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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

19
Mai25

Quem conta um ponto...


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730 - Pérolas e Diamantes: Há manhãs assim...

 

Há manhãs assim: depois da chuva noturna, aparece o chão molhado, com pequenos charcos espalhados pela terra, pássaros alegres, odores a sombra fresca, murmúrios, clareiras entre as nuvens. Sol. Sentimo-nos descansados. Aventuro-me em algumas corridinhas. Suaves. Alguns outros fazem estiramentos, flexões, agachamentos, etc. Penso em acompanhá-los, por solidariedade. Mas fico-me pela solidariedade. O corpo já não é o que era. Tento expelir vapor para averiguar a temperatura. Não consigo. O frio não é suficiente. As corridinhas põem-me bem-disposto. Respiro fundo, ávido de oxigénio limpo. Agora já não tenho planos definidos para tudo. Antigamente era primeiro isto, depois aquilo, assim desde o acordar até terminar o dia. Para cada parcela do dia havia uma programação. Uma estrutura. Um objetivo. Ser professor tem destas coisas. Os portugueses dizem não esquecer os seus heróis. Mas vão ter de mudar de paradigma. Por vezes, vou dar uma volta, junto aos postes ou pelas bordas dos passeios. Depois dobro esquinas. Subo e desço rampas e escadas. Caminho sem direção. Manias. Distraio-me sozinho. Mais vale só do que mal acompanhado. Estou a brincar. Reparo em alguns miúdos que vão para a escola, mochila às costas, ténis fluorescentes, a condizerem com a roupa. Crianças já ligeiramente obesas, comendo barras de chocolate. Dentro da mochila levam livros, cadernos, uma garrafa de água, duas sandes embrulhadas em papel de alumínio, peças de fruta. Vou até ao jardim, leio um pouco e depois tiro de dentro do bornal o meu lanche muito biológico, como agora é moda e feitio. Que não defeito. Vou-me mimando. Evito as porcarias cheias de açúcar. Os diabetes estão controlados. Mastigo devagar. Bebo água. Fico quase saciado, pois assim é que deve ser. Nunca encher a barriga. Ficar sempre com um ligeiro apetite. Depois de algum tempo gasto em forma de improviso, ouvindo jazz (Miles Davis elétrico, o Spotify chega a todo o lado) nos iPhones, sinto que se aproxima a hora do almoço. Churrasqueiras sempre cheias. É uma mortandade de porcos e frangos para alimentar tanto esfomeado. Não é que tenham fome. Estão todos bem cheiinhos. Pré-obesos, obesos e outras gradações. Têm é vontade de comer. Trabalham para comer e beber e pagar a renda ao fim do mês. Vivem para isso. Em alguns cafés e esplanadas escutam-se conversas. Conversas? Mais parecem disputas. Os solitários, sentados na sua mesa habitual, leem o jornal da bola e mantêm-se em silêncio. Mais vale só do que mal acompanhado. Estou a brincar. Volto para a rua. Vêm-se alguns casais de namorados. Às vezes parecem que sim. Outras vezes, não. Atrapalho-me nas distinções. Mas sorrio. Que mais posso fazer? Meio da tarde. Mais conversa sobre política e nostalgia. Depois jogos de cartas. Entre vaza e vaza, interjeições, piadas. E azedumes. De quem perde. Ao lado fala-se de demagogia e dos gandulos. Uns fazem má cara. Outros falam baixo, por causa da voz cansada e da asma. Fartos de batalhas ideológicas feitas à mesa dos cafés, contam histórias, umas más, outras boas, dos seus tempos de militância. Já não têm idade para se meterem em broncas. Votar ainda votam, os que votam, mas confessam que já lhes vai faltando o rancor. É tudo igual ao litro. A esperança foi-se esfumando, a pouco e pouco. Agora é quase nada. Por vezes pedem alguma por empréstimo. Mas de pouco lhes serve. Atualmente nada é decisivo, nem sequer importante. Agora é mais amealhar para gastar na botica. Andam sempre com os bolsos cheios de remédios. Já não são nada sem eles. Uns vão-se embora porque é tarde. Outros deixam-se ficar mais um pouco porque ainda é cedo. A outros tanto lhes faz ir como não ir. Já não sabem para onde se dirigir. Os que se vão embora dizem: “Amanhã vemo-nos.” Provavelmente sim, mas também pode ser que não. Para muitos, mais à noitinha, é mais chá, bolachas de água e sal e queijinho aos triângulos. E depois chichi e cama. A televisão dá-lhes sono. Dormem aos soluços. O silêncio da noite é opressivo. Tentam ficar quietos na cama. Adormecem inquietos. Acordam atrapalhados. É merdoso depender dos outros.

João Madureira

 

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