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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

17
Fev25

Quem conta um ponto...


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718 - Pérolas e Diamantes: E aqui estou

 

E aqui estou, perto de um lago extenso e azul, que vai mudando de cor conforme a hora do dia e a inclinação da luz, das nuvens e da orientação de quem o observa. Se olharmos mais para longe, perdemos a vista entre as montanhas. Se o fizermos da janela de casa, na direção da aldeia, vemos telhados vermelhos, árvores altas, jardins e alguma estatuária. Estou cheio de expectativas. Mas não sei de quê. Tento pensar nalguma coisa profunda, tipo amor, liberdade, inteligência artificial, aventura, mas, infelizmente, as palavras que me ocorrem parecem-me um pouco cómicas. Dizem que viajar é verdadeiramente enriquecedor. E até comovedor. Mas, a maioria das vezes, quando o faço, desiludo-me. Provavelmente não fui feito para isso. Incomoda-me a multidão de turistas, as línguas que eles falam, especialmente o alemão, e, sobretudo, os vendedores de bugigangas. Inquietam-me as casas velhas delimitando as ruas retorcidas, as canoas dos pescadores, as estátuas sujas pelas pombas, os palácios e as catedrais cheias de túmulos de homens famosos e os turistas a tirarem fotografias a tudo o que os envolve. Quase sempre regresso a casa desiludido, lembrando-me do pôr-do-sol e dos murmúrios de alegria que escutei pelas ruas. É uma espécie de alegria programada. E então que dizer dos piqueniques, da música dos acordeões que tocam melodias saloias e dos pares a dançar como se estivessem em cima de brasas! As praias ainda me incomodam mais, primeiro porque não sei nadar, depois pelo creme solar que tenho de esfregar na pele, e ainda pela água fria, pelas ondas ou pela falta delas, pela areia, pelo vento. E então que  dizer da neblina, do nevoeiro, do sol, da chuva e das alterações climáticas. E a vida a escapar-nos por entre os dedos. Depois regressa o sol, o vento ergue-se forte, as ondas embalam os barcos e a ondulação torna-se feroz. Fico então com visões assustadoras, afogamentos, barcos a naufragar e eu a afundar-me lentamente, pois não consigo chegar à superfície. Depois o vento amaina e as vagas diminuem. Para me acalmar, resolvo ir comer um jantar revigorante, num restaurante caro. Há dias em que tento dormir uma sesta, mas acabo por me desiludir, de novo, porque acordo sempre maldisposto. E tusso. E espirro. Depois vou até à praia e lá estão os magricelas e as gordas a tomarem banhos-de-sol. Ao voltar, é impossível evitar as habituais bancas empilhadas de bugigangas. E os grupos de turistas japoneses que seguem um guia com um pequeno estandarte em riste. Sempre a imitarem respeitosamente os passos do cicerone, que fala sempre inglês. Um dia fui atrás dum grupo desses visitar um velho palácio de que toda a gente fala bem. Fizemos a visita em passada rápida, atravessámos longos corredores, paredes tapadas por velhas tapeçarias de um mau-gosto muito rebuscado, espelhos deveras elaborados, salões enormes cheios de mobiliário muito antigo, livros do tempo dos apóstolos, quadros retratando a fealdade aristocrática dos velhos proprietários. Nos quartos, as camas estavam cobertas por colchas sumptuosas, prontas a cobrirem os moribundos desesperadamente esperançados de que a extrema-unção os encaminhe para o céu. Nem que fosse o Santo Sudário! Gostei apenas do jardim, onde passeámos por entre laranjeiras e limoeiros, magnólias, oleandros e, soube-o pelo guia, entre a inebriante fragrância floral das camélias, rododendros e rosas estrangeiras de várias cores. Apesar da aparente beleza, experimentei uma sensação desagradável. Encontrei a minha própria mesquinhez. Tornei-me consciente do meu passado e de muitas das suas desvantagens. Sei que posso, por vezes, causar uma boa impressão. Mas. Mas continuo a não ter qualquer receio em encontrar a verdade. Acolho-a sempre de bom grado. Nunca deixo que ela seja um convidado intruso. Os homens são maleáveis. Isso eu sei. Até de cor. O difícil em tudo são as combinações ousadas. Na maioria das vezes não percebemos aquilo que somos. Uma coisa é fazer amigos. Mas isso é mais fácil quando somos novos. Agora o melhor é mitigar os inimigos. A boa escrita não surge por causa da qualidade do papel onde se escreve. Mas a má está sempre cheia de artifícios e enganos. E aqui estou, perto de um extenso lago azul…

João Madureira

 

 

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