Ocasionais - A Magnífica Auto Viação Do Tâmega
A Magnífica Auto Viação Do Tâmega
Há uns anos fui a Montalegre. À hora e meia, apanhei em Boticas a carreira que vinha de Chaves e que seguia depois para Montalegre. Já tinha usado esta carreira para vir de Chaves para Boticas. Nessa carreira faziam sempre parelha o mesmo condutor e o mesmo cobrador. O cobrador era um sujeito manquinote duma perna, com os seus trintas e muitos anos, bem aprumado, quase sempre de blazer e gravata, e que usava um sorriso bem-disposto a combinar com um ar confiante e galante. Gostava de passear no corredor da carreira para conversar com as pessoas, especialmente senhoras ou meninas. Aparentava gostar daquilo que fazia e parecia contente com a vida. Tocava saxofone numa banda da região e nalgumas viagens dava umas sessões de "saxofone", no corredor da carreira, imitando o som do instrumento com a boca e mexendo as mãos como se estivesse a tocar. Eu não conhecia tão bem o condutor mas pelos vistos era também boa pessoa. Meti-me à viagem para Montalegre e passados uns quilómetros, à entrada do Barracão (uma pequena aldeia do concelho de Montalegre), o condutor virou a cabeça para trás e disse-nos em voz alta (só iamos na carreira uns quatro ou cinco gatos-pingados): "Vamos parar aqui p'ra botar um copo.". Disse aquilo naturalmente, como se o fizesse todos os dias. Encostou a carreira ao lado esquerdo da berma, estacionando-a em contramão, meia na berma e meia na estrada, abriu a porta da frente e disse-nos "Vamos lá que pago eu!". Botamos um copo e seguimos viagem.
Imagem original de http://avtamega.pai.pt/
Lembro-me que quando antigamente as carreiras paravam em Boticas, frente à tasca do Mil E Dez (Este não era o verdadeiro nome. Aquando da passagem da tasca, a antiga tasqueira exigiu 10 contos a mais do que os 1000 propostos, e daí vem a nomeada), e eu ia cortar o cabelo ao Ti Zé (que tem a loja ao lado), por vezes via aparecer na porta o condutor da carreira a dizer "Ti Zé, despache lá o corte ao homem porque estamos à espera p'ra ir embora!", e o Ti Zé tentava adiantar o corte de cabelo ao cliente para a carreira poder seguir. Por estas coisas, os empregados da Auto Viação do Tâmega demonstravam que eram super-profissionais. Divertiam os passageiros, ofereciam-lhes copos, anotavam os passageiros que precisavam de fazer compras ou cortar o cabelo antes da viagem e até os iam chamar para o embarque se isso fosse preciso. Paravam as carreiras em qualquer lugar para a entrada ou saída de pessoas, sem necessidade de que ali houvesse alguma paragem ou tasca, bastando que se pedisse para sair ou se fizesse alto a mandar parar. Se no meio duma viagem alguém necessitasse de arriar o calhau, também paravam a carreira e esperavam que a pessoa fizesse o arriamento atrás de umas giestas, como chegou a acontecer. Este tipo de super-profissionalismo máximo destes condutores e cobradores, que eram todos gente do Barroso, é uma coisa que não se encontra em outros lados. Experimentai mandar parar um autocarro em Lisboa a mais de 10 metros de uma paragem e vede o que vos acontece. Pedi a um condutor da Renex para esperar uns minutos por vós, que quereis ir cortar o cabelo, e tirai conclusões. Pedir para parar para cagar é impensável em qualquer outra companhia. Não há nenhuma hospedeira da TAP que tenha um décimo da simpatia e dedicação destes senhores que laboram pelo Barroso fora. Aliás, se tivesse aviões, a Auto Viação do Tâmega arrasaria a concorrência só à custa da qualidade do seu pessoal. Já estou mesmo a ver um piloto barrosão em pleno vôo transatlântico de Lisboa a Nova York, a dizer ao microfone "Senhores passageiros aprestem os cintos porque vamos parar aqui nos Açores p'ra comer qualquer coisa de jeito porque parece que cá em cima não coze o forno!".
Luís de Boticas