Quem conta um ponto...
345 - Pérolas e diamantes: Hot Dogs
Depois da Guerra Fria, os seus silenciosos heróis passaram à clandestinidade na mesma sociedade que protegeram. Talvez se sintam agora dissidentes. Quase como estrangeiros no seu próprio país.
Antigamente nem sequer eram recebidos nas divisões das traseiras. Agora acomodaram-se às pessoas e às situações.
Talvez ensinem em universidades onde lhes é dedicada alguma atenção, que será seguida de alguma confiança e é até provável que gozem de algum apoio.
Dizem o que as outras pessoas disseram antes delas: Quem pode, faz; quem não sabe, ensina.
Perderam a sua utilidade, a sua unidade e o seu objetivo, porque viram demasiado, omitiram demasiado e conciliaram demasiado.
Mas será que alguma vez o desespero e a pobreza humana constituíram séria preocupação para alguma nação rica? Estou em crer que não. Mas eu sou um incréu, não posso servir de exemplo.
Habituei-me a misturar o tremendamente sério com o tremendamente frívolo, tentando fazer com que a diferença entre um e outro seja pequena. Faz parte do manual de sobrevivência em sociedade.
Aprendi a libertar-me do medo porque sei que as pessoas medrosas nunca aprendem.
A maioria das vezes não se ganha. O outro lado é que simplesmente perde. Os conflitos ideológicos, em vez de nos libertarem, reprimiram-nos. A guerra, que diziam fria, terminou. Pelo menos é isso que dizem. O que importa é a esperança.
De uma coisa me arrependo, do tempo e das capacidades que desperdiçámos, para nada.
Fingíamos que as coisas não existiam, ou então fingíamos que não eram importantes. Era esse o manual de sobrevivência de um revolucionário.
Nunca é com a mentira que vamos derrotar os mentirosos.
Sei agora que do lado de lá, onde estavam os putativos amigos, mentiam para esconder o seu mau sistema. Do lado de cá também nos mentiam para esconder as supostas verdades.
Falavam do respeito pelo individuo, do amor à diversidade e à discussão, na crença de que só se pode governar justamente com o consentimento dos governados. E enalteciam a nossa capacidade de ver o ponto de vista dos outros – sobretudo nos países que explorámos, quase até ao aniquilamento, para os nossos próprios objetivos.
Em defesa de uma suposta retidão ideológica, enchemo-nos de uma compaixão deífica, a raiar a indiferença.
Apesar das ladainhas ocidentais, é ainda onde nos encontramos. Na indiferença estratégica.
Aparentando o contrário, a nossa sociedade continua a proteger os fortes contra os fracos. Apenas aperfeiçoámos a arte da mentira pública.
Horace Walpole escreveu que “este mundo é uma comédia para os que pensam e uma tragédia para os que sentem”.
Por isso é que, salvo raros momentos, o nosso presente é uma comédia e o nosso passado foi uma tragédia.
Por incrível que possa parecer, dizer não é sempre mais fácil do que dizer sim. Deixar de sentir não é deixar de existir. Além disso, a filosofia tem de servir para alguma coisa.
Também eu teimei durante algum tempo em ser, ou parecer, conservador. Mas que diabo é que existe por aí de bom que se possa conservar?
Eu sei que a vida ou é uma busca ou não é nada. Mas, convenhamos, não é com o aproximar da idade da reforma que uma pessoa se deve disponibilizar a vaguear perdido e a dar voltas à cabeça sobre a maneira de reinventar a humanidade.
Agora compreendo, depois de muito estudar a multiculturalidade e os seus apóstolos,
a razão porque tanto os cambojanos como os tailandeses apostam grossa maquia no número de vezes que uma rã vai arrotar.
É com a chegada do verão que se escuta o frenético tagarelar dos insetos.
João Madureira