Quem conta um ponto...
460 - Pérolas e Diamantes: A longa espera
Parece que a legitimação pós-moderna da democracia assenta na peregrina ideia de confundir o poder político com a administração e a gestão.
A poderosa máquina do Estado vive na tentação de engolir tudo. Vivemos entre a paranoia da corrupção e da incompetência. Mas o país não vai soçobrar no abraço de urso do “complexo de culpa” luso. Isso é que era bom.
Nem tanto, nem tão pouco.
A verdade é que nos falta alguma coragem moral e política para evitar o descalabro. A verdade, também, é que nem o denominado estado de bem-estar é ilusório, nem o humanismo é decadente, nem a liberdade é alienante.
A democracia não corrompe a sociedade. Os falsos democratas é que sim.
Claro que a maioria dos políticos não são nem demoníacos, nem maquiavélicos, nem corruptos. Mas estamos conscientes de que também não são, por muito que o apregoem, nem homens extraordinários, nem administradores sensacionais e muito menos moralistas impolutos.
Os que mais triunfam são aqueles que conseguem misturar a demagogia com uma apreciável rapidez de análise dos fenómenos políticos e sociais que os rodeiam.
No jogo de xadrez político, os mais distintos raramente movem uma pedra de forma errada.
Mas o quadro tradicional das fações continua a ser o da hipocrisia que sempre minou a política.
A verdade é que a política está ocupada por gente sem caráter, de mercenários perfeitamente desfasados da vida real.
É difícil em Portugal perceber onde termina a dignidade e começa a hipocrisia. E o contrário também é verdadeiro.
Marco António disse num seu discurso que Brutus era um homem honrado, mas...
Em Portugal, o Governo vai-se mostrando exímio em aplicar, uma vezes, uma política de esquerda usando a mão direita e, outras, fazendo o contrário, praticando uma política de direita utilizando a mão esquerda. A Geringonça é isso mesmo.
A mim, os debates políticos parecem-me um concurso de putos a ver quem consegue mijar mais longe.
A lógica da política assenta em dois procedimentos: ajudar a nadar quem está a nadar e ajudar a afundar-se quem está a afundar-se.
E porque razão votamos? Somos escravos do instinto. Das ideias feitas. Dos sorrisos inócuos. Da opinião imbecil. Há uma loucura mansa em acreditar que um voto constrói uma democracia. É como tentar enxaguar o chão com uma torneira de água aberta.
Nietzsche escreveu o seguinte aforismo: “Para vermos algo como um todo temos de ter dois olhos, um de amor e um de ódio.”
Dizem que a compreensão da política é um conhecimento útil. Para mim é tão útil como o conhecimento da composição da água para um marinheiro em risco de naufragar.
Fizeram-nos acreditar que eles acreditavam que ser é mais importante do que ter. Pensamos o poder como uma vantagem. Mas não é bem assim. Quanto mais se sobe, mais dura é a luta. Quanto mais perto se está do cume mais custa fazer concessões. Mas mais têm de ser feitas. E no ponto mais alto da hierarquia, as humilhações costumam ser violentas. Na maioria das vezes não há lá ninguém para ouvir as queixas pessoais. Cada um trata de si. Os pequenos chefes não conhecem mais do que o medo de que os apunhalem pelas costas. A raiva cresce. O veneno das falsas promessas toma conta de tudo. São sempre os reis do mundo até a roleta ser posta de novo a girar.
Por incrível que pareça, adotam-se sempre os líderes mais patéticos. As pessoas gostam de ser enganadas.
A direita está em pânico porque ou não sai do sítio ou se sente a afundar a uma velocidade preocupante; a esquerda moderada já não se limita a fazer parte do sistema, é o próprio sistema e conseguiu até que a extrema-esquerda passasse do lado obscuro para o lado claro da força. Já acredita em jedis. A adversidade serve-lhes para reforçar a certeza de que têm razão.
Os seus militantes mais representativos transformaram-se em compulsivos consumidores e animadores do Instagram, Facebook e Twitter. São infobesos.
Querem-nos fazer acreditar que a política se baseia numa história sobre a inocência. Mas todos sabemos que em política a inocência é pura e simplesmente impossível.
Vamos esperar que a política se transforme numa atividade honesta e verdadeira, que sirva para melhorar a vida de cada cidadão contribuinte.
Como defende David Lynch, o realizador de Veludo Azul e Twin Peaks , “em comparação com a eternidade, qualquer espera é sempre pouco morosa”.
João Madureira