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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

15
Set25

Quem conta um ponto...


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746 - Pérolas e Diamantes: Indo eu por... Gargântua & Pantagruel acima

 

E indo eu por esse Gargântua & Pantagruel acima, ou abaixo, pois para o caso tanto monta, à procura de ditos e feitos heroicos, guiado pela fina pluma de Mestre Rabelais, logo me encontro com bons homens, bebedores mui ilustres e até com Diógenes, o filósofo cínico, ainda mais cínico do que eu. Será possível? Vá lá, estou a brincar. E, para mal dos meus pecados, acabo por me perder nos grandes pormenores da defesa das cidades. Ei-los. Uns retiravam dos campos para as fortalezas móveis, o gado, cereais, frutos, vinho, vitualhas e as necessárias munições. Outros fortificavam muralhas, erguiam bastiões, cavavam fossos, reforçavam as barras das ameias, erguiam andaimes, preparavam rampas, fabricavam guaritas, elevavam parapeitos, fechavam seteiras, colocavam sentinelas e faziam sair patrulhas. Uns preparavam as vestimentas guerreiras, enquanto outros preparavam as armas pessoais e máquinas bélicas. Esses eram os de lá de cima. Os de cá de baixo aguçavam chuços, picos, ganchos, alabardas, podoas, forquilhas, clavas, machados. Enquanto uns exercitavam os seus facalhões, outros desenferrujavam os bracamartes. Até as mulheres, por mais virtuosas ou velhas que fossem, mandavam brunir o seu arnês, pois, segundo o narrador, as antigas Coríntias eram corajosas em combate e estas não lhes queriam ficar atrás. Diógenes, também segundo o narrador, vendo aquela azáfama e não estando obrigado, por quem de direito, a fazer fosse o que fosse, limitou-se a contemplar aquela atitude e a ficar calado. Passados alguns dias, o filósofo, vendo que era chegado o momento de fazer algo, ofereceu, a um dos seus velhos companheiros de estudo, os seus livros e apontamentos, escolheu um belo terreiro nos arredores da cidade e aí fez rebolar o tonel de argila que lhe servia de abrigo contra as injúrias do céu e, com grande empenho espiritual, estendeu os braços e fez ao seu abrigo cerca de setenta aplicativos, dois quais destaco sete: o rolar, bajular, acoitar, esmurrar, emporcalhar, lavar e enfeitiçar. Depois transportou-o por montes e vales, como Sísifo fez com a sua pedra, ao ponto do tonel ter ficado muito danificado. Um dos seus amigos perguntou-lhe então o que levava o seu corpo ou o seu espírito a atormentar assim o tonel. Tendo o filósofo respondido que, não lhe estando destinado outro cargo na república, ele enraivecia-se com o seu abrigo para que no meio de um povo tão fervoroso e ativo, não o acusassem de ser por ali o único cidadão indolente e ocioso. Até porque a filosofia, em tempo de guerra, não vale um caracol. Sendo o narrador, o nosso querido e estimado François, um pouco débil, não tendo conseguido ser alistado e colocado na parte ofensiva da defesa de França, pegou no seu tonel diogénico e pôs-se a filosofar. E também se pôs a beber. Ninguém sabe ao certo naquilo que tinha melhor desempenho. Era bebendo que ele deliberava, discursava, resolvia e concluía. Ria e escrevia. Rabelais era um fiel seguidor dos seus génios inspiradores. Énio escrevia enquanto bebia e bebia enquanto escrevia. Ésquilo bebia enquanto compunha. Homero nunca escrevia em jejum. Catão nunca escrevia antes de beber. E não ponho mais nomes no escrito para não parecer enfadonho. No entanto, não me vou daqui embora sem recontar a peripécia de Ptolomeu, que um dia, entre os despojos e os ganhos das suas conquistas, mostrou aos Egípcios, como se estivesse num circo, um camelo de duas bossas todo preto e um escravo pintalgado, de tal forma que uma parte do seu corpo era preta e a outra branca, não segundo a largura do diafragma, mas em sentido perpendicular, coisa até aí nunca vista no Egipto. Esperava ele com aquela surpresa conquistar ainda mais o amor do povo. Mas, ao contrário do esperado, ao serem confrontados com o camelo, eles, os do povo, ficaram assustados e indignados. E ao verem o homem pintalgado, alguns fizeram troça, outros abominaram-no com se a criatura fosse um monstro infame, criado ou por erro da natureza ou por distração divina. A tese é que o vinho e a filosofia apenas servem para chatear as pessoas. Que os filósofos são dementes e que os escritores cómicos apenas servem para fazerem de bobos da corte. Provavelmente isto pode parecer um pouco confuso, mas, se beberem um pouco de um bom vinho tinto do Douro, como eu fiz durante a escrita deste texto, logo lhe encontrarão o sentido. Ou a falta dele. Pois, para o caso, tanto monta. De beber, de beber, de beber eu não posso deixar… hic… se o vinho é que alegra a gente… hic… hic… hic… eu fico contente por me emborrachar… hic… obrigado Rabelais… hic…

João Madureira

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