Quem conta um ponto...
419 - Pérolas e Diamantes: Os olhos vingativos das sereias
Muita da literatura que por aí vigora é dedicada a desconstruir instituições tão “perigosas” como a família, a escola, a lei e o estado-nação através dos quais a herança da civilização ocidental foi passada até nos.
Esta literatura, que foi glorificada e fertilizada nos escritos de Foucault, apresenta como “estruturas de dominação” o que cada um de nós identifica como instrumentos de ordem cívica.
Ou seja, segundo esta interpretação, é urgente libertar as mulheres da opressão masculina, libertar os animais do abuso humano, lutar ao lado dos homossexuais e transexuais contra a homofobia, e mesmo cerrar fileiras ao lado dos muçulmanos para combater a islamofobia. Mas, a fazê-lo, é necessário deixar-nos absorver pela agenda da esquerda. De outra maneira, nada feito.
É triste, mas verdadeiro, o igualitarismo mais radical dos marxistas e anarquistas do século XIX, que lutaram sem tréguas, e sem hesitações, pela abolição da propriedade privada, já não possui o poder de atração global de antigamente. O slogan “proletários de todos os países uni-vos”, foi chão que já deu uvas.
O objetivo igualitário não permite que nada, nem ninguém, se meta no seu caminho. Nenhum costume, instituição, hierarquia ou lei existentes, pode triunfar sobre a igualdade.
A proclamada justiça social continua a lavar a História. Uma mão lava a outra...
Marx defendeu n’A Ideologia Alemã algo extraordinariamente poético. A seguir à ditadura do proletariado, o Estado definhará. Não existirá nem lei, nem a necessidade dela. Tudo será de todos. Não existirá divisão laboral. Toda a gente irá gozar em pleno as suas necessidades e desejos, “a caçar de manhã, a pescar à tarde, a reunir o gado ao fim do dia e a discutir literatura depois do jantar”. A seguir à ideologia veio a prática. E depois foi aquilo que se viu.
Diziam os apóstolos dessa boa nova que tudo isso era “científico” e não utópico. Afinal, tudo não passou de uma piada. Que rica seria a vida sem propriedade privada.
Os marxistas “científicos” diziam que só um pensamento sério nos faria acreditar que a História caminhava, ou devia caminhar, no caminho do socialismo. Depois da realidade indecorosa desse “materialismo dialético”, os historiadores de esquerda passaram a minimizar as atrocidades cometidas em nome do socialismo e a culpar as forças reacionárias pelos desastres que fizeram retardar o avanço socialista.
Roger Scuton, considera que “a assimetria moral, que atribui à esquerda o monopólio de virtude moral e usa a ‘direita’ como um termo de abuso, acompanha uma assimetria lógica, nomeadamente, a admissão de que o ónus da prova cai sempre no outro lado e não pode , jamais, ser retirado”.
A esquerda uma coisa conseguiu: burocratizar a liberdade e a justiça social.
Eric Hobsbawm, por exemplo, nos quatro volumes da sua História do nascimento do mundo moderno, faz uma síntese enganadora tentando branquear a experiência comunista e culpar o capitalismo de todo o mal no mundo, o que, bem vistas as coisas, é, além de sinistro, um pouco antiquado.
Todos sabemos que os factos são mais interessantes e memoráveis quando fazem parte de um drama. Por isso é que a esquerda passa a vida a dramatizar porque, na sua visão, a vida moderna só pode ser dramática. Sem drama não há revoluções.
A História marxista só adquire significado com a classe operária no topo das prioridades. Por isso há que demonizar a classe alta e romantizar a baixa. Faz parte do jogo. Faz parte do vício. Faz parte do drama.
No seus livros, Hobsbawm, por exemplo, não se incomoda com pormenores como a lei e os processos judiciais, não vê necessidade em mencionar o decreto de Lenine, de 21 de novembro de 1917, que anulava os tribunais, o foro judicial e toda a advocacia, deixando as pessoas sem a única proteção que tinham, ficando por isso sujeitas à intimidação e à prisão arbitrárias.
Lenine criou a Cheka, percursora do KGB, e o poder que lhe atribuiu para usar métodos terroristas necessários para expressar a vontade das “massas” contra a vontade do simples povo, também já se esqueceu. A borracha comunista é impressionante.
Eric Hobsbawm também nada diz sobre a fome de 1921, a primeira das três vagas de fome provocadas pelo Homem no início da História soviética, fome que foi propositadamente usada por Lenine para impor a vontade das “massas” aos desafiadores camponeses ucranianos, que ainda não tinham aceitado incorporar as leis do socialismo científico, nem o seu papel na História.
A morte libertou-os das dúvidas.
O que mais me surpreendeu na leitura do livro “A Era dos Extremos” foi o não ter sido considerada uma obra equivalente à do branqueamento do Holocausto por David Irving.
Mais uma vez descobri que os crimes cometidos à esquerda não são verdadeiros crimes. E que aqueles que os desculpam, ou ignoram, em silêncio cúmplice, têm sempre bons motivos para o fazer.
É bem verdade, a raposa pode mudar de pelo, mas não muda de hábitos.
João Madureira