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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

18
Nov24

Quem conta um ponto...


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706 - Pérolas e Diamantes: Die Emanzipation der Dissonanz

 

 

Os rumores estão por todo o lado. Eu que de músico nada tenho, aprendi com Schoenberg, o que ele designou como de “die Emanzipation der Dissonanz”, ou seja, em português normativo, “a emancipação da dissonância”. Esse é o meu princípio orientador, enquanto criador de ficção. Por incrível que pareça, eu não pretendo romper com a tradição, mas expandi-la. Tal como o mestre Suzuki, professor de filosofia de John Cage, evito discussões e conclusões. Ser persuasivo é uma questão diferente. Não é em vão que se lê o livro do filósofo alemão Eugen Herrigel, Zen in the Art of Archery [Zen in der Kunst des Bogenschießens – O zen na arte do tiro ao arco]. E também não é em vão que se passa várias vezes o olhar pela peça de Rauschenberg Automobile Tire Print [Marca de Pneu de Automóvel], feita com vinte enormes folhas de papel onde foi despejada tinta de parede preta e onde Cage fez depois passar lentamente o seu carro por cima delas. A obra tem seis metros e setenta de comprimento. É preciso enfatizar o acaso. E o desassossego. A minha escrita é quase uma emergência. Daí as contradições. Há sempre algo para dizer, para contar. O sentido do que se escreve muda consoante o leitor. Ou seja, desde que exista um leitor, existe motivo. Depois basta deixar coexistir estímulos não relacionados e a obra começa a fazer sentido. A ordem aleatória pode descrever, ou deixar escrever, uma estética. A escrita tem desses desenvolvimentos. As ruturas têm de ser sensíveis. Tudo o que é espirituoso não discrimina. Os meus romances não são romances. Apesar de serem romances. A identidade tem de permanecer a mesma. Mas o leitor é quem lha confere. Eu quero que os meus romances sejam livres. Mas isso depende de quem os lê. Nos meus romances não existe hierarquia. As personagens estão à disposição dos leitores. Nada neles é subserviente. Apenas subversivo. Apesar de não parecer. Os meus romances, não são neorrealistas, nem pós-realistas nem nouveau roman. São outra coisa. O problema dos escritores é a tradição. Terem de lutar contra ela e terem de a aproveitar. Olhem que não é fácil. Não se pode rejeitar a tradição, mas também não se pode depender dela. Se não for bem aplicada, e temperada, é uma coisa inerte. É uma maquinaria pesada. Não deixa progredir. Os estetas do romance querem fazer do seu estilo uma opressão. Cada um escolhe o seu caminho e desenvolve a sua própria voz. A sua forma de expressividade. O meu método aprendi-o com Steinberg, pois assenta na perplexidade. Eu não julgo, limito-me a observar e escrever. A escrever a minha perplexidade perante aquilo que observo. Se me limitasse à verdade dos factos, a prosa sairia demasiado pálida, e por isso não conseguiria transmitir aquilo que sinto. Boccaccio achava que eram as paixões que mandavam no mundo. E deixou isso bem expresso no Decameron. Eu não sou tão diletante. Sou apenas aquele rapaz eternamente surpreendido por ser levado a sério. Afinal, tudo o que rabisco é a brincar. Não há grandes explicações para aquilo que escrevo. Acontece. E é tudo. Ou quase tudo. Escrever não é um ato inocente. Mas o prazer que por vezes sinto ao fazê-lo, é verdadeiro. E até legítimo. A consciência do tempo é o que nos mata. O esforço – literário neste caso – tem consequências colaterais que não deixam de me surpreender. A boa prosa costuma apoderar-se de todos os espaços onde entra. A luz que imana é encorajadora. Todavia, é avisado evitarmos os golpes de sol. A outra deixa sempre algo de postiço pendurado nas páginas dos livros. As coisas escritas só saem bem a quem sente motivação. Sou um discípulo do Javista, esse génio cómico que trabalhava onde não esperamos o cómico, sempre cheio de alegria e exuberância traquinas. Não é fácil dizer uma coisa querendo, e conseguindo, dizer outra. A ironia não pode ser retórica, nem dramática. Se o for. Deixa de o ser. Irónica. A ironia diz uma coisa e quer significar outra, ou seja, é uma forma de comunicação indireta. Por incrível que pareça, Confúcio, Sócrates e o mesmíssimo Jesus foram assumidamente ironistas. Assim que sentimos que já entendemos o que produzimos, temos de mudar de forma e de fórmula. Não é avisado andar a convencer convencidos. 

João Madureira

 

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