O factor Humano
Extracto de romance (3)
A cabana estava voltada a sul e parecia ter sido desenhada por uma criança. Na fachada, uma porta a meio que não necessitava de degraus para o acesso. Duas janelas simetricamente colocadas, uma para iluminar a cozinha e a outa para o único quarto.
Na parede da cozinha, virada para poente, havia uma lareira, e uma janela na parede que dava para norte. Por baixo dessa janela, uma simples banca de cozinha, mas com água fria e quente, esta assegurada por um velho esquentador. Uma parede interna separava a cozinha do pequeno quarto, ao qual se acedia por um vão sem porta.
Não havia quarto de banho, o que nos dias de chuva ou nevedificultava a vida dos ocupantes.
A singularidade da cabana não lhe vinha da sua simplicidade infantil, muito menos da ausência do quarto de banho. O segredo estava no local onde tinha sido edificada, na convergência de dois rios, transformando a cabana numa espécie de templo, sem outra religião a não ser a das águas e dos seus habitantes. Aquelas eram profundamente distintas entre o rio principal e o seu afluente, na cor e principalmente nos sabores.
Mas voltemos à cabana, cujas paredes nunca chegaram a ser caiadas, como seria devido à estética e ao bom senso. O seu telhado era simples e de telha antiga e tinha uma chaminé pintada de branco que tornava ainda mais inexplicável o facto de as paredes estarem apenas chapeadas a cimento.
Em frente à única porta, o alpendre ocupava toda a dianteira da cabana, com portadas de madeira envernizada. Voltado para a margem direita do rio principal, ao qual se acedia por um declive marcado, mas de curta extensão. Recebia os raios do sol durante grande parte do dia e não havia qualquer sombreamento, o que dificultava a sua utilização no verão. Apenas quando o sol estava a levantar-se ou a deitar-se era possível habitá-lo. Mas eram esses dois períodos autênticas horas mágicas.
Só a janela voltada a norte espreitava o rio mais pequeno, que estava despido de árvores. quando se aproximava da sua foz.
Não havia estrada. Apenas um caminho, do lado nascente, dava acesso pedonal à cabana.
Manuel Cunha (pité)