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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

13
Jan25

Quem conta um ponto...


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713 - Pérolas e Diamantes: A ilusão foi bonita...

 

Flaubert disse uma vez que um escritor tem de escolher entre ter uma audiência ou ter leitores. Eu já fiz há muito tempo a escolha. Aos que me vêm com a treta da excelência de Moby Dick, respondo-lhes com Hemingway: “É um livro sobre banha, a que é acrescentado um louco para dar animação. Quinhentas páginas de banha, cem páginas de louco e cerca de vinte páginas sobre a habilidade dos negros no manejo do arpão.” Comentários? Pois, já sabia, por aqui é calar e andar. E depois é comer e calar. De uma maneira geral, a literatura é ousada a falar, mas não é por estar certa de que possui a verdade, mas por ter a certeza do seu deleite. No entanto, temos de convir que o mundo se tornou estúpido e sério. E que as nossas verdades ficam de tal forma entediadas que nos pedem a desforra. Quem quer impor-se ao mundo acaba por perder. Imposição é o inverso de compreensão. É um pouco complicado para o escritor, mas também para o leitor, perceber onde a ironia se torna séria, onde a irresponsabilidade se torna responsável e até onde a aparente imaturidade se torna maturidade. É necessário perceber as causas do jogo das palavras. Todos nós escrevemos para as pessoas e o seu julgamento, de uma maneira ou de outra, acaba por ser decisivo para nós. Há muita gente que quer chegar depressa ao fim do caminho, sem se aperceber que a beleza está em percorrê-lo com calma. Essa é a sabedoria do caminhante. Já ouvi dizer que um bom escritor é como um bom espião, pois, a par da sua cultura humanística, é capaz de juntar a capacidade de identificar e projetar as tendências do passado, da História, para o futuro. E eu a lembrar-me dos tempos do Liceu e do Magistério, quando, chegados os primeiros calores da primavera, caminhava junto ao Tâmega, quando as raparigas começavam a vestir saias e blusas coloridas, quando as árvores começavam a exalar o seu cheiro viçoso, as pessoas passeavam de um lado para o outro, e as crianças, aos sábados e domingos, corriam pelos relvados dos jardins. A liberdade estava a nascer por aqui. Liberdade ainda muito de uns contra os outros. Mas, mesmo assim, liberdade. Abril, maio. A ilusão foi bonita, pá. Agora a liberdade parece escangalhada, indiferente, como uma refeição demasiado tempo cozinhada em lume brando. A liberdade sabe já a requentado. Puseram tantas vezes as panelas ao lume que acabaram por estragar tudo. Pior foi ainda a distribuição dos tachos pelos consortes. Acabaram por calhar sempre aos mesmos. Os outros que se amanhem com as panelas de alumínio. Ou com os potes enferrujados e empenados. A democracia deu no que deu. E por nossa culpa. Esquemas sinuosos, sofisticados, perversos, uns a cruzarem fronteiras ideológicas e a dizerem que é tudo igual e outros a gritarem que desta vez é que vem aí o lobo. Agora há que engolir, ou vencer, repugnâncias culturais. Todos andam a mexer no passado que queremos esquecer. A verdade é que os lobos chegaram ao curral e possuem proteção democrática. Mas um lobo, por mais que se eduque, nunca será um cordeiro. A verdade é que vestem a sua pele e misturam-se na perfeição entre o rebanho do Senhor. São mesmo daqueles que mais se confessam, rezam e engolem a hóstia com os preceitos mais ortodoxos, de joelhos e a suar como se estivessem na pele dos outros. Dos que sofrem. Por aí continuam a andar os culpados disto tudo. Os que educam o rebanho, os que educam a alcateia, os que ensinam os lobos a disfarçarem-se de ovelhas. Parlamentares, banqueiros, empresários safadolas, académicos manhosos e medíocres, jornalistas de mão estendida e papo cheio. A mesma casta de políticos, de executivos, de gestores da coisa pública e privada. Todos iguais. Todos rolhas de má cortiça. Sempre a boiar à superfície. Esperando que os lobos e as ovelhas se digladiem, para armar confusão. Que eles lá estão para distribuírem a carne das ovelhas mortas, enterrarem os lobos envenenados e tratarem da avozinha dos olhos grandes engolida e regurgitada pelo lobo mau. Ai como eu gostava de ser o Corto Maltese, ter aquele ar irónico, nostálgico, misterioso, esotérico. E de poder, chegada a hora, embarcar no meu veleiro e ir para o meio do mar salgado ter uma aventura, depois dançar o tango na Argentina, percorrer a Sibéria, passear em Samarcanda, etc. Mas cada um é para o que nasce. Mitos e ritos é o que nos mantém de pé.

João Madureira

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