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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

14
Abr20

O Barroso aqui tão perto - As Aldeias dos Colonos

JCI - As aldeias de salazar - aldeias jardim


 

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Barroso 1950-53 - Fotografia de Artur Pastor

montalegre (549)

 

 

Colónia do Barroso da Junta de Colonização Interna

As aldeias de Salazar – Aldeias Jardim

(3ª Parte )

1ª Parte -

2ª Parte -

 

III – Os Casais de Barroso

 

E agora sim, uma breve abordagem e viagem pelos Casais, Casas de Salazar, Aldeias Jardim do Barroso.

 

1 - Casais da Veiga

Esta aldeia dos antigos colonos era a mais próxima de Montalegre, sendo hoje, na prática, um bairro da vila, graças ao seu crescimento natural, não havendo já separação física. Iniciei por dizer aldeia dos antigos colonos, porque atualmente poucos são os que lá residem, pois tal como aconteceu um bocadinho em todas estas aldeias de colonos, com a nova Lei de 1983, que acabou com a obrigação de o casal agrícola apenas poder ser transmitido, por herança, ao herdeiro mais velho da família. Com a nova lei passou a poder ser vendido a terceiros, pelo que alguns colonos abandonaram os casais agrícolas, vendendo as habitações dos mesmos.

 

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Foto 35 – Casais da Veiga

 

As moradias e respetivos lotes ocupam uma área de cerca 9,4 hectares, já no que respeitava à área agrícola, esta era de 237 hectares, absorvendo baldios das freguesias de Montalegre, Padornelos e Meixedo.

 

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Fig.22 – Fotografia aérea dos Casais da Veiga

 

Para esta colónia foram projetados 22 casais, e foram todos construídos, doas quais, atualmente 2 estão totalmente em ruínas (apenas com paredes resistentes de perpianho), um deles foi totalmente demolindo e o lote limpo de escombros e os restantes mantêm-se, alguns deles reconstruídos por novos proprietários.

 

Ao nível de infraestruturas nesta aldeia apenas foi construído um chafariz-bebedouro.

 

Não sei qual foi o critério que a Junta de Colonização Interna seguiu para atribuir o nome a estas aldeias. No caso desta, notoriamente tem a ver com o local onde foi implantada, numa veiga, daí, talvez, o ter ficado com o topónimo de Casais da Veiga.

 

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Fig. 23 – Planta de implantação dos Casais da Veiga

 

Veiga que pela sua altitude eu entendo como planalto, já nas faldas da Serra do Larouco. Note-se que esta aldeia é implantada a 980m de altitude onde a neve marca presença todos os invernos. Estamos em terras de terra fria que até já inspirou títulos de romances dos melhores escritores portugueses, como o “Terra Fria” de Ferreira de Castro, cujo enredo se desenvolve todo nestas terras, um bocadinho mais acima, em Padornelos.

 

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Fig. 24 – Projeto Tipo dos Casais de Barroso

 

2 - São Mateus

Comecemos já pelo topónimo. Ora a “Toponímia de Barroso” diz o seguinte acerca de São Mateus: “ Por acaso é uma aldeia recente fundada pelos arquitectos da Junta de Colonização Interna. O nome de S.Mateus não sei a que se deva…”. Por acaso esta consulta até nem ajudou nada, no entanto, deitando um olho à tese de mestrado de arquitetura da UP, de Ana das Mercês Oliveira, sobre as “Colónias Agrícolas da Junta de Colonização Interna no concelho de Montalegre”, diz-nos que a aldeia de São Mateus “Recebeu este nome, uma vez que nas suas imediações existe uma pequena capela denominada de S. Mateus.” Ficamos então com esta, que é perfeitamente aceitável, além de seguir o critério que muitas aldeias seguiram para terem o seu topónimo, o nome de um santo ou santa.

 

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Fig. 25 – Planta de implantação da aldeia de Mateus

 

São Mateus Tem como aldeias mais próximas, Cepeda a Nascente, Codeçoso a Poente e Fírvidas a Sul, pertence à freguesia de Chã e fica a cerca de 11,5Km de Montalegre e a 8Km do antigo Centro Social que lhe dava apoio.

 

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Foto 36 – São Mateus - Chafariz e bebedouro

 

As habitações/lotes da aldeia de São Mateus ocupam uma área de 3,9 hectares aproximadamente, e tinham de área agrícola cerca de 55 hectares. No projeto estava previsto a construção de 10 casais, com as casas dispostas a formar uma espécie de ferradura, onde na abertura desta haveria uma escadaria e miradouro e no interior dessa ferradura, separado pelo arruamento que servia as moradias, uma zona verde com chafariz e bebedouro, no entanto, embora não prevista inicialmente, nesse espaço verde acabou por ser construída uma escola, com residência para o professor.

 

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Fig. 26 – Fotografia aérea da aldeia de Mateus

 

Hoje, aparentemente, apenas três moradias estão habitadas, duas estão em ruínas e as restantes abandonadas, incluindo a escola.

 

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Foto 37 – São Mateus, um casal em ruinas

 

Quanto à sua implantação em altitude, São Mateus está lá no alto, nos seus 1050m de altitude, no entanto a proximidade da serra do Larouco e outras montanhas e a sua condição de estar em planalto, dá-lhe ares de ser terra mais baixa.

 

3 - Aldeia Nova do Barroso

 

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Fig. 27 – Capela da Aldeia Nova de Barroso

 

Iniciemos pelo topónimo. Na aldeia que abordámos atrás, São Mateus, às vezes também é grafada como Aldeia Nova de São Mateus. De facto, comparando com as aldeias centenárias do Barroso, todas estas aldeias dos colonos são aldeias novas, que hoje rodam os 70 anos de existência, no entanto, nesta colónia do Barroso, a única que ficou com o topónimo principal de Aldeia Nova, é esta que agora estamos a abordar, a Aldeia Nova do Barroso, a maior de todas elas, que fica na freguesia da Chã, a confrontar com a Estrada Nacional 103, a cerca de 1000 metros da barragem do Alto Rabagão e mais ou menos equidistante de três aldeias, a pouco mais de 2000m de cada: São Vicente da Chã, Gralhós e Criande/Morgade. Fica a 9Km da Vila de Montalegre, e a 1,5 do Centro Social que inicialmente lhes dava apoio.

 

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Fig. 28 – Planta de Implantação da Aldeia Nova de Barroso

 

Este conjunto habitacional ocupa uma área de aproximadamente 14 hectares, com 600m de comprimento por 230m de largura e foi inicialmente projetada para receber 45 famílias de colonos, tantas quantas as habitações que construíram e casais agrícolas que lhes eram destinados, com 586 hectares. Isto no projeto, que contava ainda com a construção de uma capela, um miradouro e um chafariz-bebedouro, que também foram construídos. Mas como já atrás abordámos, a construção da barragem do Alto Rabagão veio alterar os planos, quer de Criande, quer desta aldeia, e em vez de receber 45 famílias, acabou por receber apenas 18, ficando cada uma com duas casas de habitação e dois casais agrícolas, ou seja, ao todo, os colonos ficaram com 36 habitações. As restantes, 3 foram cedidas para o posto da GNR e habitações dos agentes, 1 foi convertida em escola e as restantes 5 ficaram para funcionários do estado. Extra projetado foi ainda construído um armazém.

 

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Foto 38 – Aldeia Nova do Barroso

 

Presentemente a escola fechou, tal como o posto da GNR e suponho que as 5 moradias do estado também estarão devolutas. Entretanto surgiram novas construções dentro dos lotes individuais, com o algumas moradias e armazéns, ao todo, hoje existem 71 construções dentro do terreno inicialmente destinado à aldeia. Existem pelo menos 10 moradias de colonos abandonadas e 6 em ruinas.

 

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Fig. 29 – Fotografia aérea da Aldeia Nova de Barroso

 

Conforme se pode observar na planta da aldeia, a mesma era constituída por 8 quarteirões de vivendas, variando entre as 3 e as 8 moradias em cada quarteirão, servido por três arruamento longitudinais, um ao centro e dois laterais, ligados por outros 3 arruamento transversais. Ao fundo da aldeia, e, plano mais elevado, umas escadarias levam-nos até ao miradouro e atravessando o último arruamento transversal, outras escadarias levam-nos até à capela.

 

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Foto 39 – Aldeia Nova do Barroso

 

A altitude desta aldeia varia entre os 896 e os 938 metros de altitude, a primeira ao nível da EN103 e a segunda à cota da capela.

 

4 - Vidoeiro

Quanto ao topónimo de Vidoeiro, não encontrei qualquer informação, mas suponho que fosse inspirado pela existência de vidoeiros no local, que ainda hoje abundam por lá, dentro da própria aldeia. Aceito esta origem sem, no entanto, ter qualquer documento em que me basear para tal.

 

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Fig. 30 – Fotografia aérea de Vidoeiro

 

É uma das aldeias mais pequenas da colónia do Barroso, com o conjunto habitacional a ocupar apenas uma área de 3,4 hectares, com 9 moradias dispostas à volta de um arruamento interior em forma de lágrima, no meio da qual existe um espaço verde, onde construíram um chafariz-bebedouro. No que respeita à área para os casais agrícolas, esta era de 75 hectares.

 

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Foto 40 – Aldeia de Vidoeiro

 

Vidoeiro tem como aldeias mais próximas o Cortiço, a apenas 1km de distância e o Barracão, Vilarinho de Arcos e Zebral, as duas primeiras a cerca de 1,5km e Zebral a pouco mais de 2Km. Montalegre a 14 Km e o Centro Social que lhe dava apoio a cerca de 7,5km.

 

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Fig. 31 – Planta de implantação da aldeia de Vidoeiro

 

Vidoeiro é também terra alta do planalto a 881m de altitude.

 

5 - Criande

 

Esta aldeia de colonos foi o que mais sofreu com a construção da Barragem do Alto Rabagão. Dos 301 hectares previstos. 291 foram submersos pela barragem, restando cerca de 10 hectares, que na prática é a área que ocupam as construções levadas a efeito e respetivos lotes, das 31 habitações inicialmente projetados, apenas 26 foram construídas, e uma escola

 

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Fig. 32 – Planta de implantação inicialmente prevista

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Fig.33 – Planta de implantação final (a vermelho lotes eliminados, a verde escola não prevista)

 

Conjuntamente com a Aldeia Nova, era a que ficava mais próxima do Centro Social, implantado mais ou menos a meio destas duas aldeias de colonos.

 

Quanto ao equipamento de apoio, foi construído um chafariz-bebedouro.

 

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Foto 41 – Aldeia de Criande

 

Segundo informações colhidas na aldeia nova, os colonos desta aldeia, acabaram por ficar sem terrenos, sem casal agrícola, pelo que alguns deles abandonaram a aldeia, e outros acabaram por ficar, mas apenas com as moradias.

 

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Fig. 34 – Fotografia aérea de Criande

 

Hoje em dia, com a construção de novas moradias ao longo da estrada e na periferia de Criande, esta, acabou por ligar-se fisicamente à aldeia vizinha de Morgade.

 

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Fig. 35 – Projeto tipo adotado para a aldeia de Fontão

 

 

6 - Fontão

Quanto ao topónimo de Fontão, vem do nome do lugar onde a aldeia foi implantada. Recordo que em miúdo, aquando das minhas deslocações na carreira de Braga, fazia ali próximo uma paragem, a cerca de 500 metros da aldeia, num lugar a que chamavam, e penso ainda chamar-se, o Alto Fontão.

 

Esta aldeia, conjuntamente com a de Criande, Vidoeiro e Pinhal Novo, fazem parte de uma segunda fase de aldeias de colonos, decidida pela LCI em 1945.

 

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Fig. 36 – Fotografia aérea da aldeia de Fontão

 

Segundo apurei em informações colhidas na aldeia, junto a uma colona ainda viva, disse-me que os casais agrícolas são todos constituídos por monte e floresta, sem terras de cultivo. Pelo que percebi, devido a esse facto as áreas de cada casal agrícola será maior que as das outras aldeias, mas não consegui apurar os números.

 

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Foto 42 – Aldeia de Fontão

 

Fontão, é a aldeia de colonos mais pequena da colónia do Barroso, construída mesmo junto à Estrada Nacional 103, no limite do concelho de Montalegre com Boticas. Inicialmente estavam previstas a construção de 7 moradias com projeto idêntico ao das outras aldeias de colonos, no entanto, a JCI acabou por decidir a construção de apenas 6 moradias e um chafariz-bebedouro de apoio, e alterar o projeto tipo inicial construído nas restantes aldeias..

 

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Fig. 37 – Planta de implantação do Fontão

 

O «Projecto do Casal Agricola para o Barroso», de 1943, foi aplicado a todos os casais agrícolas do Núcleo do Barroso, sem exceção. No entanto, em Janeiro de 1951, Maurício Trindade Chagas desenhou o «Projecto de Sete Casais Agrícolas a construir no Lugar do Fontão», que constituía um novo casal tipo para a região. A memória descritiva e justificativa descreve uma habitação e suas respetivas dependências agrícolas que se desenvolvem no piso térreo: «O casal compreende, a habitação e os anexos de lavoura. A habitação compõe-se de cozinha, retrete, três quartos de cama e despensa. Os anexos de lavoura constam, de alpendre, pocilgas, dois silos, estábulos e nitreira. Sobre o estábulo e acesso à nitreira, far-se-á o aproveitamento de vão de telhado que se destina a palheiro. O acesso ao palheiro será feito por uma escada móvel. A construção do casal será em perpianho de granito rijo da região, com as secções indicadas do Projecto, (…)

COSTA (2017)

 

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Fig. 38 – Projeto do Chafariz do Fontão (que acabou por ser ampliado para dois e tanques)

 

O Edifício Social, tal como o projeto anterior, também ficou subordinado ao edifício de assistência, técnica, médica e social da Aldeia de Criande. A Capela e Escola: «O lugar do Fontão fica a cerca de 2km. da Aldeia de Cervos, com 56 fogos, e a esta ficará subordinado quanto à capela e escola.» (J.C.I., 1945: 98).

COSTA (2017)

 

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Foto 43 – Chafariz e tanque da aldeia de Fontão

 

Quanto à implantação desta aldeia, ao contrário das outras todas construídas próximas ou em terras planas de planalto, esta é construída em plena montanha, de terrenos inclinados, a uma altitude de 850 metros.

 

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Fig. 39 – Projeto Tipo da moradia para a aldeia de Fontão e Pinhal Novo

 

7 - Pinhal Novo

Esta aldeia foi implantada a apenas 1,5km da aldeia do Fontão, foi-lhe atribuído o topónimo de Pinhal Novo, talvez pela mesma razão das anteriores adotarem o nome do lugar. É a única aldeia da colónia de Barroso que foi construída no concelho de Boticas.

 

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Foto 44 – Escola da aldeia de Pinhal Novo

 

O Lugar de Pinhal Novo: «[…] com 10 casais, ficará situado já na freguesia de Beça, limite da aldeia do mesmo nome, na encosta Oeste do Alto das Pias. Para lhe dar acesso projectou-se a construção duma estrada principiando na E.N. - 4 - 1ª. no local denominado Alto do Fontão e terminando na povoação de Beça, do concelho de Boticas; prevê-se a continuação desta estrada para as termas de Carvalhelhos e para Boticas, sede do concelho do mesmo nome.» (J.C.I., 1945: 98). (…) A Escola e Capela: «Pinhal Novo, com 10 casais, ficará situado a cerca de 1.500m. de Beça, sede de freguesia, de que dependerá quanto à capela e escola.»

(J.C.I., 1945: 99) mencionado por COSTA (2017)

 

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Fig. 40 – Fotografia aérea

 

O terreno para implantação das moradias é retangular, com um arruamento de entrada, ao centro, que depois bifurca para dois arruamentos que acabam por se unir em curva no lado oposto à entrada. As moradias foram implantadas 5 de cada lado ao longo dos lados mais compridos do retângulo a confrontar com os arruamentos, entre os quais ficou uma zona verde, onde mais tarde se decidiu construir a escola, mesmo ao centro desta zona verde.

 

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Fig. 41 – Planta de implantação da aldeia de Pinhal Novo

 

Nos documentos acedidos, não se encontrou qualquer referência à área agrícola e florestal pertencente a cada casal nestas duas colónias. Supõe-se que no caso do Lugar do Pinhal Novo dado o número de casais ter permanecido inalterável, a área agrícola e florestal também terá permanecido. Já no caso do Lugar do Fontão, a redução do número de casais pode estar na origem da divisão da área agrícola estando, contudo, a área atribuída inicialmente a esta colónia dentro da média (14,5 a 25 ha) da área agrícola da colonização do Barroso.

COSTA (2017)

 

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Foto 45 – Entrada da aldeia de Pinhal Novo

 

Quantos aos projetos tipo adotados para a colónia de Barroso, a autoria é atribuída a mais que um arquiteto. Nalguns documentos que consultei, o arquiteto autor do projeto tipo das aldeias de colonos de Montalegre, à exceção da do Fontão é atribuída ao arquiteto Eugénio Corrêa (?), mas sempre com o ponto de interrogação à frente. Já quanto aos autores dos projetos da aldeia de Fontão e Pinhal Novos, temos o seguinte (no final também fica uma interrogação, mas por outros motivos:

 

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Foto 46 – Uma casa da aldeia de Pinhal Novo

 

Fevereiro 1961: Projecto de Adaptação das Instalações Agrícolas do Casal a Posto Escolar. O projeto foi desenhado, pelo arquiteto António Trigo, para o Lugar do Pinhal Novo. O plano desta colónia também foi alterado, e a escola acabou por integrar a nova disposição no assentamento. O casal agrícola adotado, para o Lugar do Pinhal Novo, foi o mesmo desenhado pelo arquiteto Maurício Trindade Chagas para o Lugar do Fontão em Janeiro de 1951, e não o casal inicialmente pensado para esta colónia, o casal tipo desenhado para o Barroso, de 1943. Neste projeto, também se faz a adaptação do casal agrícola a posto escolar mas o edifício ao contrário do esperado foi construído de raiz no centro do largo que organiza os restantes casais agrícolas. Ainda mais intrigante é que o mesmo projeto foi replicado com a mesma disposição dentro da colónia de Lugar de S.Mateus — Seriam estes projetos destinados a casais desocupados e por não existir nenhum nessa condição tenham optado por construir uma cópia do projeto de adaptação?.

COSTA (2017)

 

(Continua)

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Abr20

O Barroso aqui tão perto - As Aldeias dos Colonos

JCI - As aldeias de salazar - aldeias jardim


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Foto 15 – Aldeia do Barroso – Mulher e crianças com a rês – 1950/53

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Colónia do Barroso da Junta de Colonização Interna

As aldeias de Salazar – Aldeias Jardim

(Segunda Parte)

(I Parte está aqui

 

II - A COLÓNIA DE BARROSO

 

1 – Os Casais Agrícolas de Barroso

 

Na I parte abordámos a Junta de Colonização Interna, a Colonização Interna Nacional, às fases de colonização interna, a Lei que as regulava, os colonos em geral, a propagando do estado, o que delas se pretendia, em suma, um pouco da história que nos levou até à criação destas novas aldeias, constituídas em 7 colónias ao longo de Portugal, das quais uma, foi desenvolvida no Barroso, que agora abordaremos em exclusivo nesta II Parte.

 

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Foto 16 - Centro Social da JCI no Barroso

 

Tal como já atrás tínhamos referido, na colónia de Barroso foram construídos 126 casais, distribuídos por 7 casais agrícolas que também designaremos por aldeias de colonos, dos quais 6 foram construídos Montalegre e 1 em Boticas, todos em terrenos baldios do Barroso. Para dar apoio a estas aldeias de colonos, foi ainda construído um Centro Social, que não era mais que um Centro Administrativo onde também viviam os técnicos do Estado.

 

Fora estes os casais construídos no Barroso:

 

1 – Casais da Veiga

2 – (Aldeia nova de) São Mateus

3 – Aldeia Nova (do Barroso)

4 – Vidoeiro

5 – Criande

6 – Fontão

7 – Pinhal Novo (Boticas)

8 – Centro Social (Administrativo)

 

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Fig.20 – Os oito assentamentos de Barroso

 

Primeiro vamos fazer uma abordagem geral sobre todas as aldeias e centro social, nomeadamente quanto ao modelo de casal adotado para cada aldeia, o impacto que teve nas populações residentes, etc. Ao longo desta abordagem, vamos deixando imagens de todas estas aldeias (casais) de Barroso.

 

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Foto 17 – Casais da Veiga, com a Serra do Larouco de fundo

 

Depois de um incêndio em 1943 ter destruído a aldeia da Castanheira (freguesia de Vila Chã), a JCI foi incumbida de elaborar um projecto de colonização dos baldios daquela freguesia. De origem circunstancial, a necessidade da colonização daquela região ficou contudo amplamente demonstrada nas palavras do Estudo Económico-Social do Barroso que precedeu o projecto de colonização. Situado no distrito de Vila Real, concelho de Montalegre e Boticas, a região do Barroso, lê-se no estudo, é uma terra de pastagens, onde cerca de 65 % das terras eram maninhos não apropriados e em que quase toda a população vivia da exploração do gado e permanecia intocada pelo mundo moderno: “a dureza do clima e a falta de comunicações agrupam os habitantes em pequenos povoados, de vida quase autónoma, onde costumes patriarcais, através dos séculos, vêem resistindo à evolução civilizadora. Exploram em comum o baldio, utilizam em comum o moinho e forno, em comum apascentam os gados e mantêm o boi do povo.

SILVA (2012)

 

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Foto 18 – Duas casas da aldeia se São Mateus 2

 

Embora no levantamento dos baldios do Barroso ficasse mais que provado que a maioria das terras eram impróprias para a agricultura, que a subsistência das aldeias barrosãs dependia do pastoreio e apanha de lenha nesses baldios, para além do clima agreste do Alto-Barroso, os relatórios da Junta Interna de Colonização ignoraram todas as ameaças ao sucesso dos casais, para além de denegrirem o povo barrosão.

 

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Foto 19 -  Aldeia Nova do Barroso

 Vejamos, a respeito do povo barrosão, algumas considerações e citações dos relatórios da JCI, que Elisa Lopes Silva faz na sua tese de mestrado sobre “A propriedade e os seus sujeitos:  colonização interna e colónias agrícolas durante o Estado Novo”. O sublinhado e negrito sobre as citações  são nossos:

 

O “facies tão característico do Barroso” é atribuído, mais do que às condicionantes geográficas e ecológicas, à combinação entre o isolamento da população, consequência da falta de vias de comunicação, e à “actuação interesseira e retrógrada de autoridades civis e eclesiásticas.” Não é portanto um retrato naturalizador da vivência e cultura barrosã, mas um retrato negativo ancorado em factores de natureza histórico-social, e que por isso, é possível (e urge) transformar, neste caso pela acção dos agentes do poder central: “É impressionante semelhante estacionamento da população num meio em que a terra abandonada ainda abunda. E tudo leva a prever que, em virtude da índole e educação defeituosa da população, o estado de incultura de muitas das melhores terras do Barroso se manterá por largos anos se a intervenção do Estado, por uma actuação enérgica e bem orientada, não puser cobro a desmandos, estabelecendo condições que permitam a realização de certas obras fundamentais à evolução duma sociedade que não é, não sabe ser, nem deseja senão ser pastora.”

SILVA (2012)

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Foto 20 - Aldeia de Vidoeiro

 

A mesma autora, refere na sua tese, alguns alertas que deputados da nação então levaram à Assembleia da República, alertando para as consequências negativas para o Barroso e as populações que iria ter a ocupação dos baldios:

 

A racionalidade extra-económica (no sentido de maximização dos recursos) do projecto colonizador do Barroso é mesmo trazido à Assembleia da República pela voz do deputado Manuel Vaz em 1951. Numa crítica aberta às consequências negativas para as populações locais das formas de colonização estabelecidas no Barroso afirma que “persistir em aldear será tudo o que quiserem, mas não é lógico, não é economicamente aconselhável. E tem algo de desumano.”

SILVA (2012)

 

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Foto 21 - Criande e Morgade vistos desde o Centro Social

 

E acrescenta:

Na verdade, uma grande parte dos baldios tem influência preponderante – como se diz num dos Relatórios da Junta de Colonização Interna – na economia dos povos, constituindo complemento da actividade agrícola e pecuária; outros estão por tal modo ligados à vida das populações que toda a actividade consiste no seu aproveitamento, pela apascentação dos gados, como sucede no Barroso;

SILVA (2012)

 

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Foto 22 – Aldeia de Fontão vista desde a EN103

 

Este “roubo” dos baldios à população. viria a deixar sérias mossas nas vidas e tradições da população das aldeias barrosãs que vivia essencialmente da pastorícia nesses terrenos baldios, além de encontrar nestes, outras formas de sustento. Como se não bastasse, a situação agrava-se mais ainda com a construção das barragens, principalmente a do Alto Rabagão que viria a inundar os melhores terrenos de cultivo. Para justificar a “invasão colonial” os relatórios de trabalhos executados nas Colónias Agrícolas da JCI,  passavam sempre uma imagem negativa do povo barrosão, como   esta  de “a falta dos hábitos de trabalho dos pastores do Barroso”. Bento da Cruz vai mais longe com as consequências, principalmente sociais, mas também ambientais, que este roubo de baldios às populações barrosãs significou, quando na introdução às “Histórias da Vermelhinha” afirma o seguinte:

 

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Foto 23 –  Barragem do Alto Rabagão inundou grande parte dos terrenos destinados a Criande e Aldeia Nova

 

“Na minha infância, andavam no monte pelo menos duas pessoas de cada casa: uma com a rês, outra com as vacas. (…) A promessa de uma história era o melhor engodo para interessar a arraia-miúda no pastoreio. «Anda comigo com a rês que te conto uma história…» dizia a avozinha à neta. E a menina lá ia, toda vaidosa, fiada no conto./Desgraçadamente, os baldios desapareceram, roubados às populações pelos Serviços Florestais, pela Junta de Colonização Interna. As quebradas dos montes, outrora cheias de alegria, de cantares, de assobios, de gorjeios, de balidos, de histórias, são hoje locais desertos, assombrados de pinheiros inúteis. Até os pássaros se calaram. Ou morreram.”

CRUZ (1991)

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Foto 24 – Pastores barrosões com a rês nos montes com neve - 1950-53

 

Com ou sem a aprovação do povo barrosão e dos seus autarcas da altura e outros atores locais, as aldeias dos colonos avançaram mesmo, mas não de forma muito pacífica, ou sem protetos…

 

«Concretizaram-se em dezenas de petições enviadas pelos moradores e pelas entidades locais (juntas de freguesia e câmara municipal) aos órgãos do poder central; invasões de terrenos entregues aos colonos […] quotidiana desobediência às regras impostas pelos guardas-florestais e pelos demais agentes do Estado, plantar árvores ao contrário, deixar lavrar os incêndios, etc»

(Freire, 1998: 38). Citado por COSTA (2017).

 

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Foto 25 -  Aldeia de Pinhal Novo - Boticas

 

E diz ainda:

 

A necessidade de instalação de forças policiais nas colónias como forma de mediação dos contitos surgidos, foi sentida, após os trabalhos iniciados na região do Barroso pela Junta de Colonização Interna e pela Junta de Florestação. No inquérito à região, a Junta referia que o habitante barrosão «[…] recebe com maior desconfiança e grave prevenção toda a tentativa de lhe melhorar a existência». A perda das regalias dos extensos baldios explorados em comunidade para a sua divisão em glebas privadas e criação das colónias agrícolas, não foi compreendida pela população do Barroso como “tentativa de lhe melhorar a existência”. E a resistência e oposição a estas medidas sucederam-se . Na região onde quase 60% da propriedade tinha menos de 1 hectare, a Junta fazia dos colonos, grandes proprietários — sendo a dimensão média da propriedade entre 14,5 a 25 hectares. Mesmo com a medida de recrutar famílias nas aldeias vizinhas para ocupação de parte dos casais agrícolas afastava a população do Barroso das colónias: «Os “colónios” eram vistos como intrusos e dilapidadores do património comum. Aceitar esse estatuto era uma forma de auto-exclusão da comunidade de origem, na qual se mantinham fortes laços familiares e sociais.» (Freire, 1998: 38). Poucos casais foram ocupados no núcleo de colónias por vizinhos locais.

COSTA (2017)

 

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Foto 26 – Casais da Veiga

 

Feita talvez nesta série de protestos, pessoalmente, desde miúdo, que tinha uma imagem que então me deram dos colonos. Fruto de algumas conversas que ia ouvindo sobre os colonos dos Casais da Veiga (a única aldeia de colonos que então conhecia), e talvez mesmo por respostas dadas a perguntas minhas sobre aquele aglomerado de casas que dava nas vistas, quer pela sua construção diferente do habitual, quer por serem casas novas, todas iguais e alinhadinhas, que ouvia dizer que os colonos não eram gente boa, vinham para ali castigados por Salazar. Que eram ex-presidiários, vadios, bêbados, ladrões, de toda a espécie de piorio de gente… Hoje sei que não era assim, e os próprios colonos, na maioria, acabaram também por ser vítimas da JCI e de um modelo de colonização que a propaganda apresentava como aldeias jardim, de terra fértil, com grandes planícies aráveis, habitadas por gente feliz, e que tal como aconteceu à família de colonos com quem falei na aldeia de Fontão, que meteram os papéis para irem para as Angola e foram enviados para o Barroso, como se fosse a mesma coisa… outros colonos vieram para realizar o sonho das suas vidas!…

 

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Foto 27 – São Mateus

 

 Hoje todos sabemos o fracasso que foi esta colonização interna. Esta última imagem do centro administrativo onde viviam os engenheiros que davam apoio, controlavam e fiscalizavam os colonos e as colheitas, onde também viviam professoras das escolas dos colonos (segundo me informou um colono, as professoras eram as mulheres dos engenheiros), mas ia dizendo, que esta última imagem demonstra bem o sucesso que foram os casais. Mas lá iremos a esse "sucesso".

 

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Foto 28 – Capela da Aldeia Nova do Barroso

 

2 - Os Colonos dos Casais de Barroso

 

Como já vimos atrás, para ser colono, era exigido um certo perfil e uma das preferências para atribuírem um casal agrícola era “aos que tiverem residência na freguesia da situação do casal ou nas freguesias vizinhas”  No entanto, pelo que pude apurar, uma coisa era o que estava estipulado na Lei, outra coisa foi a seleção dos colonos, principalmente na preferência dada ao que tivessem residência na freguesia. Segundo apurei na Aldeia Nova junto de um colono, o pessoal veio todo de fora do concelho de Montalegre e Boticas. Também junto da viúva de um casal de colonos, natural de Mirandela, disse-me que meteram os papéis para irem para as colónias ultramarinas, para Angola, mas depois mandaram-nos para aqui (Fontão), “diziam que nos davam terreno de cultivo, mas só nos deram monte… ainda o temos, mas agora estou aqui sozinha e não tenho que o trabalhe”

 

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Foto 29 – Chafariz e bebedouro da aldeia de Vidoeiro 

 

Segundo o testemunho do Sr. António,  filho do único colono original ainda vivo, vindos de Amarante, que herdou um dos casais agrícolas do pai, é um dos poucos herdeiros que ainda se mantém na aldeia nova como agricultor, foi-nos contando a verdadeira história da Aldeia Nova e de Criande:

chegamos aqui em 1952, eu os meus pais e uma irmã, para ocuparmos um casal agrícola”.  Pensava eu que a arte de projetar e fazer obras do estado ou municipais para meia dúzia de anos depois desfazer tudo que foi feito para projetar e fazer nova obra por cima, era noia da atualidade, mas pelos vistos nas colónias do Barroso passou-se o mesmo, ou quase, e isto já lá vão 70 anos, em pleno Estado Novo.

 

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Foto 30 – Criande em primeiro plano, em segundo, a aldeia de Morgade

 

Pois segundo o testemunho do Sr. António: “Os casais agrícolas até são grandes, mas mais de metade do terreno serve para nada. No início deram-nos 18 hectares de terreno, depois deram-nos mais, ao todo 40 hectares” e apontando-me a barragem dos Pisões disse “os melhores estavam além, eram os nossos e os de Criande, mas depois vieram com a construção da barragem e ficamos sem eles, os melhores ficaram todos alagados. A maioria dos de Criande foram-se embora e os que ficaram, ficaram sem terrenos. Aqui só ficaram 18 colonos, mas entregaram duas casas e dois casais agrícolas a cada um, para compensar o que foi inundado, por isso é que ficámos com 40 hectares, mas a maior parte do terreno não vale nada, não se dá lá nada. A nós, então, deram-nos dois casais agrícolas. Hoje um é meu,  outro da minha irmã

 

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Foto 31 – Fontão

 

Deram-lhe os casais!? interpelei eu…”Não, não deram, isto foi como um empréstimo do banco. Primeiro os engenheiros da Junta de Colonização é que decidiam o que se cultivava e davam apoio, davam as sementes e o que precisávamos para tratar de tudo. Depois nas colheitas, tínhamos de dar 6 partes para o estado e uma parte ficava para nós. Aquilo não dava para nada. Nós quando apanhávamos os engenheiros distraídos, íamos desviando um saco ou outro sem eles darem conta, mas aquilo, chegávamos ao fim com mais meia dúzia de sacos, mas mesmo assim não era nada

 

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Foto 32– Pinhal Novo - A casa de um casal

 

Mas então não pagavam nada!? “- Pagávamos sim, eram 6 partes da colheita para o estado e uma para nós, isto até nos entregarem os casais a título definitivo em 1967. Depois de 67 foi ao contrário, acabou, mas tínhamos de pagar 180 contos por cada casa, e na altura ainda era muito dinheiro, ficámos a pagar x por ano,  durante 30 anos, tal como um empréstimo no banco. Depois em 1983, a Lei mudou e quem quisesse pagar o que devia podia pagar tudo de uma vez.”

 

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Foto 33 - Barroso – Recolha de lenha nos montes com neve – 1950-53

 

E em conversa, fui-lhe dizendo: - Vocês ainda tiveram sorte, como eram dois irmãos, ficou cada um com cada casa, mas os outros colonos que tinham mais filhos, já não tiveram a mesma sorte, pois não podiam fazer partilhas por todos… Mas o Sr. António interrompeu e esclareceu. “Não, isso era antes, mas depois em 1983 a Lei foi alterada e todos podiam herdar, se quisessem, só que a propriedade nunca se pode partir, tem de ficar inteira, mas isso é como a Lei dos outros terrenos, é na mesma”. Sim, é a Lei geral, a da propriedade ter de se manter indivisa, só que a partir de 1983, os colonos passaram a poder vender o casal a quem quisessem, ou a quem comprasse, deixou de ser obrigatório ficar na família e continuarem como colonos toda a vida, ou seja, acabaram as colónias agrícolas,  e os terrenos e casas passaram a ser como outro terreno ou casa (prédio) quaisquer.

 

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Foto 34 – Centro Social da JCI no Barroso

 

3 – O Casal Tipo do Barroso

 

Dezembro 1943: Projecto de Casal - Tipo do Barroso. A Memória Descritiva e Justificativa do «Projecto de Casal-Tipo do Barroso» foi, inicialmente, comum a 134 casais agrícolas. Nela, define-se a parte construída da uma pequena exploração agrícola do tipo familiar, constituída por: «casa de habitação, estábulo, nitreira, dois silos e compartimento para pocilgas, além de um alpendre para carros, utensílios de lavoura e ovil.» (J.C.I., 1943b: 1) A memória descritiva sintetiza a matriz espacial e os elementos construtivos do casal agrícola. Apesar de longa, a sua clareza justifica a transcrição integral: «A Casa: uma cozinha térrea, tendo ao lado um quarto e uma despensa, é a peça principal da casa; é também durante os invernos rigorosos o ponto de reunião da família. Uma grande lareira e uma boa chaminé tendo numa das paredes a bôca de um forno exterior à casa, completam-na. Duas janelas dão-lhe uma boa iluminação, além de uma terceira, espécie de clara-bóia. Junto à cozinha e próximo da porta de entrada, à esquerda, construir-se-à uma sentina. Um outro pavimento constituído por dois quartos de dormir, para onde dá acesso uma escada terminada por uma varanda, a toda a largura da cozinha e dando para ela completa a casa de habitação. Todos os vãos exteriores têm portas ou janelas e estas com portas interiores ao contrário dos vãos interiores que serão vedados por cortinas nele colocados pelos colonos. (…) Junta de Colonização Interna Dezembro 1943»

(…)

A Memória foi acompanhada pela Medição de Trabalhos onde, na última atualização datada de Janeiro de 1947 e designada «Casal-tipo da Aldeia Nova do Barroso» , o custo final do casal foi definido em 110.100$00 mais «10% para lucro do empreiteiro, imprevisto e arredondamento 10.057$00.», «Acrescido de 10% importa em 121.110$00». O orçamento final do casal foi de 121,110$00 com instalação de água canalizada e 120.780$00 sem instalação de água canalizada. O projeto não tem identificação do técnico. Este projeto foi concebido em função de uma família padrão.

COSTA (2017)

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Fig.21  - Casa tipo para a região de Barroso

 

(Continua, amanhã, às 14H00)

 

 

 

12
Abr20

O Barroso aqui tão perto... As aldeias dos Colonos

JCI - As aldeias de Salazar – Aldeias Jardim


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Hoje é domingo de Páscoa, muito atípica para aquilo que é costume, celebrada em casa, com o a família habitual de casa, e não toda, pois há os que estão fora que não se puderam juntar a nós, mas vamos ter esperança que para a próxima Páscoa será diferente e tudo esteja já dentro da normalidade e com todos. Assim, é um domingo de Páscoa que acabou por ser igual a qualquer domingo do ano, aqueles em que o blog traz aqui aldeias do Barroso, daí, aproveitamos para trazer aqui as últimas aldeias do Barroso pertencentes ao concelho de Montalegre, 7+1 aldeias novas, todas juntas porque também são todas iguais, tratam-se das aldeias dos Colonos, também conhecidas como as aldeias de Salazar ou ainda, em tom romântico como as “Aldeias Jardim”, mas que foram também de discórdia… São as aldeias de Casais da Veiga, Aldeia Nova do Barroso, Aldeia Nova de São Mateus, aldeia de Vidoeiro, aldeia de Fontão e aldeia de Pinhal Novo (Boticas) e ainda o Centro Social, que era a “aldeia” dos técnicos do Estado que regulavam e controlavam todas as outras.

 

Como este trabalho abrange 8 aldeias, que são aldeias novas, bem diferentes das tradicionais do Barroso e há toda uma História que lhes dá origem, não têm aquilo a que poderemos chamar um post habitual. Vai ser diferente e mais longo, pois para melhor entendermos estas aldeias0 temos que contar antes a história prévia que lhes dá origem, daí, vamos dividir os 4 capítulos deste trabalho em três publicações, uma a acontecer hoje, com a o I Capítulo, e segunda e terça feira, logo no início do dia, teremos os restantes capítulos.

 

Mas para ir adiantando, fica, o índice da totalidade do trabalho:

 

Colónia do Barroso da Junta de Colonização Interna

As aldeias de Salazar – Aldeias Jardim

 

- Introdução

 

I  – O ESTADO NOVO E JUNTA DE COLONIZAÇÃO INTERNA – JCI

 

1 - Tudo começa com a Primeira República, ou talvez não…

2 - Do Golpe de 28 de Maio de 1926 a Salazar e Estado Novo

3 - O SPN - Secretariado de Propaganda Nacional

4 - A Junta de Colonização Interna – JCI e as Colónias Internas

5 - Casais Agrícolas

6 – Os Colonos

 

II - A COLÓNIA DE BARROSO

 

1 – Os Casais Agrícolas de Barroso

2 - Os Colonos dos Casais de Barroso

3 – O Casal Tipo do Barroso

 

III – Os Casais de Barroso

 

1 - Casais da Veiga

2 - São Mateus

3 - Aldeia Nova do Barroso

4 - Vidoeiro

5 - Criande

6 - Fontão

7 - Pinhal Novo

8 – Centro Social

 

IV - Roteiro para uma visita

 

- Conclusões

 

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Foto 1 - Uma aldeia do alto barroso

 

Colónia do Barroso da Junta de Colonização Interna

As aldeias de Salazar – Aldeias Jardim

 

Introdução

 

Embora o Barroso seja feito de vários matizes e oficiosamente dois deles sejam bem conhecidos e aceites, refiro-me ao Alto Barroso e Baixo Barroso, entendíveis pelas suas características de um Alto Barroso, mais alto, mais agreste e com um tipo de povoamento concentrado em aldeias com núcleos bem definidos e compactos, com pequenas casas juntas por paredes meeiras e poucos e pequenos vãos abertos para as ruas. Por outro lado, o Baixo Barroso, com terras mais baixas, mais colorido, com predominância do verde nas paisagens e, embora com um povoamento que se poderá ainda considerar concentrado, já não é em todo compacto, com hortas e pequenos campos agrícolas a separarem as casas, aparecendo aqui e ali, construções mais isoladas e airosas com grandes terrenos de cultivo, hoje mais vocacionados para as pastagens.

 

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Foto 2 - Uma aldeia do baixo barroso

 

Contudo, no Alto Barroso, há algumas aldeias que sobressaem pela diferença. São aldeias que foram planeadas, com vivendas idênticas (projeto tipo), todas com logradouro e espaços comuns e embora com granito à vista, é granito de perpianho, trabalhado, em suma, casas que notoriamente são diferentes da casa típica barrosã, seja ela do alto ou do baixo Barroso. Estas aldeias diferentes, de maiores ou menores dimensões e que, embora com disposição (Implantação) diferentes no terreno, geriram-se todas pelo mesmo princípio, do mesmo projeto tipo repetido em todas essas aldeias, todas com logradouros e todas com as suas zonas comuns, em geral, destinadas a uma zona verde com chafariz e bebedouro, às vezes tanque, zonas de estar, um pequeno miradouro, algumas com escola e até capela. Chamaram-lhes as “aldeias de Salazar”, “aldeias dos colonos”, “os casais” ou até “aldeias jardim”.

 

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Fig. 1  - Perspetiva do «casal tipo I» para a Herdade de Pegões, Montijo

 

Aldeias que, como veremos mais à frente, foram construídas nos territórios mais isolados, ao longo de Portugal. A cada conjunto destas aldeias chamaram-lhe colónias. Para o nosso caso desta rubrica de o Barroso aqui tão perto, interessa-nos, precisamente, a Colónia do Barroso, num total de oito aldeias, sendo sete de colonos e uma aldeia administrativa. Das sete aldeias de colonos, seis foram construídas no concelho de Montalegre e uma no concelho de Boticas. A aldeia administrativa, ou Centro Social, também assim denominada, foi construída no concelho de Montalegre. Embora não seja para aqui chamada, no concelho de Vila Pouca de Aguiar também há uma aldeia de colonos em tudo idênticas às aldeias do Barroso, mas esta só a mencionamos a título de curiosidade. As restantes colónias de aldeias de casais construídas ao longo de Portugal, tinham outros projetos tipo, bem diferentes das aldeias de colonos do Barroso.

 

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Foto 3 - Aldeia nova do Barroso – 1955

 

São estas as aldeias Barrosãs que hoje vamos ter aqui, as últimas aldeias do Barroso de Montalegre que nos faltava abordar, e ao contrário do que aconteceu com as restantes aldeias abordadas até hoje, estas irão ter este post conjunto, contudo, assinalaremos algumas diferenças entre elas. As imagens também abrangerão todas as aldeias. Mas antes de passarmos a elas, vamos conhecer mais um pouco da sua história, a origem, razões para…, objetivos e restantes colónias portuguesas construídas em território de Portugal Continental, pois recordemos que na altura da sua construção ainda existiam as colónias ultramarinas, ou melhor, vamos abordar aquelas que foram construídas debaixo da alçada da JCI – Junta de Colonização Interna, que à frente também abordaremos. 

 

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Fig. 2 - Imagem da repúblicaI

 

 

I - O ESTADO NOVO E JUNTA DE COLONIZAÇÃO INTERNA – JCI

 

1 - Tudo começa com a Primeira República, ou talvez não…

 

Recordemos que o início do século passado é atravessado por três regimes políticos:

 

- A Monarquia Constitucional, que termina em 1910, com a instauração da República;

 

- A primeira república, também conhecida como República Parlamentar, instaurada em 1910 com a queda da Monarquia, derrubada pelo Golpe de Estado Militar do 28 de maio de 1926, dando lugar á uma ditadura militar, que mais tarde se autodenomina por ditadura nacional, que durou até 1933.

 

- A segunda República inicia-se com a entrada em vigor da Constituição Política da República Portuguesa de 11 de abril de 1933, que também ficou conhecida como o Estado Novo ou Salazarismo, que nas suas várias fases irá durar até abril de 1974, onde se inicia a terceira república, a da democracia portuguesa atual.

 

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Fig. 3  - O Flaviense António Granjo, Presidente do Ministério (atual 1º Ministro) cruelmente assassinado na noite de 19 para 20 de Outubro de 1921, conhecida por "Noite Sangrenta"

 

A primeira República parlamentar, inicialmente com alguma resistência de ideais monárquicos, atravessa alguns momentos conturbados, próprios de uma pós revolução, mas também a participação de Portugal na I Grande Guerra, seguido uma pandemia em 1918-1919, a gripe espanhola ou pandemónica que dizimou milhares de dezenas de portugueses (e 50 a 100 milhões no mundo inteiro) , acabando por entrar nos anos 20 num período de grande agitação política. Digamos que teve todas as condições para correr mal. Contudo, no seu tempo de duração, a primeira república teve tempo ainda de iniciar uma campanha de combate ao analfabetismo, que consideravam ser "a vergonha nacional". Recordemos que em 1910, aproximadamente 76,1% da população portuguesa não sabia ler nem escrever. Era também a constatação de que a falta de instrução era a maior inimiga do progresso. Contudo, e não fugindo no nosso tema, é ainda na I República, entre 1923 e 1926, que se construírem aquelas que viriam a ser as duas primeiras colónias internas, que mais à frente abordaremos.

 

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Fig. 4 – Casais do Tipo I e II da Colónia Agrícola dos Milagres

 

2 - Do Golpe de 28 de Maio de 1926 a Salazar e Estado Novo

 

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Foto 4 - Imagem do dia do golpe de 28 de maio de 1926

 

A 28 de maio de 1926 dá-se o golpe que dá origem à Ditadura Militar. Continua-se num período conturbado, agora agravado com uma crise financeira, onde o nome daquele que viria a ser o grande ditador, começa a aparecer – Salazar.  

 

Logo após o golpe militar de 28 de maio de 1926, Salazar aceita colaborar com Sinel Cordes, ministro das Finanças, na elaboração das bases da revisão fiscal e um ano depois apresenta-lhe um conjunto de 10 projetos de reforma, mas o ministro não lhes dá seguimento. Foi a rutura.


Salazar cobre as páginas do Novidades com críticas à política de Sinel Cordes. Este, por sua vez, procura desesperadamente a solução para a crise financeira do país através da obtenção de um empréstimo junto da Sociedade das Nações.

As negociações arrastam-se, e por fim, já em 1928, falham redondamente, porque as condições impostas pelos credores são inaceitáveis para a Ditadura Militar, que, sem finanças, está à beira do colapso.

 

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Fig.5  Salazar – “O Salvador da Pátria”


É aqui, em 1928, que se abre o caminho a Salazar, então professor de Finanças da Faculdade de Coimbra, com sólida reputação de técnico conceituado, tem a solução para a crise financeira do país: o Equilíbrio Orçamental. É convidado a integrar o Governo, mas, impõe condições: por um lado, e como técnico de Finanças, exige o exame de todas as iniciativas que impliquem receitas e despesas; e, por outro, como católico conservador, exige que o Estado se comprometa a não alterar a situação da Igreja com novos agravos. Estas condições foram aceites, e a partir de então Salazar coordena de facto todos os ministérios a partir das Finanças.

 

6 fig-6 - salazar.JPGFig.6 – Salazar

 


No discurso de tomada de posse (28 de abril de 1928) Salazar profere a frase mais famosa da sua carreira política: "Sei o que quero e para onde vou". Sabia-o, de facto: a "ditadura" financeira era o primeiro passo para a reforma corporativa e autoritária do Estado.

 

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Foto 5 -  Bairro das Minhocas, Lisboa em 1938

 


Entre o Ministério das Finanças e a institucionalização do Estado Novo levará apenas seis anos (1928-1934), durante os quais Salazar conseguiu concentrar e harmonizar as direitas portuguesas numa só direita, e, gerindo habilmente este equilíbrio, manter-se-á no poder, contava então com:

 

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Fig. 7 – Cartaz do Estado Novo

 

 “um povo submisso, camponês de gema, resignado, ocupado nos trabalhos e nos dias, temente aos deuses e à Natureza que com eles se confundia, ensimesmado nas suas coisas de conservar o legado da tradição (…). Para os resquícios do romantismo de Novecentos e para a propaganda do Estado Novo, o povo era o bem maior da pátria e da nação, tão importante como a história dos heróis, dos monumentos e das mitologias que guardavam destinos por cumprir. (…) Portugal era um jardim na boca dos seus governantes e das suas elites.”

DOMINGUES (2011)

 

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Fig.8 - Cartaz do SPN, 1934, de Autoria de Almada Negreiros

 

3 - O SPN - Secretariado de Propaganda Nacional

 

Em 1933 é criado o Secretariado de Propaganda Nacional [SPN], como entidade responsável pela propaganda do regime, fomentava as políticas culturais de acordo com os interesses ideológicos do governo. Servindo-se dos vários meios de comunicação como a rádio, o cinema e a imprensa escrita, não só divulgava as ideias defendidas, como também promovia exposições e encenava festas populares e cortejos, controlando deste modo a política cultural do governo. Encenavam-se quadros da vida rural, ignorando e preterindo as condições de vida muitas vezes degradantes em que as populações rurais viviam, transmitindo sempre uma imagem de uma nação pacífica, harmoniosa e com identidade própria.  O SPN vendia a ideia de um povo tranquilo, feliz e respeitador.

 

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Fig.9 – Futebol, Fado e Fátima

 

Salazar conseguiu manter Portugal à margem do mundo moderno, assente numa ruralidade que lhe garantisse estabilidade e serenidade social, apoiando-se nos seus três grandes pilares: “Deus, Pátria e Família” ou nos três efes – Futebol, Fado e Fátima. Deste modo, manteve todo o povo, mas principalmente o das zonas rurais, nas suas atividades ancestrais, bem longe da escolaridade e de qualquer tipo de desenvolvimento intelectual e económico, imerso na religião e na pobreza. Se para a primeira república a falta de instrução era a maior inimiga do progresso, para Salazar, a falta de instrução seria um dos garantes da sua ditadura. A propaganda lá se encarregava de mostrar um Portugal de famílias felizes…

 

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Fig.10 - A Lição de Salazar – Deus, Pátria, Família

 

Mas uma coisa era a propaganda e outra a realidade, que se ia agravando com o aumento da população[i] e uma economia atrasada assente principalmente na agricultura tradicional, pouco produtiva e  uma indústria primária, o que levantou uma série de problemas que exigiam uma resolução urgente, nomeadamente o de subsistência alimentar face ao aumento da população. Assim, era necessário aumentar a quantidade das colheitas, de modo a que a produção agrícola fosse capaz de dar resposta às necessidades de toda a população. Para tal, tinha-se de aumentar o índice de produtividade da agricultura, intensificando as culturas existentes e cultivando terrenos até aí incultos, alargando assim a superfície cultivada do território continental.

 

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Fig.11 – Portugal e Fátima

 

Para a resolução do problema, Salazar propõe duas soluções: o lançamento da Campanha do Trigo, que tinha como finalidade o aumento substancial da produção de trigo de modo a diminuir a importação deste cereal,  e o reconhecimento dos baldios, dando-lhe um uso mais proveitoso para que deste modo se conseguisse aumentar a superfície passível de ser rentável para a produção de alimentos.

 

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Fig.12 -  Campanha do milho

 

Claro que para tomar estas medidas, o SPN – Secretariado da Propaganda Nacional,  encarregar-se-ia de embelezar a vida no campo.

 

 (…) a vida no campo era a imagem do Paraíso e do bom povo sábio, pobre mas honesto, que vivia na sua simplicidade, alegria, em comunhão com a Natureza e oração com os deuses.”

DOMINGUES (2011)

 

A ruralidade é defendida como uma das partes importantes do projecto ideológico do Estado Novo, apresentando Portugal como um país tradicional e de economia maioritariamente agrária, mas também como um estilo de vida, virtuoso, que revela a força e a nobreza de espírito do povo português, pobre mas honrado.

SAMPAIO (2012), Em OLIVEIRA (2018).

 

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Foto 6 e 7 – Uma família de colonos no campo

 

O interesse pelos costumes populares, isto é, as vivências e tradições camponesas que se entendem como autênticas e exemplo da nacionalidade, desempenhava um papel fundamental na consolidação das representações simbólicas sobre a natureza e especificidade da nação portuguesa. Autêntico, perene e tradicional, são as palavras de ordem. Era no “viver rural” que se conservavam os traços da vida dos fundadores da nação. A defesa da ruralidade advém da vontade pelo restabelecimento duma suposta ordem antiga, mitificada, e que tem as suas raízes no temperamento peculiar do chefe de Estado, bem como na reacção à recente evolução da sociedade portuguesa, assumindo-se simultaneamente como um discurso anti-I República e adverso à concepção urbana e ao cosmopolitismo, substituindo o cidadão e o direito à sua liberdade individual, por uma ordenação naturalizada do mundo e do tempo social.

OLIVEIRA (2018)

 

Esta pequena abordagem à Segunda República, o Estado Novo de Salazar, era necessária para melhor se entender o que foi a Junta de Colonização Interna, à qual passamos de seguida.

 

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Fig.13  – Cartaz da Junta de Colonização Interna

 

4 - A Junta de Colonização Interna – JCI e as Colónias Internas

 

A Junta de Colonização Interna era um organismo com personalidade jurídica, de funcionamento e administração autónomos.

Criada em 1936, incumbia-lhe a execução dos planos de colonização interna. Pelo Decreto-Lei nº 27:207, de 16 de Novembro de 1936, a Junta de Colonização Interna tinha, nomeadamente, as seguintes competências: tomar conta dos terrenos que lhe foram entregues pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, instalando nesses casais agrícolas; promover a constituição de associações e regantes e a instalação de Postos Agrários; efetuar o reconhecimento e estabelecer a reserva dos terrenos baldios do Estado; proceder à aquisição de terrenos para colonização; estudar o regime jurídico a que devia obedecer a concessão de glebas.

 

Embora só criada em 1936, a JCI vem de encontro a ideias e tentativas antigas de colonização do território.

 

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Fig.14 – Cartaz de propaganda - 1941

 

Mas esta colonização do território pretendia ainda estar enraizada numa política que remontava aos primórdios da história do país, a uma tradição seguida por consecutivos reis de Portugal – o que não era indiferente ao poder vigente. Na verdade, a tentativa de colonização dos baldios – logradouros comuns dos povos sob administração de municípios e freguesias, segundo a definição da época – nem sequer pode ser atribuída ao Estado Novo, pois já em 1893 tinha sido publicada legislação onde se prescrevia «o arrolamento dos baldios e neles se procure estabelecer colónias agrícolas» e, desde então, houve diversas tentativas de levar a cabo essa tarefa, sendo de salientar a de 1918 e a de 1920, respectivamente materializadas nos Decretos nº 4.812 e nº 7.127.

RAPAZOTE, J. (2012).

 

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Fig.15 -  Cartaz de propaganda - 1942

 

A colonização Interna surge também em imitação àquilo que já acontecia em Itália e em Espanha, entre outros.

 

Já nos anos 30, na base de trabalho da Junta estavam os estudos e a investigação de exemplos a colonizações nacionais e internacionais tendo sido inclusive patrocinados estágios a diversos países com a preocupação da formação do pessoal técnico. Embora, no início fizessem parte engenheiros e técnicos agrários e civis e que respondiam às mais variadas questões — tendo sido designada por alguns autores de «agronomia de clínica geral» como é referido no capítulo seguinte. (Cf. Lobo e Antunes, 1960: 105-106). Por volta dos anos 50, a equipa técnica era constituída por técnicos de várias especialidades, entre os quais arquitetos. Os modelos italianos e espanhóis foram os mais referidos em documentos oficiais e nas publicações da Junta, mas os estágios estenderam-se ainda a países dentro e fora da Europa, como: Tunísia, Argélia, Alemanha, Holanda, entre outros .

COSTA (2017).

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Fig.16 – Publicação sobre o Reconhecimento dos Baldios em Portugal

 

Uma vez que os terrenos baldios se apresentavam mais aptos à florestação do que à agricultura, a Junta de Colonização Interna, inicialmente, propunha colonizar apenas os terrenos irrigados, contudo não aconteceu assim:

 

Colonizar os terrenos baldios foi uma das competências da Junta, embora fosse uma opção secundária. O projeto principal seria colonizar os terrenos irrigados entregues pela Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola, sendo os baldios destinados à florestação.  Devido à superfície dos baldios reservada para colonização, inicia-se um conflito, entre a Junta de Florestação (e a Câmara Corporativa) e a Junta, que se arrastou até meados dos anos 40. Durante esse período, a Junta dedicou-se ao estudo da viabilidade de colonização nos baldios — «Reconhecimento dos Baldios do Continente», apresentado em 1939 — ao estudo das «colonizações espontâneas» e à reorganização de dois projetos de colonização herdados da 1.ª República. A contabilização total da área baldia feita pela Junta foi de 407 535 hectares, dos quais foram reservados para colonização, numa primeira fase, 37 152 hectares. Área que numa segunda fase foi aumentada para 104 026 hectares. Este aumento de área, entre 1939 e 1942, indicou a mudança de políticas que influenciou a ação da Junta — também reestruturada no ano de 1942. Quanto aos terrenos que beneficiariam de estruturas de hidráulica agrícola nunca chegaram a passar para a Junta. Em resumo, a construção dos sete núcleos de colónias em território nacional foi feita em terrenos baldios, com a exceção da Colónia de Pegões, a única — a Sul — construída em terrenos pertencentes ao Estado.

 COSTA (2017).

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Fig. 17 – Cartaz de Propaganda, 1940

 

Por fim, a JCI inicia os projetos para 7 Colónias Agrícolas em Portugal Continental, embora os dois primeiros não digam respeito à construção de novas colónias, mas sim a reorganização de colónias já existentes, como a colónia dos Milagres, em Leiria, e de Martim-Rei no Sabugal. Colónias essas, que já tinham sido construídas durante a I República, entre os anos de 1923 e 1926.

 

  1. Colónia dos Milagres em Leiria[ii]
  2. Colónia de Martim Rei no Sabugal
  3. Colónia de Pegões em Setúbal
  4. Colónia do Barroso em Montalegre e Boticas
  5. Colónia da Gafanha em Ílhavo
  6. Colónia da Boalhosa em Paredes de Coura
  7. Colónia do Alvão em Vila Pouca de Aguiar

 

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Fig. 18 -  As sete colónias internas portuguesas

 

 

5 - Casais Agrícolas

 

Cada uma das colónias eram constituídas por vários casais, dispersos, como foi no caso das duas primeiras colónias construídas ainda durante a Primeira República, ou em conjunto, formando aglomerados de aldeamentos, variando estes na sua dimensão (número de casais).

 

8 - foto 8 matim rei-sabugal.JPG

Foto 8  – A Colónia Agrícola Martim Rei, com casais dispersos.

 

O «casal agrícola», «formado por casa de habitação, com dependências adequadas à exploração rural, e por terrenos de área suficiente para uma família média de cultivadores» (Lei n.o 2014, 1946, base iii), «uma unidade económica perpétua, inalienável, indivisível e impenhorável» (Lei n.o 2014, 1946, base iv), constitui o elemento ‑base da colonização interna proposta pela JCI. A sua instituição procura contrariar o sentido de «libertação» e «individualização» do indivíduo e da terra que marcaram o período histórico do liberalismo (Manique, 1987, p. 224), entendidos pelo Estado Novo como a causa da fragmentação da propriedade. Estabilizando num tempo longo a unidade da propriedade e criando um vínculo entre propriedade e família, a figura do «casal agrícola» procura impedir a sua desagregação e «recolocar a instituição familiar como base da constituição da sociedade, bem como do Estado» (Silva, 2011, p. 49). O regime jurídico dos casais agrícolas foi legislado em 1946, com a Lei n.o 2014. A concessão dos casais agrícolas constituía um processo em várias fases: a fruição provisória — «concedida a título de experiência pelo prazo de três anos, prorrogável até cinco», durante a qual o colono paga «um quinhão das principais colheitas, estabelecido pela JCI»; o regime de fruição definitiva — «quando, terminado o período de experiência, a Junta considerar o colono apto para assumir a exploração do casal», e que inclui «a venda resolúvel do casal, mediante o pagamento do respectivo preço, em prestações anuais e iguais [não superiores a trinta], calculadas à taxa mínima de dois por cento»; e o título de propriedade definitiva do casal agrícola, entregue logo que o colono «tenha pago todas as prestações e os mais encargos de que for devedor à Fazenda Nacional» (Lei n.o 2014, 1946, bases x e ix).

GUERREIRO (2018)

 

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Foto 9 - Casais do Núcleo das Faias, Santo Isidro de Pegões

 

Pós 25 de Abril, 1983, a Lei veio alterar algumas regras anteriormente estabelecidas, nomeadamente no que respeita ao pagamento em dívida e à transmissão da propriedade, mas mais à frente abordaremos o assunto. 

 

O Plano Geral de Aproveitamento dos Baldios Reservados foi desenvolvido entre 1939 e 1941 e previa a instalação de 739 casais agrícolas em 11 baldios (JCI, 1941). O Plano foi realizado apenas em parte. Foram desenvolvidos e implementados projetos para os baldios de maior dimensão, como é o caso do Barroso e da Boalhosa. Noutros baldios, em estudos posteriores optou‑se pela atribuição de glebas e logradouros de fruição regulamentada às populações existentes, e em baldios de menor dimensão, com as dificuldades que a Junta enfrentava relativamente aos seus intuitos, e a oposição das populações, o interesse foi caindo;

 

  • Dos processos em curso quando é criada a Junta — Colónias Agrícolas dos Milagres de Martim Rei — construíram ‑se os 51 casais previstos;

 

  • Em terrenos propriedade do Estado — Herdade de Pegões e Mata Nacional da Gafanha — previa‑se a implantação de 734 casais. No entanto, as dificuldades sofridas na transformação das areias em terrenos férteis, na Colónia Agrícola da Gafanha, inviabilizaram a construção da sua II parte.

 

10-foto 10-paredes de coura.jpg

Foto 10 - Colónia agrícola em Paredes de Coura

 

Neste contexto, foram construídos 512 casais em sete colónias agrícolas:

 

  • 30 casais nos Baldios da Boalhosa, em Paredes de Coura;
  • 126 casais nos Baldios do Barroso, em Montalegre e Boticas, organizados em sete assentamentos e um centro social;
  • 24 casais nos Baldios do Alvão, em Vila Pouca de Aguiar, estruturados em sete núcleos;
  • 75 casais na Mata Nacional da Gafanha, em Ílhavo;
  • 12 casais organizados em dois núcleos na Colónia Agrícola dos Milagres, em Leiria;
  • 39 casais nos Baldios do Sabugal;
  • 206 casais na Herdade de Pegões, no Montijo, estruturados em três núcleos.

GUERREIRO (2018)

 

11-foto 11Herdade.161-pegoes.jpg

Foto 11 – Colónia Agrícola de Pegões

 

A maioria das habitações dos casais apresentava 50 a 60m2 de superfície interior, distinguindo-se em dois tipos principais: um, construído nas regiões planas do Sul – com paredes de tijolo e pavimentos de tijoleira; outro, destinado às regiões montanhosas do Norte, por vezes desenvolvido em dois pisos, com paredes de alvenaria de perpianho de pedra e as zonas dos quartos com soalho de madeira. O custo das habitações variava entre 60, para as da planície, e os 100 contos, para as da montanha, sendo que 45 a 65% deste valor era destinado à parte de habitação, um custo um tanto excessivo para o que seria de esperar para pequenas construções rurais.

RAPAZOTE (2012)

 

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Foto 12 - Casal nos Baldios do Alvão, em Vila Pouca de Aguiar

 

Segundo testemunho de um dos colonos de Barroso, o custo das habitações acabaram por ficar bem mais caras, tal como tudo que precisassem (alfaias agrícolas, etc.), e que a JCI lhes punha à disposição, era somado à dívida de cada colono. “ A JCI era como um banco, adiantavam, mas depois tínhamos de pagar” dizia-me o colono. A propaganda do Estado lá se ia encarregando de “vender” estas “Aldeias Jardim” e outros ideais aos mais necessitados, onde até fomentava “beber vinho é dar pão a um milhão de portugueses”.  Mais à frente falaremos destas coisas.

 

19-1600-Campanha agricola.jpg

Fig.19 – Cartazes de Propaganda das Campanhas de Produção Agrícolas

 

casal agrícola – em que este representa a fixação permanente à terra “cuja maior fortuna que produz são a paz e a quietude social, produzindo ideias sãs” – e da gleba – que permite atenuar as crises de desemprego com a absorção da mão-de-obra em trabalhos em terra própria, fixando o indivíduo ao solo e à “vida pacífica da região.” SILVA (2011)

 

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Foto 13 – Colonos a trabalhar a terra - Pegões

 

 6 - OS COLONOS

A JCI desenhou o perfil dos colonos e os candidatos tinham de reunir as condições exigidas para o recrutamento, estipuladas na Lei 2.014 de 27 de Maio de 1946, entre os quais:

 

Além dos critérios geográficos, citem-se aqui todos os critérios de selecção e preferência dos colonos: “1. Os casais agrícolas serão concedidos a trabalhadores rurais ou a pequenos agricultores do sexo masculino, de nacionalidade portuguesa e idade não superior a 30 anos, que sejam chefes de família, não tenham bens suficientes para as necessidades do agregado familiar e reúnam as condições de aptidão e idoneidade moral e que não tenham outro casal agrícola. 2. Na concessão dos casais será dada indistintamente preferência: a) aos que tiverem residência na freguesia da situação do casal ou nas freguesias vizinhas; b) aos filhos de colonos de outros casais agrícolas; c) aos que tiverem o curso de feitor agrícola; d) aos chefes de família com maior número de filhos; e) aos que tiverem prática de trabalho em zonas de regadio, tratando-se de terras de regadio.”

 Cf. Base VII, Lei n.º 2014, 27 de Maio de 1946.

 

14 - Pegoes.jpg

Foto 14 – Colonos a trabalhar a terra - Pegões

 

«Em síntese, os requisitos exigidos para o recrutamento dos colonos são os seguintes: ser português, menor de 45 anos, robusto e saudável, sério, ter amor ao trabalho e à família, não ser alcoólico, nem desordeiro, nem comunista, acatar a Constituição e a ordem social, ter exercido durante cinco anos mesteres agrícolas, como trabalhador rural, rendeiro, parceiro, encarregado de serviços, empresário, ou ser diplomado por escola agrícola.» (Câmara Corporativa, 1938.)

GUERREIRO (2018)

 

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Foto 15 – Aldeia do Barroso – Mulher e crianças com a rês – 1950/53

 

 

 

 

[i] - Entre 1920 e 1940, a população aumentou cerca de 1,7 milhões de pessoas

[ii] Definido em 1921 ainda na I República, foi construído em 1926. Em 1937, a JCI, deu início ao estudo para reorganização da Colónia dos Milagres  estabelecida nos baldios de Leiria e do plano realizado para a Colónia de Martim Rei para a colonização dos baldios do Sabugal, ambos, projetos de colonização realizados no período da 1.ª República Portuguesa (1910-1926). A terminologia colónia aqui não se refere a povoamento concentrado, os casais de família estavam dispersos, mas dentro do 10 concelho de Leiria, como refere uma notícia do Diário de Lisboa, aquando a inauguração dos primeiros casais de família, a Julho de 1926: «Foram entregues quatro casais já prontos, o Alcaidaria, o da Mata, o da Vidoeira, o dos Milagres, afastados entre si, mas próximo, cada um deles, duma povoação.».

 

 

 

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