho que entrar no drama e nos recitais agora que isto está a ficar sério. Estou tão feliz que parece que vou fazer de Alladin num musical da Broadway.
Nunca me imaginei numa Universidade, e agora dispo-me perante vós, leitores: se tudo corresse como planeado estava agora num cabaret a domar umas cinco fêmeas como se tivesse no circo du soleil do chavascal.
A minha mulher ainda se encontra hirta e cheia de dúvidas. Muito tensa, até. A pensar que me podem chamar para fazer de Pipo num possível regresso dos Morangos. Já lhe chegou aos ouvidos também que – dizem – me meti nisto do teatro e assim porque era a via mais segura de conhecer mulheres – qualquer coisa, sou palhaço – e obviamente tranquilizei-a. Disse-lhe que o que mais ambiciono neste curso é fazer teatro de títeres ou escalar berbequins Dexter ou bordar torradeiras num cantinho da rua Augusta.
Por fim, isto é tudo muito bonito, mas agora é um gajo aplicar-se e ser o Filipe La Féria da caloirada.
Calma. Giro giro são as filas intermináveis para se fazer a matrícula. Mas há males que vêm por bem. Por exemplo: tempo para vos escrever, meu prestigiado público que me lê.
Bem, meus caros leitores. Tenho a senha 56 e está no 53. Está quase. 54. 55. 56, finalmente!
Até daqui a quinze dias.
Herman JC