Pergaminho dobrado em dois
Chaves, eu volto.
Já estava com saudades de me galantear perante vós, flavienses grandinhos do pai. Como já devem calcular a crónica que se segue não tem grande coisa a dizer embora diga alguma coisa. Fica ao vosso critério avaliar o que foi dito e podem, se entrarmos em desacordo, lançarem-me impropérios grotescos por telegrama. No entanto, a experiência de voltar a ser estudante está a ser agradável, obrigado.
Mudei-me definitivamente – e não quero dizer que não regresse – para Vila Real. Até é giro ser de todo o lado. É bom morrer e nascer várias vezes ao ano. Um bocadinho dali outro de acolá. Rejuvenesce a mente e alinha os chakras. Até vou mais longe, reparem no meu latim: “mens sana in corpore sano”. Mas vou continuar por aqui, até porque agora posso escrever verdadeiramente sobre Chaves, com outro olhar, quase todo de admiração, respeito e saudade.
Como é lindo sentir falta de um amor que me deu quase tudo. Deu-me o sol pela manhã – o sol é o mesmo para todos, mas venham vê-lo da minha antiga janela – a olhar-me de soslaio como se eu fosse o Zé Zé Camarinha de Argemil. Ou o silêncio que o rio Tâmega me propunha que parecia que estava perante um guru marítimo. As Caldas, aquela água quentinha que todos teimam em não querer chamar-lhe chá: tem aroma, por mais refinado que seja, e está quente. Água quente com sabor é chá, desculpem. E o amor, claro. Deu-me o amor, ou seja, deu-me o suficiente para ter uma existência agradável.
Alinhem-se comigo: nunca conseguimos falar realmente de alguém que amamos até que ela ou nós desapareça, não é? Tem que haver uma distância entre nós e o outro. Na arte, algumas vezes, temos que nos distanciar para apreciarmos a beleza de uma, por exemplo, Mona Lisa do Da Vinci.
A minha relação com Chaves é muito especial e pessoal. Ou seja, Chaves está para mim como Clarice Lispector está para a literatura brasileira. Lembrou-se-me agora de uma frase, da Clarice, que resume tudo aquilo que quero dizer. Clarice Lispector dizia, e bem, note-se, que a saudade é um pouco como a fome. Só passa quando se come a presença. E eu vou tentando comê-la, aos poucos, até porque o meu carro a gasolina não me permite essa extravagância de andar para lá e para cá. O meu carro é mais velho do que a filosofia – é mais ou menos isso.
Eu preciso da saudade, porque a saudade traz-nos o silêncio e o silêncio é importante para mim. É com ele que trabalho. Preciso de pensar em silêncio no silêncio. Há muito ruído no mundo, o que dificulta. Mas depois desliga-se a internet e parece que estás no campo de meditação do Osho. Também preciso da saudade como experiência catártica, terapêutica e como motivo de inspiração. Como o Fernando Pessoa usava o ópio ou o Bukowski usava o vinho e a cigarrilha ou como o mundo da moda usa o pó. Talvez haja alguma droga na saudade que nos faz parecer que o passado foi realmente bom. Não foi. Não há saudade do que correu mal. Exceção aos sadomasoquistas. Uma pessoa sentindo saudade está de facto a recriar bons momentos passados na mente que nunca existiram de todo como os vivenciamos e a isso chama-se nostalgia. Percebo que posso destruir alguns sonhos, mas, na verdade, a Rita do 7ºC era apenas uma criança e não a porca como a costumamos apelidar. Tinha 13 anos e apaixonava-se facilmente por baixo das mesas. E isso é razão para que depois de trinta anos ainda a chamem de “porquinha” enquanto passeia os seus seis filhos na rua?
Nunca se esqueçam de uma frase de um grande pensador português do século XXI, Gustavo Santos: “A mente chama-se mente porque nos mente todos os dias”. Embora só ajude os portugueses, é sempre bom lançar cultura para o ar. Por exemplo: em Inglaterra é mind, na República Checa é mysli, na Albânia é mendje. São países que não se podem dar ao luxo desta bela e filosófica frase. Não sejam arrogantes e deem graças ao vosso deus por terem nascido portugueses e permitirem-se a este tipo de pensadores.
Isto, é tudo ilusão. E por falar em ilusão: está a ser giro ser estudante, obrigado.
Herman JC