Quem conta um ponto...
349 - Pérolas e diamantes: Estátuas e enigmas
Todos, ou quase todos, nos rimos com a verdade. Apreciamos a filosofia do corrupto Enoch “Nucky” Thompson, tesoureiro da Câmara de Chicago no filme de Martin Scorsese, que perorava: “Nunca deixes que a verdade estrague uma boa história.”
Além disso, para o Capuchinho Vermelho, o mundo a sério é aquele onde os lobos falam.
E a menina cresceu e o lobo transformou-se em homem-touro que aprecia imenso desabotoar-lhe o vestido e tombá-la a seus pés. Atualmente já não usa roupa interior. O seu corpo é o de uma pintura de Rafael, com os seios densos, cintura fina, ancas largas, ombros ligeiramente descaídos e sexo rapado. Usa também um corte de cabelo que faz lembrar uma princesa cartaginesa.
A maioria dos seres humanos não suporta a verdade. Nisso seguem os historiadores, que se refugiam no conforto intelectual de si mesmos, nas suas verdades, nos seus lugares seguros, evitando os temas mais difíceis e desagradáveis, rendendo-se aos velhos ídolos e clichés ideológicos, quando não à chantagem política.
O mesmo se aplica aos pretensos fazedores de opinião e distintos líderes políticos em ascensão, que não param de procurar o Feiticeiro de Oz na Cidade Esmeralda com a esperança de lhe pedirem o que mais desejam, para, inevitavelmente, descobrirem que ele não passa de um impostor.
Os meios imorais conduzem a fins imorais e geram tipos imorais, seja em que situação for.
Agora, os museus estão sempre repletos de grandes obras e também de turistas japoneses. Por isso é preciso ter coragem para suportar o muro amarelo que nos separa dos quadros mais famosos. E o que mais me intriga é o facto de eles os fotografarem sem sequer os olhar.
Depois do Axel e da Marina terem visitado Veneza, pois eles gostam de viver os seus destinos, também eu e a Luzia temos programada uma visita a essa cidade italiana. Esqueçam a Praça de S. Marcos. Iremos direitinhos ao Campo Santo Stefano, depois de cruzar o Grande Canal, para ver a estátua de Niccolo Tommaseo, um escritor e político, logo desinteressante, que os venezianos alcunham de Cagalibri: o caga-livros, por causa da estátua, que dá mesmo a sensação de cagança livreira. Para ironia, ironia e meia.
Lembra-me a frase de Leibniz: “A educação pode tudo: ela faz dançar os ursos.” E até levar pessoas a Veneza para ver a estátua de Niccolo Tommaseo.
Mas a vida de um intelectual não é fácil. Posso mesmo dizer que é desanimadora. Andam sempre à procura de unicórnios e só encontram rinocerontes. Mas, mesmo assim, os mais estoicos, que são geralmente os mais parvos, não desistem.
Alguns são tão desinteressantes que provocam sonolência a si próprios. Outros vestem-se sempre a rigor para ir passar recados à oposição. Antigamente iam para castrati.
O povo não sabe se os deve amar ou querer-lhes mal.
São elegantes e frios. Adoram a tradição. São mais generosos com o lume do que com o alimento.
Os capitães de Abril já cá não estão, mas o poder anda disseminado por toda a parte. A arte está em apanhar os bocados e reconstituir o puzzle.
Entra neles uma tal vontade de agradar que aprenderam a contrair os músculos da cara num sorriso.
O problema dos homens não reside tanto em serem maus ou bons, mas antes em serem fracos.
João Madureira