Discursos sobre a cidade - Por António de Souza e Silva
DESENVOLVIMENTO DO ALTO TÂMEGA
AS NOSSAS INTERROGAÇÕES
I
Os sistemas produtivos locais das "regiões que ganham" organizam-se em torno de dois eixos:
- a coesão interna: capacidade de os vários actores do sistema conceberem uma estratégia comum de desenvolvimento;
- a abertura ao exterior: a capacidade de o local estabelecer contactos externos e aceder às dinâmicas de desenvolvimento globais.
Na base deste dois eixos está o conceito de densidade institucional, essa característica que, assente nas relações de proximidade, assegura a coesão dos sistemas produtivos locais pela lógica de ação coletiva fundada nas convenções e instituições locais, e deste modo, funciona como o ponto de partida para os territórios construírem os seus processos de desenvolvimento.
Temos a base e os eixos em que se articula o desenvolvimento territorial. Mas como se criam as competências fundamentais para a competitividade desses sistemas produtivos? Para a elaboração deste emergente paradigma do desenvolvimento local e a "explicação" da competitividade territorial surgem quatro conceitos chave que estão obviamente interligados e se reforçam mutuamente (BRAMANTI):
- inovação; learning (aprendizagem); redes; governância.
Fonte: Bramanti (1999); (Retirado de Cerqueira, 2001)
Figura 1.– O emergente papel do território: uma visão diagramática dos quatro fatores chave
Desde a nova teoria do crescimento endógeno até às abordagens evolucionistas, a inovação é hoje consensualmente vista como um motor de crescimento. O que as novas abordagens do desenvolvimento regional fizeram foi incorporar o espaço como um fator "interno" no processo de criação e difusão de inovação.
Mas devemos aqui entender inovação no seu sentido mais lato, ou seja, mudanças benéficas, sejam ela técnicas (novos produtos ou melhorias nos existentes), organizacionais (métodos de gestão) ou institucionais (mudanças de hábitos ou mentalidades) (MAILLAT e KÉBIR).
A importância dos processos de aprendizagem já foi salientada para a criação das "competências" necessárias aos sistemas produtivos locais (tecnologia, know-how, qualificação dos recursos humanos e métodos de gestão) para responder aos desafios da globalização e da learning economy. Globalização e learning economy são dois conceitos intimamente ligados por um processo de causalidade cumulativa: o surgimento de uma economia mundial integrada permitiu uma aquisição de informação, competências e tecnologias mais rápida e com menos custos que no passado; por outro lado, a globalização tem sido impelida pelas novas tecnologias de informação, que tem funcionado um pouco como o seu "meio de transmissão" (JOHNSON e LUNDVALL). Ou seja, quanto mais global é uma economia mais learning economy se torna, e vice-versa.
O impacto positivo das novas tecnologias de informação na produtividade só poderá ser aproveitado pelo local se as suas redes de cooperação forem capazes de integrar e difundir estes processos de inovação, tornando-se também redes de "conhecimento intensivo". E a competitividade territorial só será alcançada se essas redes, apoiadas na sua base local, ultrapassarem essa dimensão conseguindo gerir as diferentes fases da atividade produtiva (financeira, I&D, marketing, distribuição) que hoje se realizam a uma escala global.
A governância é o conceito usado para descrever o processo organizativo, ou se preferirmos, político, que une conceitos (inovação, aprendizagem e redes) na elaboração duma estratégia de desenvolvimento, e que é dependente da capacidade dos atores e instituições duma região, ou seja, da sua densidade institucional.
O que daqui resulta é que para além da força motriz do mercado e da capacidade reguladora do Estado, deve existir uma outra entidade a que BRAMANTI chama de integradores do sistema (sejam agências de desenvolvimento, associações empresariais, etc.), e cuja função será fomentar os processos de criação de bens públicos e sobretudo bens relacionais, ou seja, funcionarem como agentes de mediação no estabelecimento da estratégia de desenvolvimento que passa, como vimos, pela inovação, redes e processos de aprendizagem. É o papel das instituições que promovem a confiança para cooperar e interagir que facilita a incorporação desse conhecimento. E o que é válido para os processos de aprendizagem também o é para a inovação e a criação de redes, onde a dicotomia mercados/Estado dever ser substituída por uma relação de complementaridade traduzida numa governância de base local.
Fonte: Bramanti (1999); (Retirado de Cerqueira, 2001)
Figura 2. – O Os processos de desenvolvimento territorial - Da base ao ponto de chegada
São estes os quatro pilares em que assenta uma estratégia de desenvolvimento local e a forma como eles se interrelacionam. E é da combinação "correta" desses fatores que se explica as histórias de sucesso de certas regiões e o declínio de outras. Esta combinação deve ser vista em articulação com os dois eixos atrás definidos: o grau de coesão interna do sistema e a sua capacidade de abertura ao exterior (redes transnacionais ou o circuito global de produção), isto é, se o isolamento do exterior provoca uma "morte por entropia", o excesso de abertura anula os efeitos da proximidade e provoca a desintegração do sistema. É então no equilíbrio entre este dois eixos que a mencionada combinação correta se estabelece.
Contudo, as regiões mais desfavorecidas não possuem as pré-condições necessárias – uma densidade institucional que, articulada numa coesão interna e numa relação com o exterior, construa um processo de desenvolvimento baseado nos quatro fatores chave atrás referidos - o que as remete para um círculo vicioso de pobreza e desfasamento.
O que aparece então como central numa política pública de desenvolvimento local para as regiões mais desfavorecidas é a inversão desse círculo vicioso. A estratégia para estas regiões deve ser a de estabelecer os meios com os quais se ultrapassem os limiares mínimos de densidade material e institucional que qualificam um determinado espaço (REIS, 1999). O que passa por intensificar as bases (económicas, sociais e culturais) que concorrem para a formação duma coesão interna apoiada em características coletivas (não privadas), e lançar instituições formais, sobretudo as que incentivam os processos de aprendizagem. Desta forma, iniciam-se processos de causalidade cumulativa para criar a necessária densidade institucional, a condição primeira para uma competitividade territorial capaz de gerar o bem-estar local.
Ou seja, há um limiar mínimo de densidade que é necessário atingir, uma base que é necessário criar. Temos pois a necessidade de uma nova política de desenvolvimento local que, articulada com esses integradores do sistema ou agentes de mediação, os fomentadores dos processos de criação de bens públicos e relacionais, possa criar essa base para uma estratégia de desenvolvimento que passa, como vimos, pela inovação, processos de aprendizagem, redes e governância.
II
Lemos atentamente o documento «Alto Tâmega – Estratégia de Desenvolvimento Territorial». Feito, naturalmente, por técnicos cuja competência não pomos em causa e que, no papel, esquadrinharam a estratégia de desenvolvimento do Alto Tâmega, do qual, o concelho de Chaves, faz parte.
A responsabilidade deste documento, e da sua estratégia gizada, é da CIM (Comunidade Intermunicipal) do Alto Tâmega.
Sabemos qual seja o maior desiderato deste documento e estratégia – a obtenção do maior número de Fundos Comunitários possível de uma Comunidade Europeia que anda a desnorte.
Pondo este desiderato de lado, nossa maior dúvida vai para a real eficácia daquele documento e consequente estratégia que propõe. Na verdade, pergunta-se:
- Onde está a capacidade de coesão interna do Alto Tâmega, quando sabemos que, por parte, fundamentalmente, dos seus autarcas, cada qual “puxa” para o seu “feudo”, não vendo a região onde se inserem como um único território e com uma única visão?
- Onde está a abertura ao exterior dos seus autores e atores locais, fazedores do seu próprio desenvolvimento? Temos no Alto Tâmega uma densidade institucional suficientemente credível e forte, com instituições que o compõem, capazes de elas próprias serem integradoras do sistema (territorial) e agentes de mediação capazes de criarem uma base suficientemente forte para uma verdadeira e eficaz estratégia (autossustentada) de desenvolvimento?
Temos sérias dúvidas.
No próximo «discurso» voltaremos a este assunto, esclarecendo nosso ponto de vista.
António de Souza e Silva