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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

14
Mar22

Quem conta um ponto...


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581 - Pérolas e Diamantes: Provincianices

 

Celebramos “Os Lusíadas”, mas, para o bem e para o mal, é bom que se diga que Camões foi um marginal, não um homem de corte. Por circunstâncias diversas, foi um dos primeiros poetas europeus a contactar com outros povos e outras culturas, o que lhe abriu os horizontes. Foi também um homem de exílio. Manuel Alegre foi um homem de exílio. Jorge de Sena foi um homem de exílio. Saramago foi também um homem de exílio. A nossa pátria não trata bem quem a defende, não na razão das balas, mas das palavras.

 

Agora, por paradoxal que pareça, lê-se pouco, muito pouco, e mal. E não é por falta de livros, nem de tempo. O que se lê é pura porcaria, lixo encadernado, subliteratura de gente que diz falar com Deus, homem ou mulher que mudou de sexo e livros de autoajuda.

 

Em vez de construir, os homens, as mulheres e os outros, aprenderam a desconstruir. São os filhos da democracia que a estão a desconstruir, como se se tratasse de um mero jogo de computador. Manuel Alegre tem razão: “Há hoje um certo abastardamento da cultura, da educação, da civilização. Há uma crise de valores, acha-se que tudo é permitido.” Sob a capa do anonimato, as “fatídicas redes sociais”, promovem a cobardia e a degenerescência.

 

Também Rentes de Carvalho é um homem de exílio. É um desgraçado, diz ele, mesmo a escrever. Diz que chegou a pensar tornar-se um advogado para endireitar o mundo. Com tal idealismo, não é de espantar que tivesse dado com os burrinhos na água.

 

Agora já não quer salvar o mundo. Deu-se conta de que há demasiadas seitas a querer melhorá-lo e salvá-lo. E todas cheias de boas intenções. Isto já vem de longe. O mais famoso dos idealistas acabou crucificado, traído por todos e abandonado pelo seu próprio pai.

 

Viver e caminhar na corda bamba. Os bem intencionados começam sempre a pregar bons princípios e acabam, invariavelmente, a defender a eliminação dos que pensam de forma diferente.

 

Quem vive do sonho e da fantasia, mente quando é preciso. Esses são os contadores de histórias.

 

Mas fingir provoca náuseas. A vida em sociedade exige uma má relação com a franqueza. É difícil estabelecer a fronteira entre a hipocrisia e a cautela.

 

Confesso, eu não me sinto bem aqui, mas é aqui que vivo. Quem nasce inquieto anda sempre a pedir mudança. Ficar é o destino da necessidade. Viver por aqui dói e aflige. Depois é quase tudo tristeza, raiva e mau humor. Também é amor, muito, mas por poucos.

 

Pego no Rentes de Carvalho e vou em frente: “Mais do que nunca, sinto um intenso desdém não só pelos políticos de todos os quadrantes, como também pelas chamadas elites que, monarquia ou república, Salazar ou democracia, continuam a comportar-se como se o país fosse coisa sua. Não é.” Pena é que nem ele nem eu assistiremos ao Dia do Juízo em que tais bisnaus e tartufos irão pagar o preço da arrogância.

 

Eu, por causa das coisas, continuo a alimentar o meu cágado e a tentar terminar a leitura do Ulisses de James Joyce, mas nem nisso a província me ajuda.

 

Porra, pá, eu continuo a gostar da literatura que não vai à missa. Este quotidiano aflige. É difícil resistir-lhe com vida. Os que teimaram em transformar o mundo, acabaram por transtorná-lo.

 

Por aqui, tratam os poetas como cães. Por isso, como dizia Ferlinghetti, eles uivam. 

 

No Porto, como escreveu João Gesta, o homem das Quintas de Leitura, o seu eu poeta gosta de se sentar à fresca “a medir o tesão às flores”. E depois seja o que Deus quiser.

 

E por cá andamos atrás das palavras e dos palermas. A fingir. Vagamente vagarosos, indolentes, escrevendo até ao aborrecimento, tentando alcançar a qualidade, como se isso fosse capaz de mudar o mundo.  Tudo isso provoca apenas desagradáveis estados de espírito e o indesejável complexo de inferioridade.

 

Dizem-nos para termos as mãos cheias de boas intenções. E eles, ou elas, a despachar más palavras embrulhadas em papel celofane.

 

É difícil ser-se predador e vítima, ao mesmo tempo. Ser-se lobo e tentar vestir a pele de cordeiro.

 

Depois falha-nos o equilíbrio e lá vamos nós fingindo o fingimento. A liberdade provoca cicatrizes. Alguma cultura devia tirar-nos do atoleiro. Mas parece que não.

 

Ninguém escolhe o cansaço, obrigam-nos a ele.

 

E por aqui ando a perder o meu tempo, pois os poetas e os prosadores estão todos em Lisboa. A partilhar tudo, até camas e invejas.

 

 

João Madureira

 

 

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