Quem conta um ponto...
716 - Pérolas e Diamantes: Anjos, anjinhos, raposas e garnisés
Esta sociedade dita democrática é, existencialmente, constituída por personagens apaixonadas pelo arrependimento. Ou melhor, viciadas em reciclar disparates. Em construir estereótipos. Os da direita radical redimem-se num ladrão de malas de aeroporto. E os da esquerda ipso facto violam os princípios políticos e morais que defendem em público para, em privado, despedirem mulheres em período de licença de maternidade. A fachada do moralismo é a hipocrisia. O paradoxal é que os polícias da extrema-direita são, afinal, larápios de pechisbeque. E os defensores dos direitos das trabalhadoras, sobretudo das mulheres grávidas, são uns inverosímeis padrecas. Olhai para o que eu digo, não para aquilo que eu faço. A sua prática baseia-se nos princípios dos seus inimigos. De classe. De classe? Ah, ah, ah! “Esta lei é para os patrões de direita”, dizem eles. “A nós, os outros, os excelsos outros, é-nos permitido contorná-la. Basta enchermos a boca com os sagrados princípios da moral superior.” Afinal, os políticos são todos jesuítas. Mesmo os franciscanos. São todos iguais. Em direitos. Só que uns são mais franciscanos que outros. Venha de lá o Diabo e escolha. Se é capaz. Eu até podia dar uma ajuda. Mas já me vai faltando o rancor. Acreditei que quem propunha as boas ideias era porque acreditava nelas. Sinceramente. Antes destes episódios rocambolescos, soubemos que uma senhora política defensora dos direitos dos animais e da agricultura sustentável e ecológica era sócia de uma empresa que se dedicava a um certo tipo de agricultura intensiva de mirtilos e framboesas. E também soubemos de gente livre e socialista, à mistura com alguns bobos da corte esquerdistas, defensores da excelsa escola pública, que colocam os seus filhos em escolas privadas, onde pagam propinas proibitivas para a quase totalidade dos cidadãos portugueses. E até de um tal Gandra, cirurgião militar, que acumulou funções pagas em cinco hospitais do SNS, como tarefeiro, quando não estava autorizado a fazê-lo por ser diretor regional do Norte do INEM. Enquanto CEO do INEM, substituiu, em sete meses, dos nove que exerceu como diretor executivo do SNS, nove administrações de unidades locais de saúde, tendo afastado uma delas num telefonema que durou apenas dois minutos. No jornal do regime (Expresso) leio a notícia de que a Inspeção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território fiscalizou 59 municípios, tendo descoberto ilegalidades em 94% dos projetos urbanísticos. Entre os municípios com mais ilegalidades verificadas estão Mira (100), Almeirim (81), Ferreira do Zêzere (76), Silves (75) e Chaves (40). Será que Chaves está no Rumo Certo? Tudo o que rufa e toca é tudo a mesma tropa. Todo o efeito político é mimético. O recentíssimo ex-Secretário de Estado, e ex-presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, fundou, com a mulher e os filhos, duas empresas imobiliárias, já como membro do atual Governo e momentos antes da aprovação da Lei dos Solos. Lei que foi aprovada pelos de sempre, ou seja, com os votos dos partidos do Governo e com a abstenção do PS. Já o génio da inverosimilhança, António Costa, agora envergando o personagem de presidente do Conselho Europeu – mas ainda com um tal de Vítor Escária, uma PEN e 75 mil euros fechados no cofre da sua consciência –, foi considerado por Wolfgang Münchau, jornalista e autor do livro “Kaput”, como “um peão num jogo maior”. Mas voltemos ao nosso retângulo dourado. Desde o início da legislatura, já foram constituídos arguidos nove deputados (PS, PSD, Chega e IL), ainda sem contarmos com o hilariante Miguel das Malas ou Arruda Sansonite – também antigo agitador e destacado interveniente em campanhas do PS Açores – , que deverá ser o décimo. Na origem do descalabro está a corrupção e as zangas partidárias. A corrupção instalou-se na política e é através dela que põe os seus ovos de serpente na Administração Pública, onde se aprimora e fortalece. Se nada for feito será ela a dar o golpe de misericórdia na nossa democracia. É essencialmente por esta razão que Portugal continua a ser um Estado falhado. Em verdade, em verdade vos digo, que no que diz respeito à corrupção em Portugal, a realidade ultrapassa, de longe, a mais arrojada imaginação. Todos sabemos que é muito difícil fazer dos brutos, anjos. Mas, por favor, não queiram os políticos fazer de nós anjinhos. Ao que dizem, as raposas entraram há pouco tempo, e em força, dentro do galinheiro parlamentar. Mas, ao que todos sabemos, algumas já lá estão instaladas, mesmo que disfarçadas de galos e galinhas garnisés, há muito, muito tempo.
João Madureira
PS – Por causa das subvenções vitalícias, dispara a despesa com as pensões dos políticos. O Orçamento de Estado prevê para este ano gastos de 8,9 milhões de euros, mais 37% do que o valor inicial atribuído. Apesar do valor das pensões dos funcionários públicos serem divulgadas no D.R., a ministra resolveu esconder a lista dos beneficiários políticos.