Flavienses por outras terras - Altina Ribeiro
Altina Ribeiro
Nesta crónica do espaço “Flavienses por outras terras” vamos até Paris, uma cidade de grandes monumentos, como a Torre Eiffel, o Museu do Louvre ou o Arco do Triunfo, e também intimamente ligada a importantes figuras da arte e do pensamento, como Descartes, Voltaire, Victor Hugo e Jean-Paul Sartre.
É lá que vamos encontrar Altina Ribeiro, uma flaviense com gosto pela escrita, através da qual nos deixa admiráveis registos da sua infância na aldeia e, de um modo geral, dos tempos que se vivam em Portugal na década de 60.
Onde nasceu, concretamente?
Nasci em São Vicente da Raia.
Nos tempos de estudante, em Chaves, que escolas frequentou?
Fui para França depois da segunda classe em São Vicente da Raia.
Em que ano e por que motivo saiu de Chaves?
Saí em 1969 (emigração).
Em que locais já viveu ou trabalhou?
Paris e Montreuil-sous-Bois, em França.
Diga-nos duas recordações dos tempos passados em Chaves:
Deixo aqui um extrato do meu livro “De São Vicente a Paris”.
A descoberta da cidade
Certa vez, a minha mãe notou que eu perdia o apetite e comia cada vez menos. Inquieta, não cessava de me dizer:
- Tina, tens que comer para engordar!
Para a minha mãe, era muito importante ver-me comer e ganhar peso, era sinal de boa saúde. Mas eu não tinha apetite nenhum e sentia-me febril. Só me apetecia deitar-me no meu colchão novo. Minha mãe tinha comprado um que trouxera de Espanha, à cabeça…
Uma manhã, não parava de tossir. Minha mãe pôs-me a mão na testa e assustou-se porque eu estava muito quente. Sem esperar mais, decidiu levar-me a um médico a Chaves. Foi um acontecimento para mim porque nunca tinha ido à cidade. Não disse nada a ninguém, mas, apesar do meu mal-estar, fiquei contente por entrar num carro e ir à descoberta da grande cidade.
Para chegar bem apresentada diante do médico, minha mãe comprou-me uma combinação nova. Era bege com duas flores bordadas no peito. Depois do casaco comprido que me tinha entusiasmado e dos sapatos de verniz que me encantaram, tinha então uma bonita combinação que passei a adorar. Era uma menina feliz! O motivo da partida não era muito alegre, mas a viagem foi uma grande descoberta.
Para nos conduzir à cidade a minha mãe devia pedir a uma das três pessoas que possuíam um veículo para nos levar.
Um dos carros da aldeia pertencia ao padre Moura, que ninguém ousava incomodar.
O Aníbal, o dono do café perto da igreja, possuía um camião. Aquele comércio estava sempre cheio de gente aos domingos, antes ou depois da missa, com pessoas das três aldeias mais próximas que vinham à igreja de São Vicente e aproveitavam a deslocação dominical para comprar o necessário.
O camião do Aníbal servia para transportar as colheitas para venda. Ao regressar à aldeia vinha cheio de produtos para as futuras culturas e de alfaias para trabalhar a terra.
O proprietário do comércio situado no largo, o Nelson, tinha uma furgoneta com nove lugares que servia para os seus negócios e, quando era necessário, de táxi para a população. Foi então a furgoneta do Nelson que me levou nessa aventura.
Durante a viagem olhava com admiração o espetáculo da natureza que desfilava diante de mim. Os montes, as serras e os vales sucediam-se como verdadeiros postais! Não havia uma curva que não me oferecesse um espetáculo encantador. Até me esquecia da minha doença. Sentia-me tão feliz por descobrir aquelas paisagens imponentes!
Ao chegar à cidade fomos logo ao posto médico da Caixa. Para mim, tudo fazia parte de um jogo que tinha começado em São Vicente. O médico declarou que eu tinha uma pneumonia. Minha mãe parecia preocupada, mas eu estava contente e desfrutava de tudo o que via em meu redor. Pela primeira vez, certamente, minha mãe ocupava-se só de mim e eu apreciava a situação porque me parecia que ela era só minha. Qual a criança que não sonhou um dia ser o centro de todas as atenções?
Ao sair do consultório vimos passar uma ambulância que tinha acionado a sirene. Era a primeira vez que via tal coisa. Quem passava dizia que o veículo transportava uma menina que tinha sido atropelada por um carro. Ao ouvir isso, eu fiquei aterrorizada e não queria atravessar a rua com medo de que me levassem naquele carro tão barulhento.
Aproveitámos a nossa viagem para ir ver a tia Elisa, a madrinha da minha mãe que vivia em Chaves há pouco tempo. Foi uma boa oportunidade de a ver e de visitar a sua casa. A tia Elisa olhava para mim com inquietação, mas estava tão contente de nos ver que esqueceu logo a minha doença. Preparou um bom almoço e eu estava radiante por ser convidada. Era uma coisa tão rara!
Atenta e observadora, eu olhava para tudo o que estava à minha volta. A casa da nossa tia tinha água corrente e eletricidade. Fiquei admirada com tanto conforto. Descobria um mundo tão diferente do nosso!
Depois do almoço, regressámos a São Vicente. Apesar da febre, ainda tinha forças suficientes para abrir os olhos e deixar-me encantar pela nossa serra tão bela, as nossas pastagens tão verdejantes e os nossos ribeiros tão límpidos. A luz rasante do pôr-do-sol dava à paisagem uma beleza ainda maior.
Proponha duas sugestões para um turista de visita a Chaves:
As Caldas e o Castelo.
Estando longe de Chaves, do que é que sente mais saudades?
Tenho saudades da minha aldeia no tempo da minha infância. Agora, quando vou lá, fico triste de ver que está despovoada.
Com que frequência regressa a Chaves?
Vou a Portugal um ano a cada dois, no verão, porque também gosto de descobrir outros horizontes.
Gostaria de voltar para Chaves para viver?
Não. Vim para França muito nova e tenho aqui os meus amigos e familiares. Por isso seria incapaz de me habituar de novo em Portugal. Quando deixei São Vicente da Raia para Paris o choque cultural foi muito grande e os primeiros tempos foram difíceis. Mas, depois de 46 anos em Paris, seria ainda mais complicado regressar à aldeia, ou mesmo a Chaves. O choque cultural seria muito maior.
O espaço “Flavienses por outras terras” é feito por todos aqueles que um dia deixaram a sua cidade para prosseguir vida noutras terras, mas que não esqueceram as suas raízes.
Se está interessado em apresentar o seu testemunho ou contar a sua história envie um e-mail para flavienses@outlook.pt e será contactado.