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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

25
Set23

Quem conta um ponto...


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652 - Pérolas e Diamantes: Esquerda e direita

 

Apesar de todas as deceções geradas pelos fracassos e desvios das lutas sociais do século XX, continua a existir um enorme abismo entre os valores que definem a esquerda, em toda a sua diversidade, e aqueles que definem e alimentam a direita, todas as direitas. Ainda há pouco li algures que metade da população mundial sobrevive com menos de cinco dólares por dia. Provavelmente serei preconceituoso, mas sei de onde venho. O célebre filósofo britânico Bertrand Russell disse que “um homem sem qualquer preconceito – se é que existe – não pode escrever uma história interessante”. Eu penso da mesma forma. Também penso que a esquerda parece cada vez mais velha e cansada e que os seus traços ideológicos estão cada vez mais esbatidos. Mas está longe de ter morrido e de ter sido enterrada. Convém lembrar que o aparecimento dos termos “esquerda” e “direita” se ficou a dever muito ao acaso. Surgiu quando, a 28 de agosto de 1789, na recém-formada Assembleia Constituinte francesa, se colocou a questão da manutenção do direito de veto do rei sobre as decisões dos representantes eleitos da nação. Os que se lhe opunham, ocuparam o lado esquerdo da sala. Os que apoiavam a insanidade concentraram-se do lado direito. A meu ver, um dos principais erros da esquerda triunfante foi toleimar na ideia de querer transformar os senhores em servos e os servos em senhores. O assassínio em massa dos kulaks, por ordem de Lenine e Estaline, foi um dos maiores exemplos daquilo que a esquerda não podia fazer. Mas também é verdade que foi a esquerda, através das suas reivindicações em prol da igualdade, a conseguir que nas sociedades modernas e democráticas, ela se exprima através da igualdade de oportunidades, nomeadamente no sistema educativo, da igualdade entre pessoas que vêm de continentes diferentes, da igualdade entre religiões, culturas, géneros e sexos. Ou seja, a ética da igualdade tornou-se hegemónica na Europa e nos países mais desenvolvidos do planeta. Mas, e a história aí está para o confirmar, a ação da esquerda é uma tarefa de Sísifo. Rosseau, o eterno filósofo do bem, escreveu que “a primeira fonte do mal é a desigualdade”. Passadas centenas de anos, o princípio continua a ser verdadeiro. Até porque, ainda segundo Rosseau, o pecado original não existe, a desigualdade não resulta de uma vontade divina e, sobretudo, o homem não é fundamentalmente mau. A sociedade democrática só poderá sobreviver e progredir se as divisões sociais não forem demasiado grandes. Para mal dos nossos pecados, o filósofo conservador inglês Edmund Burke defendeu, nas suas Reflexões sobre a Revolução em França, que aqueles que afirmam nivelar nunca igualam. E tinha razão. Mas apesar de tudo, eu ainda continuo a acreditar nos princípios definidos pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789, documento que logo no seu início proclama: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”, defendendo que todo o poder está na nação, de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, de que o acesso a cargos públicos está aberto a todos e de que a lei deve ser a expressão da vontade geral. Apesar do meu ceticismo, mas como herdeiro do espírito jacobino, acredito profundamente no princípio da igualdade democrática. A ser possível, e atualmente penso que sim, sou o resultado da síntese jacobina entre Robespierre e Babeuf. Apesar disso, continuo a pensar, como Saint-Simon, que a Revolução Francesa, apesar da sua violência, foi necessária para destruir o Antigo Regime. Foi ele que legou à esquerda a ideia de que a História é regida por leis e feita por etapas sucessivas, orientada pela razão científica, não reconhecendo, por isso, outros privilégios a não ser os que são devidos à competência. Qualquer poder político é fundamentalmente inepto, pois apenas o poder científico tem a capacidade efetiva para fazer a sociedade avançar e possibilitar um futuro risonho e consistente. Uma coisa sabemos de ciência certa, não há saída apolítica para a instabilidade social. Claro que o direito à propriedade privada é inquestionável, mas a luta de classes também o é. Isto, enquanto elas existirem. Por isso é que, como disse anteriormente, a esquerda é vítima da síndrome de Sísifo. Resumindo e concluindo, por hoje, a democracia política só existe a par da democracia social. E isto é o que ainda hoje divide a esquerda da direita. E, se calhar, a dividirá para sempre.

 

João Madureira

 

 

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