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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

26
Out15

Quem conta um ponto...


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262 - Pérolas e diamantes: a sacralização da inércia

 

O bom do António Lobo Antunes mais uma vez provou que é um escritor cheio de sadios modos e muito saber. Numa entrevista ao El País deu mais algumas estocadas nos mitos portugueses. A primeira quando afirmou que o fado não lhe interessa lá muito porque “depois de ouvir um ou dois, é tudo muito monótono”. Mas o momento mais interessante foi quando afirmou textualmente que “o livro do não sei quê (querendo referir-se ao “Livro do Desassossego”) aborrece-me de morte. A poesia do heterónimo Álvaro de Campos é uma cópia de Walt Whitman; a de Ricardo Reis, de Virgílio. Pergunto-me se um homem que nunca f**** pode ser um bom escritor.”

 

Afinal tudo isto, e muito mais, pode ser verdade porque Lobo Antunes, o escritor que ama o silêncio e ainda espera vir a ganhar o Nobel, aprendeu mais “com alguns saxofonistas como John Coltrane ou Charlie Parker do que com escritores.”

 

É caso para dizer que em Portugal quase ninguém gosta de ninguém.

 

O português moderno goza com a violência perniciosa da televisão, dos filmes onde o herói de três em três minutos necessita de esmurrar os maus para que o telespectador não mude de canal, dos concursos televisivos onde gente tola exibe as suas baixezas em troca de algum dinheiro, das telenovelas onde todos aparentemente se amam, se odeiam, se atraiçoam e se juntam no final. Apoiam os cinzentíssimos diretores, jornalistas e comentaristas pagos principescamente para serem a disfarçada voz do dono. Um deles até pretende, e talvez consiga, ser Presidente da República. Eles contrapõem com firmeza que estão inocentes e que se limitam a prestar um serviço público muito importante ao povo pequeno e simples, pois do que o povo gosta é de coisas simples e pequenas e fáceis de entender.

 

E os novos arautos da modernidade até arranjaram uma nova nomenclatura para explicarem ao povo aquilo que não tem explicação. Em vez de lhe falarem nos salários baixos que auferem, dizem que se trata apenas de competitividade. Que em vez de serem despedidos, apenas vão ser objeto da flexibilidade das leis laborais. Que quando falam em competência se estão a referir a gente do seu partido.

 

A mediocridade e a vulgaridade triunfaram em todas as frentes. Os sonhos da liberdade, da igualdade, da justiça e da paz foram substituídos pelos dos cavalos de potência e das jantes do BMW, do cartão de crédito e das férias no estrangeiro.

 

Somos governados por homens misteriosos, instalados no coração do sistema, que se limitam a aplicar a sua técnica fria e calculista à gerência da condição humana.

 

E a malta lá vai crescendo e ficando mais cobarde e hesitante. Todos pensamos muito antes de agir. E quando agimos já o fazemos tarde e mal. Afinal o anti-Rosseau triunfou sobre o verdadeiro enciclopedista: o homem é por natureza mau, a sociedade é que o converte. Graças a Deus que ainda existe em Portugal uma escola pública de qualidade. Não sabemos é por quanto tempo.

 

Que raio de futuro pode ter uma sociedade sem esperança, sem educação e sem cultura?

 

Vendem-nos o mercado como a solução para tudo. Mas nenhuma sociedade democrática pode prescindir dos grandes sonhos, dos grandes mitos, das grandes ideias. Como dizia Manuel António Pina, são os sonhos e não as cotações da bolsa quem comanda a vida.

 

Esta sociedade mercantilista teima em roubar-nos o melhor que o homem tem: os valores, os ideais, os sonhos e a vontade. Transformaram o mundo numa imensa selva onde apenas sobrevive o mais forte e o mais ardiloso.

 

Os brutos tomaram de assalto a metrópole. Só sabem falar dos projetos económicos, das empresas, dos programas partidários. Enchem a boca com a agressividade, a competitividade e o lucro como fabricadores do progresso. Sacralizam a iniciativa privada. Veneram o dinheiro. Qualquer dia privatizam os rios, os mares, as serras e os montes, e até o próprio ar que respiramos. Preparam-se para fazer com o ar o que fizeram com a água.

 

E são os próprios propagandistas da cultura económica os que asseguram a predação social estabelecida, não se esquecendo de nos pregar sermões sobre a ética a que todos devemos estar sujeitos.

 

Somos hoje um país com menos autonomia, menos liberdade e menos igualdade do que éramos ontem ou anteontem.

 João Madureira

 

PS – Na sua extensíssima entrevista à Voz do Alto Tâmega, o presidente da Câmara de Chaves, António Cabeleira, afirmou que conseguiu completar novas infraestruturas, certificar o Pastel de Chaves, consolidar a marca “Sabores de Chaves” e que com ele os flavienses adquiriram uma nova visão sobre a cultura na cidade (esta última afirmação só pode ser entendida devido ao facto de o estimado edil pretender evidenciar os seus dotes de humorista, que os tem, honra lhe seja feita).

 

Tudo isto, o senhor arquiteto conseguiu. Apenas uma coisa foi incapaz de resolver: os esgotos em Vale de Salgueiro, Outeiro Seco, que continuam a correr a céu aberto, empestando os ares e inutilizando as terras em redor. Ali às portas da “sua” eurocidade, de que tanto se orgulha. Isto há mais de oito anos.

 

 

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