Quem conta um ponto...
734 - Pérolas e Diamantes: Aprecio Derrida e...
Aprecio Derrida, Jacques Derrida, o filósofo francês de origem argelina que pertenceu a uma distinta geração de intelectuais franceses pós-Sartre. Um grupo que incluía Foucault, Lacan, Barthes, Gilles Deleuze, Julia Kristeva, Luce Irigaray e Louis Althusser. Muitos deles ficaram conhecidos, de forma algo pejorativa e, em muitos casos, inexata, como os filósofos de La Pensée 68. A verdade é que Derrida beneficiou da reputação deles e vice-versa. Derrida era um pouco singular, possuía alguns traços pessoais específicos com os quais me identifico. Não todos, claro. E não é por mimetismo. É porque é mesmo assim. Derrida era um indivíduo ansioso, por vezes depressivo, um autor e orador de energia enganadora. Dizem que se sentia desconfortável em tirar férias. Quando tinha de viver numa grande cidade, tudo lhe parecia insuportável. Ficava com enormes saudades de casa. Estava constantemente preocupado. Houve um período da sua vida em que tinha medo de andar de avião. Tal como o seu conterrâneo Albert Camus, sentia um conflito interno em relação às suas convicções políticas, pois simpatizava com o movimento de independência argelina, mas receava a substituição do colonialismo francês pelo nacionalismo árabe. Convém lembrar que Derrida era um judeu de uma colónia europeia que teve dificuldade em entrar no mundo intelectual francês. Resumindo: Derrida nunca se sentiu completamente integrado em lugar nenhum. Foi com o filósofo francês que aprendi as características da desconstrução. A desconstrução não pretende expor a ingenuidade do autor, mas antes aperceber-se da forma como os autores lidam com as contradições que a sua própria utilização da linguagem os fez gerar. Ele centrava a sua análise no fluxo, não na estrutura. Ou seja, uma estrutura tem de possuir um centro, um ponto fixo, algo que não pode ser substituído ou relativizado. Na sua perspetiva, a história do pensamento ocidental era a história de um esforço para encontrar e nomear o tal ponto fixo, desde o conceito de forma (eidos) de Platão, a atualidade (energeia) de Aristóteles, até ao “Deus” de Santo Agostinho, à “consciência” de Descartes e ao “Ser” de Heidegger. Derrida provou que pensadores desde Platão até Rosseau, privilegiaram o discurso em detrimento da escrita. Ou seja, para algo ser um texto, tem de existir previamente qualquer coisa a que vulgarmente identificamos como um paratexto. O sentido do texto nunca é independente, depende da diferença que se estabelece. Não há sentido sem o contraditório. Citando Derrida: “Numa oposição filosófica clássica, não lidamos com um face a face, mas com uma hierarquia violenta. Um dos dois termos comanda (axiologicamente, logicamente, etc.) o outro, ocupando a posição de comando. Desconstruir a oposição significa antes de mais inverter, num determinado momento, a hierarquia.” Foi com Derrida que aprendemos, enquanto leitores, a libertar-nos das intenções do autor. Entendamo-nos: Derrida ensinou-nos que aquilo que constrange ou controla a nossa interpretação, aquilo que determina essas posições para nós, são em si mesmo uma função de interpretação. Nós organizamos e estabilizamos a linguagem à medida que lemos. Ou seja, trazemos para um texto hábitos mentais que fixam o sentido das palavras e depois atribuímos esse sentido às palavras. Mas, atenção, muitas vezes, e quase sempre no caso da literatura, o texto não diz realmente aquilo que diz. Nos textos literários, ao contrário dos outros, nomeadamente dos textos filosóficos, as figuras de estilo são essenciais. As metáforas, os símbolos, as alegorias e todas as formas e estilos ficcionais, são fontes de sentido. Ninguém pode ler literatura de um modo literal. Todos sabemos que nos textos literários se pretende dizer algo mais, ou algo diferente, daquilo que as palavras expõem literalmente. Como explicou Paul de Man, a literatura é o único tipo de escrita consciente da instabilidade da distinção entre o literal e o figurado, entre os modos de sentido gramatical e retórico. Cito de Man: “A desconstrução não é algo que acrescentámos ao texto, uma vez que ela era sua parte constituinte desde o início. Um texto literário afirma e nega ao mesmo tempo a autoridade do seu próprio modo retórico (…) A escrita poética é o modo de desconstrução mais avançado e refinado.” Termino citando William James: “A verdade cresce dentro de todas as experiências finitas…”
João Madureira