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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

11
Set23

Quem conta um ponto...


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650 - Pérolas e Diamantes: O poder das moscas

 

Max Weber disse que não há nada mais abjeto que praticar uma ética que apenas procura ter razão e que, em lugar de se dedicar a construir o futuro livre e justo, nos obriga a perder tempo discutindo os erros de um passado injusto e de opressão com o objetivo de retirar vantagens morais e materiais da confissão da culpa alheia. Por isso, por aqui andam, os que andam, dispostos a tudo: a renunciar ao mito da revolução, ao ideal igualitário do comunismo, à nostalgia do triunfo da revolução soviética, à mesmíssima ideia da justiça histórica. A justiça absoluta, como ficou depois provado, pode ser a pior das injustiças. O que mais custa é as coisas serem e não serem, ao mesmo tempo, boas ou más. O comportamento ostensivamente democrático dos que se julgam “os eleitos” do sistema irrita qualquer pessoa. A democracia ensinou-lhes a mentir, o que é feio. E antidemocrático. Disseram-se subversivos, os pais e o núcleo familiar achavam-nos irreverentes. Afinal, não passavam de putos malcriados. Depois chegaram à fase do charlatanismo. E bom proveito lhes fez. E faz. A sua autenticidade é uma graça, uma piada, uma mentira bem engendrada. Também existe da nossa parte, em relação a eles, algum afeto. É inevitável. Embora nunca seja num grau muito respeitoso. Ao que dizem, Portugal é um país de políticos e de poetas. Na realidade, a política e a poesia não são feitos de intenções. Provêm da esperança e do esforço. E quando alguém se chateia no desempenho da sua tarefa, o melhor é ir engraxar cuidadosamente os sapatos. E a virtude está em engraxar os sapatos dos outros. Se engraxares os teus dizem-te peneirento, egocêntrico, individualista. Se engraxares os dos outros és um cidadão solidário, fraterno e, sobretudo, interativo. Além disso nunca devemos esquecer que nós precisamos muito mais de pão do que de beleza. A beleza não se come, a não ser de forma poética. E nós espantados. Os estudiosos destas coisas dizem que o espanto aumenta a felicidade. E reduz o stresse. Ainda bem. O problema é que para os políticos já se acabaram os prólogos. E para os poetas já a metafísica se lhes escapou por entre os dedos das mãos. Andam por aí todos a argumentar em vez de observar. O futuro é sempre indefinido. Ser engraçado é muito cansativo. E a sinceridade também cansa. E até nos arranja inimigos. Por alguma razão nascemos egoístas. Já chega de uma pessoa se desconsiderar porque os outros a desconsideram. Se uma pessoa se não ajusta, o melhor é não se importar. O talento, cada um cria o seu. Os conceitos, e sobretudo os preconceitos, são uma gaiola. Nós semeámos heróis e nasceram-nos palhaços. Palhaços sérios e ingénuos. Sempre a fingirem ser quem são. Tenho saudades do tempo em que acreditava na imagem ética e estética da política, na aventura individual marcada por episódios dramáticos e por decisões intrépidas. Nós, heróis inocentes. Na primazia da ideias. Mas por fim, a chuva miudinha da realidade acabou por apagar a chama imensa da revolução. E cada um foi à sua vida. A realidade está cheia de lugares-comuns. A verdade é que a política dificulta o trabalho criativo. Sendo que o contrário também é verdadeiro. A presunção é uma doença grave. No ar paira uma leve consternação. Andam os moribundos a despedir-se do defunto. O denominado progresso tem o sabor vazio da caricatura. E depois lá estamos na festa, entre as autoridades locais e a brigada do croquete, entre presidentes de câmara, presidentes de junta e presidentes das mais distintas e abstrusas associações culturais, de solidariedade social e afins. Tudo politicamente alinhado. A situação, à primeira vista, até pode parecer incómoda. Mas não. É esta vida real que faz a nossa realidade. Este é o poder. O poder das moscas. Se o raciocínio for claro, falta ali qualquer coisa. Eu jogo o jogo. Sou normal. Até mais normal do que pensava. Mas perco sempre. Deve ser do olhar. Vou à casa de banho e vejo-me ao espelho. Talvez seja do olhar. Mas ninguém vê ao espelho o seu olhar. Apenas os outros o conseguem fazer com assertividade. Penso então naquilo que foi até agora a minha vida. Não tem ponta por onde se lhe pegue. Isso é o que os outros pensam. E quem sou eu para lhes contrariar a obstinação? Que bom proveito lhes faça.

 

João Madureira

 

 

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