Discursos Sobre a Cidade
PALAVRAS SOLTAS
Aqui se deixam aos nossos leitores, um conjunto de palavras soltas, «desventradas» de textos que, ao longo de um ano, fomos escrevendo nas redes sociais onde escrevemos.
Todas elas, grosso modo, debruçam-se sobre temas que nos são caros, nomeadamente, o poder das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), o espaço público, o exercício da cidadania, o socialismo e a social-democracia.
Apresentamos, em tempo de férias, palavras ditas, de caráter genérico, mas, mutatis mutandis, perfeitamente válidas e atuais, como não podia deixar de ser, nos tempos por que passamos e para a comunidade em que nos inserimos.
O reino e as temáticas das TIC, do espaço público, do exercício da cidadania, da discussão à volta do liberalismo, o socialismo e a social democracia, jamais está concluída. Representam temas e consubstancia(m) projeto(s) de uma sociedade em construção. Em que a recriação dos espaços públicos e o exercício da cidadania impõem-se-nos, cada vez mais, com muita acuidade e urgência.
E não se iludam aqueles que, com a mudança de poder, tudo muda, ou pode mudar. Muito pelo contrário – é uma folha em branco que se nos apresenta à nossa frente para ser escrita.
O tempo, sempre demasiado célere, se encarregará de dizer em que moldes é que ela foi escrita…
E porque nós flavienses, vivendo numa sociedade globalizada, e não vivendo numa ilha isolada, imunes a quaisquer acontecimentos e influência, as palavras dispersas, abaixo reproduzidas, para nós fazem todo o sentido e têm toda a valia.
As últimas palavras soltas referem-se à Europa da qual fazemos parte. Nelas inculcávamos uma ideia de otimismo em relação ao futuro.
Citemos, então, algumas palavras soltas, de nossos textos dispersos:
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Habermas, a propósito do espaço público, dizia, já lá vão umas boas dezenas de anos, mais ou menos, o seguinte:
"Onde essa despolitização e esse empobrecimento mais claramente se manifestam é no tipo de comunicação que atinge a opinião pública: uma comunicação trivializada e sem autênticos debates. Realiza-se nela um tipo de confrontação elementar em que o acontecimento está acima do argumento, o espetáculo acima do debate, a dramaturgia acima da comunicação, a imagem acima da palavra. A esfera pública fica reduzida a um conjunto de «espetáculos de aclamação»”.
Vem isto a propósito da Edição Especial que a RTP 1, há uns tempos, através da jornalista Fátima Campos Ferreira. Alguns dos entrevistados foram Sampaio Nóvoa, José Gil, Freitas do Amaral e Adriano Moreira. Não pomos em causa a valia dos entrevistados. Interrogamo-nos, na linha de Habermas, o que se pretende. Não desejamos «espetáculos de aclamação», necessitamos que a comunicação (e, neste caso, um meio de comunicação pública) saia dos seus moldes estereotipados do espetáculo televisivo e seja capaz de nos mobilizar para as tarefas da construção do nosso futuro coletivo, criando um efetivo ambiente de construção de uma verdadeira opinião pública. «Pareceres» ou conhecimentos de peritos, precisam-se. Mas, urge ir mais além, ou seja, termos uma televisão pública ao serviço da cidadania, ajudando a criar uma verdadeira opinião pública. Opinião pública de que tanto necessitamos.
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Na era da informática, cujas benesses são inegáveis, sofremos com o crescimento do imediatismo em todos os setores da vida humana, na medida em que os homens passam a atuar no mundo de forma meramente utilitária (expressão aqui entendida como a aproximação entre bom e útil). Buscam prazeres efémeros e de fruição individual, sem se atentarem para a importância do convívio social e do bem coletivo.
É inegável a proliferação de uma conceção de vida que evitas o comprometimento em relação ao outro. A rápida absorção por toda a sociedade de valores estritamente económicos passou a fundamentar condutas que se regem pela ideia do que é mais «lucrativo». Não somos contrários à perceção de justa retribuição por trabalhos que os seres humanos exercem em cada área de suas vidas. Todavia, não podemos concordar com o facto de absolutamente todos os setores da vida humana se reduzirem a uma relação de «custo-benefício». Ainda acreditamos em valores essenciais que jamais poderiam ser reduzidos em fórmulas económicas.
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Ainda é incerto o efeito que a internet virá a produzir no espaço público. Mas uma interrogação se impõe, de modo irrecusável: ela contribuirá para facilitar a aquisição de uma cultura cívica comum ou, como temem alguns, favorecerá a fragmentação e a polarização social? A influência dessas inovações técnicas nos sistemas democráticos é motivo, ao mesmo tempo, de entusiamo e medo.
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Se o grande feito político do século XXI foi ter consolidado a democracia é também verdade que a legitimação do Estado, com base exclusiva na democracia representativa, se esvaziou, por via do crescente distanciamento da maioria absoluta da sociedade. A política subordinou-se à economia, dominada por um sector financeiro que procura riqueza sem produção. Nestas condições, o poder político do Estado não cessa de perder legitimidade. Na era da informática, cujas benesses são inegáveis, sofremos com o crescimento do imediatismo em todos os sectores da vida humana, na medida em que os homens passam a atuar no mundo de forma meramente utilitária (expressão aqui entendida como a aproximação entre bom e útil). Buscam prazeres efémeros e de fruição individual, sem se atentarem para a importância do convívio social e do bem coletivo. É inegável a proliferação de uma conceção de vida que evita o comprometimento em relação ao outro. A rápida absorção por toda a sociedade de valores estritamente económicos passou a fundamentar condutas que se regem pela ideia do que é mais “lucrativo”. Não somos contrários à perceção de justa retribuição por trabalhos que os seres humanos exercem em cada área de suas vidas. Todavia, não podemos concordar com o fato de absolutamente todos os sectores da vida humana se reduzirem a uma relação de “custo-benefício”. Ainda acreditamos em valores essenciais que jamais poderiam ser reduzidos em fórmulas económicas.
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Apesar de ter passado à história com o rótulo de socialismo utópico, Proudhon não exigia aos trabalhadores que sonhassem com um ideal utópico de sociedade – no qual não acreditava – nem que confiassem cegamente numa casta dirigente que lhes prometesse exercer o poder do estado em benefício dos seus seguidores. O seu objetivo eras combater «a preguiça das massas», que está na origem de qualquer autoritarismo. Em vez de ceder à obsessão do poder, ensinava a fazer frente à tendência invasora da autoridade, confiando na sua própria capacidade.
Face ao presente, urge uma nova leitura, um novo enfoque quanto às obras legadas pelos dois grandes pensadores que estão na origem daquelas que foram designadas como as correntes do «socialismo» e da «social-democracia», de Marx e Proudhon, respetivamente.
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Gostaria de partilhar o conteúdo da última página do livro "O novo espaço público", de Daniel Innerarity, dada a oportunidade, face aos tempos que correm, da sua reflexão:
"(...) o nosso principal desafio consiste em abandonar os conceitos centrados na ideia tradicional de estado e criar uma compreensão alternativa das relações entre estados, as nações e as sociedades. Para entender bem a Europa é preciso tomar distâncias em relação ao conceito de estado. A Europa não é um estado, mas uma nova forma de organização do poder político para a qual não é apropriado o conceito de estado. Ao mesmo tempo, o conceito de soberania terá de abrir-se para os espaços de poder da era global. O conceito de soberania de que nós dispomos não parece adaptado às exigências do projeto político da cidadania europeia. Postas as coisas neste pé, tem razão Ulrich Beck quando assegura que uma Europa cosmopolita é hoje a última utopia política efetiva. Devendo definir um novo bem comum europeu perante os interesses mais imediatos do capital e dos estados, nós, europeus, temos a oportunidade de descobrir os grandes fins da política (...)"
Mas o tempo, esse elemento tão devorador, soprando por todos os lados e quadrantes, trazem-nos surpresas, que vêm carregadas de presságios, não augurando grande futuro.
Vivemos, positivamente, tempos difíceis.
António de Souza e Silva