Pergaminho dobrado em dois
Os falos têm o poder de deflagrar puritanos.
Na vida existe muita coisa que me aborrece, mas pelo menos três têm uma particularidade de me chatear ao ponto de me espernear no chão enquanto grito: “Brasil, Bolsonaro não, por favor!”. Essas três coisas são: o jornal e canal Correio da Manhã, sopa de canja e pessoas que se levam demasiado a sério, de uma circunspeção tal que chegam ao ponto de criar um certo tipo de rigidez nas falangetas dos seus interlocutores.
A primeira é muito parecida a problemas intestinais. A segunda é de facto pérfida aos meus anseios culinários na medida em que me consegue oprimir de tal maneira que dou por mim, por vezes, a saciar-me com três bolachas Maria barradas a manteiga só para não desgostar aquelas pevides manhosas. Em relação à terceira tenho muita coisa a dizer. A pletora de sentimentos que provoca é insofismável e abarca toda a paleta de emoções. Estarão vocês a pensar: “não percebi patavina!”. Calma! Já estão a fervilhar. Parecem coelhinhos com vontade de regabofe.
É o seguinte: abomino gentinha com falta de sentido de humor, mas se elas manifestassem o seu desagrado enquanto estão em casa sozinhas a espremer borbulhas e a masturbarem-se de vergonha de serem como são, isso não me incomodava. Agora, querer calar o outro só porque o menino ou a menina não aprecia. Epá, besuntem-se de esperma de escaravelho até criarem uma camuflagem perfeita e depois atirem-se ao poço da seriedade, por favor.
Mudando de assunto, mas, se formos a ver, continuando no mesmo: não é que a Fundação de Serralves, na famosa exposição de Robert Mapplethorpe, decidiu retirar um conjunto de obras do artista norte-americano por esta apresentar, na sua maioria, muitos falos e coisas enfiadas, digamos, no rabo. Obviamente, e como devem prever, ninguém está preparado para ver isso. As pessoas estão tão habituadas a outros tipos de chavascal – telenovelas portuguesas e os programas nos canais generalistas de domingo à tarde – que dão por elas a indignar-se com pilas.
Num primeiro momento, a administração da Fundação proibiu certas fotos a menores de 18 anos, reservando um espaço para os mais sensíveis. Posteriormente, permitiu-se a entrada a menores de 18 anos quando acompanhados pelos “respetivos representantes legais”. Coisa, claro, que nenhum menor está habituado a assistir ao monte. No máximo, uma turma de vinte e quatro alunos numa aula de TIC. Que infâmia! Parece que estou a ouvir os titios puritanos: “Ó Amaral, cerre os olhos. Vamos entrar numa sala de nabos”. Coisa que, para o Amaral, sem os papás saberem, é só uma sexta-feira no Lux.
Não é tudo isto uma chafurdice de moralismo puritano? Duvido, sinceramente, que um jovem menor se surpreenda com as imagens em exposição, exprimindo: “Calma, isto não é tão diferente como o RedTube. É apenas mais requintado, mais bonito e despoleta em mim uma vontade exacerbada de prática de deboche”.
É chato para mim ter o conhecimento de censura neste admirável – acatem o sarcasmo – mundo moderno, democrático e livre. Não vivi sequer nenhum dia em ditadura pelo que agradeço isso ao povo que mais ordena. Mas também não é agora que, vá lá, me apeteça saborear os tempos louros em que o meu pai dizia “era à reguada, se te portasses mal” ou “até um irmão teu podia denunciar-te” ou “não digas isso que vais preso”. Prezo tanto a liberdade que para mim é intolerável sequer pensar em qualquer tipo de censura. Mesmo assim, vivemos tempos muito difíceis e perigosos, e é preciso o regozijo de todos para que as almas puritanas se vergam perante a sequência de tarolos disformes da obra de Robert Mappletorpe e de qualquer outro que a, com a sua arte, consiga quebrar preconceito. Porque a Arte é isso: romper com o cânone, romper com a idealização do que achamos mais correto. E o mais estranho de tudo, entrando em concordância com o Ricardo Araújo Pereira, é a igreja estar sossegadinha. Não estou habituado a isto, confesso. Os tempos modernos... a modernidade.
Herman JC