Quem conta um ponto...
714 - Pérolas e Diamantes: Há quem queira e quem não queira...
Há quem queira. Saber. E há quem não queira. Saber. Mas o que mais nos deve preocupar, enquanto sociedade, é quando a maioria não quer saber. E assobia para o lado. E põe os óculos escuros, mesmo nos dias cinzentos. Já nem o Sol é invocado para servir de desculpa. Deixo ao vosso critério o fio condutor deste texto. Essa é a menor das minhas preocupações. Contento-me com a sensação do tempo a passar. Com sentir, ou ver, a luz do Sol, as correntes de ar, escutar os ruídos da rua, a sensação de viver o tempo como um fluxo retardado que dizem levar-nos ao futuro. Viver um presente mesquinho provoca uma sensação desagradável. Devemos expulsar aquilo que é medíocre por aquilo que é nobre. Bem prega Frei Tomás! A sequência quase não existe. Evoquemos a desordem. O quê? Posso não ter lá grande planta física, mas em perseverança ninguém me bate. Não é preciso ser muito perspicaz para se perceber que o que eu pretendo é convergir. Convergir com os estimados leitores. A não ser assim, aquilo que se escreve não faz muito sentido. O problema é quando estacionamos o texto num beco sem saída. Vou contar até dez. Pronto, já está. Vamos lá continuar, mas sem abrir o jogo. Pronto, já sei, já vi isto muitas vezes, as íris dos vossos olhos a assumirem a função de pontos de interrogação. Pronto, está visto, pertencemos a um partido sem definição doutrinária. Isto eu faço de propósito, não quero tomar a iniciativa. Mas também eu li, a seu tempo, Marx, Engels, Maquiavel, Groucho e Goscinny. Também eu tive tempo para as causas, as ações e as respetivas consequências. Falava mal e agia pior. E levava tempo para me “indecidir”. Pesava os prós e os contras. E cheguei a gesticular de forma ridícula e suspeita. Desconfiava deles. E eles desconfiavam de mim. Todos tínhamos a vontade de mudar. De lugar. Quando não se vê nada à nossa frente, o melhor é dar uma guinada. O futuro continuava a ser a tal vontade de mudar. Mas o quê? Tínhamos uma vontade indómita de partilhar notícias auspiciosas. Mas não as havia. Entretanto, a vox populi alimentava os comentários, os desabafos, as opiniões e as queixas. E as pessoas sempre a contarem aquilo que as outras pessoas contam sobre aquilo que as outras pessoas ouviram da boca das outras pessoas que, por seu lado, o ouviram da boca de outras pessoas. Ninguém consegue saber onde a vox populi começa e onde acaba. Então quando a vox populi se transforma em oráculo, está o caldo entornado. Continuo a viver num ambiente doméstico. Provavelmente burguês. Hipnótico. Sedativo. A conversar com os amigos. A ouvir música. A falar da comida dos restaurantes. Este presente não está mal servido. No entanto, o nosso destino continua a ser uma esquina. Portugal continua a ser um país de esquinas, becos e quelhas, ligados por autoestradas que nos fazem ganhar tempo para o perdermos logo a seguir nos engarrafamentos à entrada das urbes. Urbi et Orbi. Ninguém é, ao mesmo tempo, anjo e soldado. Tenho saudades desse tempo, mas não lhe quero mandar recados. A esperança é um discurso. E também uma mensagem mandada numa garrafa. Continuo a ser teimoso. Não obedeço a gostos alheios. Há quem queira saber. E há quem não queira saber. Etc. E tal. Como dizia o Venceslau, o meu querido e saudoso pai. Vamos vivendo como sempre, entre este ambiente de confessionário e de festa de anos. Escada acima. Rua abaixo. Ou vice-versa. Continuamos cheios de ânimo. Entretanto vamos enrolando o fio metafórico dos dias. Entre o trivial e o... trivial. Entre a leitura e a escrita. E vice-versa. A construir alguma coisa que não seja a mera soma das partes. É provável que incorra em erros de continuidade e até de incongruência, entre as causas e os efeitos. Mas isso pouco importa. Devo apenas fidelidade à minha consciência. Quando estou cansado, vou para o sofá ler manuais de bilhar e pesca à linha. E faço-o com rigor e precisão. Como se estivesse a praticar. Olho para a plantação de rosas de uns. E para a plantação de cravos de outros. E também para os lírios roxos de um terceiro vizinho. Deleito-me, literariamente, claro está, com as cores exuberantes das pétalas, umas mais carnudas, outras mais delicadas. E cheiro o aroma discreto que elas espalham no ar. Há quem queira. E também há quem não queira. Saber.
João Madureira