Pergaminho dobrado em dois
Mutatis mutandis
Certo dia de manhã, depois de ser olhado, como num cortejo fálico ateniense, por gente que nem sequer lembra ao diabo, deu por si, algures entre Andrães e Mondrões, transformado num pedaço de penedo monstruoso lembrando-me o quadro de Magritte: “The Castle of the Pyrenees”. Estava deitado como se estivesse a enganar o sono enquanto imaginava, de olhos semicerrados para baixo e o uniforme falo para cima, Madame Bovary despida até aos joelhos e com todas as suas potencialidades aparentes de mestria adúltera.
Dizia-se algures que tinha sido um homem viajado. Visitando inúmeros lugares. Vários países na Europa, alguns de África e da América, dois ou três da Ásia e, conta-se, que tenha chegado a ir à Sertã.
Mas ele não era agora senão aquilo. Parecido ao vertiginoso Gulliver. Parecido a qualquer coisa e a coisa nenhuma. O rosto era poesia épica de Miguel Ângelo, escultura de Homero e musica de Péricles. Do pescoço para baixo vestia-se da nossa imaginação.
A gente que o olhava nutria varizes no lombo que, de tanto enrabar fichas de três pinos, inevitavelmente, a pouco e pouco, lhes concediam queimaduras de diferentes graus matemáticos.
Mas ele era apenas aquilo.
Nome era coisa que não tinha. Para quê? Se alguma vez o Homem se valesse pelo nome. Se alguma vez o Homem se valesse por coisa alguma.
Somos todos Ivan Ilitch – dizia ele, manifestando o seu desagrado às hemorroidas que contraia.
Mas ele era apenas aquilo.
Professor reformado, conta-se, do primeiro ciclo. Fazia sempre questão de, com a sua voz coloquial à Padre António Vieira, narrar aos seus alunos, por palavras próprias, um enxerto da Alegoria da Caverna, que mais tarde, por razões obvias de grande intelecto, imaginando sempre que pudesse vir a ser a Anne Frank do Ribatejo, resolveu escrevê-lo num diário. Passo a citar: “Há uma caverna onde, no seu interior, vários prisioneiros estão fechados desde que nasceram e por isso exercem compulsivamente uma masturbação impiedosa. Os pescoços e as pernas estão acorrentados de modo que os impossibilita de se espernearem no último esguicho. De fronte, uma parede de pedra. Por trás e por cima deles há um fogo, e entre o fogo e os prisioneiros há uma parede baixa onde as pessoas andam transportando objetos na boca. Mais tarde, descobriram que não eram objetos. A luz do fogo projeta sombras dos objetos na parede diante dos prisioneiros. Acontece tudo em dimensão tão reduzida que parece um filme pornográfico para anões. Essas sombras são tudo o que os prisioneiros conseguem ver. Os únicos sons que ouvem são os ecos do latejar dos seus falos aquando à masturbação: Chlap Chlap Chalp (...)”. No final, e em jeito de concluir a alegoria, dizia: “Os masturbadores somos nós. Masturbamos a nossa vida atingindo um repleto e continuo esguicho de futilidades e ignorância. Vivemos todos na caverna da masturbação. A luz está entre os seios da Serenella Andrade e o meu corpo de Adónis.”
Um senhor de uma existência dedicada à arte do chavascal. Aconselhando sempre a não seguir o caminho da rotice. Aconselhando sempre a sermos uma Joana Vasconcelos na construção de uma miríade de badalhoquismo. Porque para ele, a vida é uma continuação de bombadas inéditas.
Sentia-se Darwin ao assistir à evolução da espécie em direto, diante dos seus próprios olhos, quando comparava a frondosa púncia da Maria Indignada com a imberbe racha da Manuela Puritana.
Era um senhor ativo na liberdade dos tarolos. Indignar-se-ia com a gentinha puritana que se incomodou com as macro pilas Mapplethorpianas. Como se as pilas fossem um atentado à humanidade. “As pilas já fizeram mais pela humanidade do que a religião”, dizia ele. Seguido de: “Pelo menos nunca li nem ouvi em lado nenhum que a razão pela qual aconteceu a atrocidade da Guerra dos Trinta Anos era que os católicos possuíam falos de um tamanho repreensível e que os protestantes padeciam de terrível inveja”.
Mas ele era apenas aquilo.
Tal como Platão considerava os Atenienses corruptos, ele considerava a nossa sociedade uma mistela de pessoas sensíveis ao cavalo de Turim e pessoas que têm o nabo em carne viva devido a fortes e acutilantes comichões.
Mas ele continuava ali estendido. Num desespero imundo de sair dali. Em volta, parecia o jardim de Éden enjaulado num bairro da lata. Frigoríficos causando grande impacto nas testosteronas de quem os olhava. Objetos abjetos de propriedade privada faziam-se coro perante o prólogo da sua existência.
Mas ele era apenas aquilo.
Por fim, escreveu um epitáfio grandíloquo, prevendo uma existência prévia, como se quisesse dizer-nos alguma coisa quando fossemos visitar outros mortos e passássemos por ele: “Como em tudo na vida – menos na masculinidade exuberante de quem aqui jaz – há um destino fatídico e irónico, deixo-vos aqui uma mensagem: a morte é uma mer
Ele rejeitou concluir o seu epitáfio.
Eu rejeito-me a concluir esta narrativa biográfica.
Ele será sempre apenas aqu
Herman JC