Discursos (emigrantes) Sobre a Cidade
Sim, nós podemos
A união, a força de expressão e a vontade de mudar o rumo das coisas foi uma das coisas que mais me impressionou nos catalães quando cheguei a Barcelona. E se volto a essa qualidade admirável dessa gente é porque esbarro nela quase diariamente, seja no dia que eles relembram a sua vontade de independência na "Diada nacional" (11 de Setembro), seja na originalidade de elegerem uma cidadã activista para o seu Governo (a Ada Colau), seja nas manifestações regulares para renunciar a uma privatização ou denunciar a brutalidade policial contra os que se expressam e resistem, agora legitimada pela "Lei de la Mordaza" que o Governo de Mariano Rajoy pôs em prática este primeiro de Julho.
Desde o início do ano que se anunciou a privatização do Teatre Liceu, a belíssima ópera de Barcelona. E os seus funcionários bem sabem o que isso significa: despedimentos e contratos precários. Desde então, eles manifestam-se em frente ao edifício uma, duas, três, quatro... vezes sem conta, tanto que eu já não conto e já acho normal haver uma "manif" quando passo em frente ao Teatre Liceu.
Protesto em frente ao Teatre Liceu, Barcelona, Junho 2015 - Fotografia de Sandra Pereira
Também não hesitaram em votar na Ada Colau, que conhecem por estar no "fogo da acção" sempre que os "Mossos de Esquadra" empreendem um despejo, seja de okupas ou pessoas que perderam tudo com a crise. Já eram muitos os que tinham deixado de ir às urnas para votar "sempre nos mesmos" (PP (direita) ou PSOE (esquerda)), mas atreveram-se a dar uma oportunidade a um movimento cidadão (o Podemos de Pablo Iglesias) sem certezas se algo irá mudar. Simplesmente pensam que algo "Pode" mudar.
Campanhas de sensibilização, projecções de documentários, recolha de assinaturas e muito barulho contra situações injustas. Todos os catalães participam em associações e estão nas ruas todos os dias. Mesmo em dias de festa, ao lado da música, da cerveja e das "tapas", os catalães montam sempre um "estaminé" para contestarem medidas do Governo que não consideram adequadas para os seus bairros, geralmente pensadas para impulsionar o já excessivo turismo da cidade. Assim se vê a admirável força dos catalães, um carácter moldado a o longo de anos de repressão à sua língua e singularidade cultural. Uma força admirável que a "Lei de la Mordaza" visa agora conter, pois assusta de tão eficaz. A partir de agora quem se manifestar na rua, seja contra um despejo ou numa praça pública, terá de pagar o preço de... uma multa. Porque até prova do contrário, o dinheiro é o instrumento que sempre acaba por dominar as mentes da sociedade ocidental.
Os rostos da mudança, Ada Colau e Pablo Iglesias, nas ruas de Barcelona, Junho 2015 - Fotografia de Sandra Pereira
Se algum dia sentiremos a alegria de assistir ao conceito de sociedade aberta, preocupada com o bem-estar geral, a justiça e participativa, o exemplo catalão é a semente. E se falo desta semente nos Discursos (Emigrantes) sobre a Cidade é porque ela pode ser plantada e florescer em qualquer lugar, seja em Barcelona, em Atenas ou em Chaves. Os gregos ousaram ser os primeiros a dizer "não" ao FMI, um facto inédito na história desta instituição. Têm a perfeita consciência que vão sofrer consequências duras, mas desta vez, e admiravelmente, preferem exprimir-se e renunciar ao domínio cego do dinheiro e ao egoísmo que sempre encerrou o conceito de FMI e União Europeia.
Eles, catalães e gregos, sim acreditam verdadeiramente na frase feita "quem quer, pode". Pois sim. Quem realmente quer, reúne todas as condições necessárias para que a sua vontade se cumpra. Seja amanhã, no próximo ano ou na próxima geração. As nossas possibilidades como seres humanos neste mundo são infinitas.
Sandra Pereira