Quem conta um ponto...
473 - Pérolas e Diamantes: Luvas brancas
Com os anos que levo já me habituei a quase tudo. Até a suportar as pessoas. Mas não há maneira de me habituar à estupidez humana e à má educação.
E também não percebo, desde criança, a razão de o Rato Mickey e a Minnie usarem sempre luvas brancas.
Lembro-me então da escola, das aulas de biologia e de filosofia e dos rizomas e da rede de relações e ligações totalmente descentralizadas, desordenadas, sem princípio, sem limites, com cada ramo a poder ligar-se a outro, sem hierarquia, sem lógica, sem centro.
A realidade político-partidária age e desenvolve-se da mesma maneira. O poder é fonte de desejo. E de segredo.
As derivações são múltiplas. E em aceleração. Nós por cá já vimos de tudo: relações amorosas, ligações sexuais, ruturas afetivas, amizades, interesses recíprocos, situações de dependência, promoções profissionais, abuso de posições dominantes, decifrações, indecifrações, lojas, paróquias, irmandades, misericórdias.
O rizoma político nacional é extremamente denso e secreto. É bem mais do que o simples lóbi que deixa transparecer. É um sistema que se auto sustenta.
E o povo afasta-se da porta para ir observar tudo isto da janela. Que simpático é o povo.
Existe, no entanto, uma coisa que me incomoda. É a educação. Claro que ela faz falta. Mas custa a justificar como um sistema de ensino de qualidade, como o soviético, não foi capaz de salvar um país e o deixou cair na miséria económica. E, no que a nós diz respeito, não sei para que nos serve ter a geração mais bem preparada de sempre para estar no desemprego e o país na cauda da Europa. A mim não me serve de desculpa. E aos visados não lhes vale de um corno.
Já todos identificámos que um dos problemas nacionais é a endogamia existente no sistema político, financeiro e universitário do país. Há apelidos em que tropeçamos constantemente quando procuramos quem integra os órgãos sociais das principais empresas portuguesas ou os órgãos dirigentes dos principais partidos políticos.
O futuro não se faz a andar para trás.
Os prazeres da hipocrisia tudo superam. As atitudes são compostas ao sabor dos novos tempos. Tudo é visto sobre um prisma diferente: o dinheiro, a verdade, a doença e a vida sexual. Tudo vive na angústia da procura da felicidade. Todos medem forças com o destino. Vive-se para entrar numa estatística, seja ela qual for. A lei maior é a do sucesso. Mas isso é como amar um desconhecido.
Uma coisa sabemos: os políticos pós-modernos não estão a construir o país que os nossos filhos merecem. Já há quem queira fazer História com H grande. O tempo desacelerou. Parece que o destino não está a nosso favor.
Olhamos à nossa volta e não gostamos muito daquilo que vemos. Os mais velhos sofrem e os mais novos sentem que a sua vida é cada vez mais complicada.
Custa perceber que os que melhor tiraram partido dos anos excecionais da integração europeia, e melhor protegeram os seus “direitos”, foram os políticos industriosos e os que conseguiram chegar à informação privilegiada.
Tudo fazem para que a nossa opinião seja otimista, ou pessimista, conforme lhes dê jeito. É justo o juízo de que não há profissões, há posições.
As diversas escolhas políticas remetem-nos para a igualdade, mas a verdade é que a desigualdade é cada vez mais evidente. Estou em crer que é a realidade quem nos mente. A realidade também está no desemprego.
Posso dizer, com lágrimas nos olhos (de me escancarar a rir, provavelmente), que nasci um ano depois de José Sócrates, Marques Mendes e António Vitorino. Ou Rui Rio.
Não os culpo. Eles são políticos. Gente séria e responsável. Eu é que sou irresponsável. Eles ficaram com os privilégios. Eu com o engano do sorriso. Eles ficaram com o lado extrativo da realidade. Eu com a porcaria da criatividade ficcional.
Eu defendi a revolução. Eles a economia com regras estadistas e centralistas. A integração europeia. E lá continuam a passar a mão pelos subsídios. Fazem-lhes festas. Gostam de regular as contas com a eficácia que todos sabemos.
Antigamente distribuíam, às escondidas, propaganda ilegal carregada de evidências. Nos seus novos tempos democráticos conservam ainda a coragem de distribuir, às escondidas, propaganda legal carregada de incoerências.
Claro que a culpa só pode ser minha. Nossa.
Como escreveu Alexandre O’Neill: “Em Portugal nunca deixamos cair nada; são os objetos que se escapam das nossas mãos.”
João Madureira