Factor Humano, por Miguel Cunha (Pité)
O tema do “Homem Novo” tem andado arredado das reflexões e das discussões no Século XXI.
Há múltiplas razões para isso e, sem querer ser exaustivo, refiro:
a. O colapso dos “países de Leste”, associado à noção de que, naquele período e naqueles países, pouco resultados se obtiveram no desenvolvimento do tal “Homem Novo”
b. O medo de que a criação do tal “Homem Novo” envolvesse mecanismos de manipulação da mente.
c. O medo de que o “Homem Novo” implicasse uma diminuição da individualidade e uma uniformização/massificação das consciências.
d. A tese do triunfo do individualismo, da inevitabilidade e da eternidade do modelo capitalista da sociedade.
A mim sempre me pareceu que o futuro a médio/longo prazo, desta nossa Humanidade, pressupõe que a mentalidade e a forma de agir dos seres humanos têm de se modificar de forma substancial. Ainda mais após a degradação a que assistimos nas últimas décadas.
De forma sucinta, o crescimento populacional e a revolução tecnológica, com a gigantesca capacidade produtiva em quantidade e em qualidade, criaram uma situação radicalmente nova. Mais ainda quando a globalização e a circulação de informação expõem de forma gritante as desigualdades existentes. Desde a área da saúde, com resultados notáveis, mas restritos na maioria dos países a uma elite, até à escassez de água para tantas pessoas. Desde o desenvolvimento de telemóveis, computadores e afins que se tornam rapidamente obsoletos, numa espiral de consumismo e gasto de recursos insustentável.
Imaginamos um mundo, em que a poluição per capita fosse a mesma da dos EUA? É que esse mundo não pode existir.
Portanto, é inevitável mudarmos as mentalidades, os comportamentos, as formas de vivermos. Sob pena, da inviabilidade do nosso Planeta.
E isto implica ou não a noção de um “Homem Novo”? Para mim sim.
Sem prejuízo de voltar no futuro e neste blogue a este tema, deixo aqui algumas pistas.
Uma das fontes de inspiração, ainda está ao nosso alcance, na nossa região. É o espirito comunitário, de entreajuda, de partilha, de encontro, que permitiu a sobrevivência das nossas gentes, em condições tão agrestes, mas tão recentes. Se repararmos, dificilmente encontramos entre “os de cima”, este espirito. Nos patrões, nos gestores, nos governantes e em todos os que não o sendo sonham com isso, encontramos competição, egoísmo, inveja: “O mundo deve ser para os melhores”.
É a frase feita, mas nem por isso menos verdadeira, de que o ser tem de prevalecer sobre o ter. Mas também o reconhecimento que a esta frase tem de corresponder uma praxis em acordo. Sob pena de gastarmos as energias.
É na educação, voltarmos a centrar no professor e nos alunos o essencial das questões. Ensinar a aprender e ensinar que o saber não tem que ter necessariamente uma utilidade material palpável. Apostar na criatividade e nas artes, e retornar às humanidades. Redignificar a prática da educação física, como parte integrante e indispensável da nossa formação.
É na saúde voltar à noção antiga do médico como o cuidador, englobando nesta noção todos os profissionais de saúde. Voltar ao doente como um todo e não como um “saco de doenças”. Mais humanismo e surpreendam-se … menos despesas.
É reconstruirmos a capacidade de comunicar, de dialogar, de brincar, de nos ouvirmos, de nos emocionarmos. Sem fugirmos do contacto físico e directo.
É a imperiosidade de voltarmos a ter tempo. Sim, não é pecado que trabalhássemos menos horas e que houvesse trabalho para todos. E houvesse tempo para todos. Tempo para tudo ou para nada, sem pressas. Tempo para os afectos, tempo para a família e os amigos.
O meu medo é que venha a troika e diga que não senhor, que assim não poder ser, porque não é economicamente viável… e que aliás os juros do tempo andam muito altos.
Mas eu, até pela noção de que este tema merece muito mais reflexão e mais escrita, não desisto de a ele voltar.
Manuel Cunha (Pité)