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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

04
Mai18

Discursos Sobre a Cidade


SOUZA

 

«SOBRESSALTOS DE MEMÓRIAS»

 

 

Olhamos para trás. Parece-nos que ainda foi ontem.

 

Olhamos para o calendário. Ficamos sobressaltados – 44 anos passados!!!

 

De imediato nos vem à memória um camarada que, nas vésperas do 25 de Abril de 1974, foi connosco para Mafra!

 

E mais um outro sobressalto nos persegue – já não está entre nós. Partiu!...

 

Partiu cedo este homem íntegro. Um grande, enorme, amigo. Mais que um amigo – um irmão!

 

Um grande educador. Um enorme trabalhador, lutador por causas.

 

E ficaram connosco as suas memórias…

 

Memórias de dias a fio, preparando, conjuntamente, aulas para os educadores do futuro. Educadores de hoje.

 

Memórias de dias a fio, batendo-nos pelas causas que sempre defendemos. Sem qualquer desfalecimento.

 

Memórias de dias a fio, vestindo a camisola de um socialista convicto, sem nada pedir em troca!

 

Memórias de dias a fio, usando a pena, em prole da informação, do esclarecimento, da cultura.

 

Informação, esclarecimento e cultura das gentes da terra que adotou, de coração, como sua – Chaves.

 

Chaves, e a maioria dos seus camaradas, que tão depressa, e tão facilmente, o esqueceram.

 

Mas ele jamais se esqueceu da «sua» terra e das suas gentes quando, connosco, percorríamos as margens genebrinas do lago Leman, de uma cidade que lhe era tão querida.

 

Emigrante voluntário genebrino, nunca esqueceu os amigos – poucos infelizmente – que tinha deixado na terra que trazia sempre no coração.

 

Mesmo sabendo que o seu passamento estava para breve, não queria que os seus amigos o fossem ver, quando extremamente debilitado, numa cama de hospital. Nele raiava uma derradeira esperança de forças – ele próprio queria vir a Chaves dar um abraço aos amigos da terra onde se casou e lhe nasceram os filhos.

 

Suas forças, contudo, traíram-no.

 

E seus amigos – sobressaltados – quando lhe queriam dar um forte abraço de amizade, no preciso momento em que aterravam em solo suíço, partia…

 

Babela -  nossa familiar muito querida – que tinha por ele uma admiração profunda, de alma, bem nos dizia – apressem-se!...

 

Ela antecipou-se. Fez questão de vê-lo. De estar com ele.

 

Seus amigos mais íntimos não pressagiavam um final tão fulminante!

 

Um ano antes de ser hospitalizado, meu amigo, meu irmão, por ocasião dos 40 anos do 25 de Abril, escrevia o seguinte texto, na sua página do Facebook:

 

Lembro-me daquele mês de Janeiro de 1974, da agitação nas faculdades e da liderança ativa da faculdade de engenharia, com ponte-levadiça interdita a agentes do regime e ameias de informação sobre crimes da guerra colonial. Das correrias diante da polícia de choque, da entrada de militares na faculdade de letras, das esperas de horas refugiados em cafés ou na Igreja do Carmo aguardando que a polícia regressasse a quartéis!

 

Lembro-me daquele mês de março de 1974, das notícias da Emissora Nacional, dos olhares furtivos de cidadãos suspeitos, da chapa de silêncio dos estudantes da Universidade do Porto que estudavam revoltas e convertiam o medo em músicas de flauta, no café Piollho.

 

Lembro-me daquele longínquo amanhecer do dia 25 de abril de 1974. Do burburinho da caserna, em Mafra; da agitação dos mais velhos e experientes; do ruído dos motores dos Chaimites e dos Panhards; da chuva miudinha que atrapalhava soldados e máquinas; da incógnita que rodeava a noite e do silêncio pesado dos oficiais da Escola Prática de Infantaria.

 

Lembro-me das ameaças de incêndio da sede do partido comunista, em Braga, das campanhas de dinamização em Trás-os-Montes, de um verão quente nas ruas, nos quartéis, na cabeça de cada um, da esperança em auroras de uma nova luz.

 

Lembro-me da primeira vez que cidades inteiras esperaram horas para votar, que vilas e aldeias pareciam renascer, que cidadãos de um país moço tinham brilho nos olhos do futuro. Lembro-me que tão pouco se pedia (paz, pão, habitação, saúde, educação) e que tanto se esperava de cada um: novo compromisso cívico, respeito, colaboração, solidariedade, intervenção cívica, construção de um país mais justo e solidário.

 

Lembro-me do medo da traição, das armas na mão e pistolas à cinta, da desconfiança do camarada da cama ao lado, da tensão extrema em idos dias de Novembro de 1975. E no silêncio da noite, fazíamos juras de nunca apertar o gatilho contra homens do mesmo uniforme, da mesma família nacional, do mesmo sonho de um país a caminho de novos horizontes.

 

Lembro-me e sei que o país mudou, que houve receios e esperanças, que fizemos, juntos, muitas coisas lindas e que nunca imaginamos que, 40 anos depois, a vida, o país, a política fosse assim: que deputados tivessem a desvergonha de aumentarem os seus salários quando o povo perde euros de pão todos os dias; que os senhores dos palácios tenham reformas de crime quando homens e mulheres de bengala dobram a cerviz para receberem o pouco a que têm direito; que se estenda a mão para rezar pela consulta médica e pelo medicamento que prolonga a vida; que haja crianças que passam fome; que haja janotas que se governam à luz do dia; que haja noites de facas longas para se roubar a quem menos tem.

 

Não foi esse o país que sonhei; não foi esse o país no qual acendi uma simples vela de futuro, de armas na mão. Não; não foi esse. Não é esse.

Com 40 anos passados, aumentou a pobreza para muitos e a escandalosa riqueza para alguns; Com 40 anos de rugas, a alma ficou mais pequena e o sono se inquieta pelas noites de fantasmas. Com 40 anos de história, este país que é o meu, o teu e o nosso, merecia mais e melhor: na repartição da riqueza, na solidariedade das gerações, na justiça equitativa, na igualdade de tratamento e de respeito. Na altura, a guerra colonial justificava tudo. Hoje, a guerra social desespera de perdas todos os dias.

 

Já não é tempo de armas na mão; mas é tempo de consideração pelos mais pobres, pelos mais frágeis, pelos mais sujeitos aos imprevistos da vida, pelos mais sacudidos pelas infâmias de quem decide a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação.

 

Decidamos nós!

 

Benjamim Ferreira

Abril de 2014”.

 

Foi um homem de Abril. Íntegro. Impoluto. Especial. Sonhador…

 

Se nos perguntarem porque este  nosso «Discurso sobre a cidade» deste mês veio aqui ter, não saberemos responder. É como diz o velho ditado: “o coração tem razões que a razão desconhece”.

 

Porventura não é a nostalgia ou a saudade de alguém que se começa a sentir velho.

 

Talvez seja um grito de alma de alguém a sentir a necessidade de uma sociedade mais humana, solidária e fraterna, apesar de toda a panóplia de instrumentos que as Tecnologias da Informação e da Comunicação nos propiciam, mas que a todos, individualmente, nos remete para um mundo e para uma sociedade cada vez mais narcisista e solitária.

 

Uma sociedade líquida, a necessitar de autênticas e verdadeiras relações humanas; do face a face uns com os outros – o verdadeiro fermento que faz levedar o verdadeiro amor e as amizades autênticas.

 

Precisamos, cada vez mais, da palavra. Da poesia. Como a deste poema que o nosso amigo especial nos deixou na sua obra - «Corpo Quebrado»:

 

CÉU E TERRA

 

está um dia lindo

rasgaram terra fora os sulcos das videiras

na terra que nós temos pela aldeia

não viste o saltitar do cão fiel

e o assalto do sol nascente?

 

anda

vem comigo

contempla a maravilha do acordar da manhã

cada manhã

 

vejo nos teus olhos sol novo

manhã nova para os dois

 

destroça em mim o teu corpo insinuante

o frio que esta noite me embalou

 

vem

 

aproveitamos os sulcos do arado

fazendo deles calor morno

leito heroico e nobre dos antigos

mítico encontro de deuses e mortais

 

anda

 

está linda a manhã para o amor”.

 

António de Souza e Silva

26
Jun15

Discursos sobre a cidade - Por António de Souza e Silva


SOUZA

 

ATÉ SEMPRE, CAMARADA IRMÃO!

 

Benjamim Ferreeira.jpgBenjamim Ferreira

 

Corria o dia 22 de abril de 1974 quando o conheci.

 

Vindos do Norte, tomámos o mesmo comboio que nos transportou até à Escola Prática de Infantaria de Mafra, onde entrámos como cadetes para, a maior parte deles, ir como milicianos «fazer a guerra» no Ultramar.

 

Na mesma carruagem destacava-se um jovem a aspirante a cadete. Irradiava um otimismo transbordante, que contagiava os futuros camaradas que o acompanhavam. Alguns, notava-se, olhavam para ele, antecipando um futuro líder; outros, vendo-lhe a sua frontalidade, verticalidade, ousadia de opiniões – embora circunspetas e cautelosas – e, simultaneamente, a sua afabilidade e emotividade, viram-no como um irmão, um deles.

 

Passados três dias acontece Abril. Nessa noite libertadora, nas nossas casernas, estávamos atentos, presos com os ouvidos na telefonia, para «ouvir o sinal». Também queríamos partir. Mas, estes cadetes de três dias, pouca serventia tinham no uso de armas que mal sabiam manejar. Seu papel foi o ficarem de «reféns» até que o «movimento» saísse vitorioso.

 

No dia 1 de maio saímos da caserna e fomos celebrar o Dia do Trabalhador, ouvindo, no Estádio 1º de Maio, os líderes exilados, entretanto regressados.

 

Eu e o meu camarada amigo continuámos a vida militar, cada um depois seguindo sua Arma. Até que, entre 1974 e 1975 nos encontrámos na mesma guarnição militar, em Chaves. Chaves foi a terra a que fui forçado a viver e que, mais tarde, acabei por adotar e amar. Para o meu camarada amigo, entretanto «preso pelo coração», depressa a adotou como sua.

 

Findas as nossas vidas militares, acabámos os dois por ficar por Chaves: ambos casados com duas flavienses, professores na mesma Escola do Magistério Primário e militantes do mesmo partido.

 

Durante cerca de uma dúzia de anos partilhámos e fomos cúmplices de projetos na área das Ciências da Educação, na Formação Inicial e Contínua dos Professores do Ensino Primário e na Experiência das Escolas P3, a par de uma militância política ativa na área do socialismo democrático.

 

Meu camarada amigo foi, por mérito próprio e liderança nata, Diretor da Escola do Magistério Primário de Chaves e, durante duas eleições autárquicas, candidato a Presidente da Câmara Municipal de Chaves, por falta de comparência de outros «notáveis» militantes do PS.

 

Se, como professor e Diretor da Escola do Magistério Primário de Chaves, meu camarada amigo se irmanava num lema, que o perseguiria a maior parte da sua vida, como vereador do PS, na Câmara de Chaves, cumpria um dever cívico e de militância socialista, empenhada em causas sociais, que nunca abandonou, mesmo quando, não raras vezes, estava em causa a sua vida pessoal e familiar, e, porque não dizê-lo, algumas «incompreensões» de certas «individualidades» partidárias locais da altura.

 

Para o meu camarada amigo não funcionava a doença da «partidarite», porque se tem de ser do contra. Enquanto vereador único, que ocupou grande parte do tempo, nunca abandonou o seu ideário político e social, mas jamais se esqueceu, como verdadeiro democrata que era, que estava ali para servir o povo que o elegeu (e não se servir), pondo os interesses da terra flaviense em primeiro lugar.

 

Mas, para além da sua verticalidade e honestidade como ser humano, houve um traço da personalidade deste meu amigo camarada que nele se distinguia dos demais e que me levou a admirá-lo – em tudo que fazia, não se entregava por metade, dava-se todo, sendo solidário quanto baste, até se esquecer, muitas vezes, de si próprio!

 

Nunca lhe perdi o rasto ao meu camarada amigo! Mesmo quando as vicissitudes da vida lhe despertaram a vertente «emigrante» que cada português traz no seu ADN, lançando-o na diáspora, «mourejando» por terras helvéticas.

 

Mas meu camarada amigo nunca se esqueceu da terra que adotou como sua, onde casou e lhe nasceram os filhos. Por isso, um dia regressou para chefiar a Comissão Regional de Turismo do Alto Tâmega e Barroso, onde pôs todo o seu saber e experiência feita noutras paragens ao serviço destas terras e destas gentes, na vertente do desenvolvimento turístico. Mas foi uma estadia curta, meteórica, pois outros interesses que ele não servia se impuseram, fazendo-o regressar à cidade que passou a amar.

 

Periodicamente nos visitávamos. Ora na cidade que passou a amar, ora em Chaves. Meu amigo camarada, paulatinamente se transformando num «irmão» quando o tema de conversa era Chaves, esta terra e as suas gentes, seus olhos tinham outro brilho, seu coração emocionava-se!

 

Meu irmão camarada nunca deixou de ser um sonhador inveterado. E um profundo defensor da dignidade do ser humano.

 

Inesperadamente, há cerca de dois meses, comunica-me: “Má notícia meu caro amigo: entro no hospital amanhã (…)” [28 de abril de 2015, 19 horas e 18 minutos].

 

Sabia que o meu irmão camarada estava doente e que o seu estado de saúde era extremamente grave.

 

Na passada quarta-feira (dia de S. João), juntamente com dois amigos, de Portugal, dirigimo-nos a Genève para o ver e estar com ele.

 

Tarde demais. Antes de aterrarmos em solo suíço, Domingos Benjamim Carneiro Ferreira, por volta das 8 horas da manhã, tendo a mãe de seus filhos a seu lado, «tinha já partido».

 

O meu irmão camarada morreu na cidade que amava para viver, levando Chaves, os seus entes queridos e amigos no coração.

 

Na próxima segunda-feira, por expressa vontade sua, irá partilhar o mesmo solo daqueles que lhe deram o ser – seus pais – em Campagne-sur-Seine (França).

 

Na hora da despedida, os amigos que iam para estar com ele, deixaram-lhe a seguinte mensagem:

 

“Benjamim, sabíamos que o teu estado de saúde era extremamente grave. Viemos a Genève para estarmos contigo e despedirmo-nos de ti. De um homem profundamente lutador. Que pugnou militantemente pelas causas sociais e que, em especial, fez da educação o lema da sua vida. Eras um sonhador. Um ser profundamente solidário, que tantas vezes se esquecia de si próprio para acudir ao seu semelhante e amigo. A tua valentia cívica foi pela dignidade do ser humano, no qual acreditaste, sempre! De um homem assim a gente não se despede. Nunca se esquece. Porque jamais se apaga das nossas vidas e sai de nossos corações.

 

Até sempre, Benjamim amigo!

Amélia Rosa

Américo Peres

António Silva”

 

Até sempre, camarada irmão!

António de Sousa e Silva

 

 

04
Jan13

Discursos Sobre a Cidade - Por António de Souza e Silva


 


Considerações à volta de uma homenagem



I


Já se passou a quadra do Natal.


O ano de 2013 já está em andamento.


Estamos todos expectantes, face aos tempos que atravessamos, o que 2013 nos reserva. Possivelmente muitas coisas boas não teremos, com certeza.


No final do ano que passou um dos esteios daquele que foi chamado o Movimento das Forças Armadas, o MFA e o 25 de Abril privou-nos do convívio quotidiano. Foi-se um homem impoluto, honesto, que quis que seus restos mortais repousassem na terra que o viu nascer – o seu querido Trás-os-Montes.




Há que distinguir o trigo do joio: não há só políticos maus. Marques Júnior, um dos «capitães» de Abril, era, efectivamente, um dos bons e dos melhores. Que nunca precisou de alardear para que, de todos os quadrantes, o reconhecessem como tal. Marques Júnior foi um exemplo de cidadão. Que todos devemos recordar e não esquecer.


 

II


Ao chegar a casa, no passado dia 19 de Dezembro, depois de uma «aventura» a pé por terras das Astúrias e da Galiza, em direcção a Santiago, entre a vária correspondência acumulada, deparo com dois convites: um, do Grupo Cultural Aquae Flaviae, a convidar-me para a sessão de homenagem ao ilustre flaviense Dr. Júlio Montalvão Machado, a realizar dia 13, às 17:30 na Biblioteca Municipal de Chaves, onde seria apresentada a sua última obra intitulada «História Moderna e Contemporânea da Vila de Chaves, através das Actas da Câmara e dos Jornais da Época»; um outro, com o título «Recordar Júlio Montalvão Machado» para dia 15 de Dezembro, com o seguinte programa: 14:30 – Atribuição do nome de Júlio Montalvão Machado à sede do Partido Socialista de Chaves; 16:00 – Percurso pedonal histórico (Largo General Silveira); 18:00 – Sarau cultural no Auditório do Forte de São Francisco Hotel).




Tive imensa pena não poder estar cá para participar, essencialmente, no evento do primeiro convite.

Exemplificando.


Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado, nascido numa das freguesias da cidade de Vila Real, era um apaixonado por Chaves.


 Na sua aguerrida juventude lutou pelos ideais da liberdade, da democracia e do socialismo democrático. Razão pela qual – e com todo o mérito – seu nome figura, juntamente com outros, em letras «garrafais», como um dos fundadores do Partido Socialista Português, na sede do Partido Socialista, a nível nacional. É, pois, ali que gosto que seu nome tenha a honra de brilhar!


Mas Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado não foi apenas um lutador pela liberdade, pela democracia e pelo socialismo democrático. Era também um verdadeiro, autêntico republicano. Para quem democracia não é só o exercício de direitos mas também a consciência cívica e a obrigação prática, da prestação efectiva de deveres.


Enquanto, muito esporadicamente, e após o 25 de Abril, exerceu actividade política, quer como deputado, quer como governador-civil, o lema republicano esteve-lhe sempre presente.


Como apaixonado flaviense que era, e não querendo ausentar-se da sua terra por longos períodos de tempo, foi, lentamente, abandonando a vida político-partidária activa que, obviamente, o chamava para a capital.


Dizia, frequentemente, aos camaradas que o ouviam, que fazer uma vida político-partidária em Lisboa, sem se desligar do seu terrunho, que tanto amava, para além de extenuante, era um empreendimento pessoal demasiado caro.


Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado, como muitos, - agora infelizmente já tão poucos -, era um democrata e republicano impoluto. No seu horizonte de realização pessoal, em termos políticos, estava fora de questão o exercício da política para subir na vida. A política, ou melhor, o seu exercício, apresentava-se-lhe como um efectivo serviço público, como um autêntico dever de um cidadão para com a sua polis.


Por isso, fez a sua opção: ficou pela sua terra flaviense, que tanto aprendeu a amar e amou. E, aqui, fez toda a sua vida. Como profissional de um dos ramos da saúde e, na linha já de um dos seus familiares, de curioso e investigador da história, em particular da história flaviense.


Foi com muito gosto, sendo responsável pelo sector da cultura na autarquia flaviense, que assisti ao lançamento do seu livro «Crónica da Vila Velha de Chaves»; foi com imensa satisfação que o vi trabalhar na Revista Aquae Flaviae, escrevendo nos seus números, temas relacionados com Chaves; seria, igualmente com grande entusiasmo que estaria presente no lançamento póstumo da sua última obra.


Positivamente, a sua paixão era por tudo que se relacionasse com a sua «Vila de Chaves»!


Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado era um homem de palavra. Estive numa das últimas reuniões da Assembleia Geral da Revista Aquae Flaviae. A sua Presidente, D.ra Isabel Viçoso, quando apresentava o Plano de Actividades para 2012, apontava estava obra como uma das prioridades do programa da Revista. A Revista cumpriu. Porque também o seu responsável, embora tenha partido mais cedo do que todos nós pensávamos, deixou tudo pronto para que se pudesse editar. Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado deu-nos, efectivamente, um exemplo: o saber cumprir com a palavra dada!


Esteve, pois, de parabéns a Revista Aquae Flavia em editar e lançar a última obra de Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado. Porque, muito justamente, é a melhor homenagem que se poderia ter feito ao homem que tão apaixonado era por Chaves.


III

 

Já, por outro lado, não concordo com o programa «Recordar Júlio Montalvão Machado», especificadamente quanto à atribuição do seu nome à sede do Partido Socialista de Chaves.

Não sei nem tão pouco interessa aqui escalpelizar, os desígnios ou intuitos que presidiram a esta decisão e posterior iniciativa.



Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado, estou certo, não apoiaria esta iniciativa: pelo seu sentido certo de justiça que tinha perante as coisas.


O Partido Socialista de Chaves não deve a sua existência só a Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado. Todos os seus feitos e realizações foram (e são) obra de todos os seus militantes. Muitos deles militantes, cidadãos anónimos.


Embora saibamos que Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado tenha sido Presidente da Assembleia Municipal de Chaves, nos consulados socialistas na Câmara, bem assim Presidente Honorário do Partido, a nível da Federação do Partido Socialista de Vila Real, tais cargos ou designações possuem apenas a simples e honrosa distinção que se tem para com uma pessoa, a quem pelo seu exemplo e pela sua vida, nos merece o maior respeito. Mas o PS de Chaves não se esgota (ou esgotou) apenas em Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado.


Desta feita, dar o nome de Júlio Montalvão Machado à sede do Partido Socialista parece-me não só despropositado como até abusivo, ofendendo o sentido de rectidão e justeza que, estou certo, Júlio Augusto de Morais Montalvão Machado tinha. Repito: o Partido Socialista de Chaves é obra de todos. E sublinho: de todos os militantes da sua Secção. E não me refiro apenas aos que pelo seu mérito e trabalho ganharam e ajudaram a ganhar eleições mas, fundamentalmente, aqueles, muito deles anónimos, que, com dedicação e perseverança, todos os dias (ou quase todos os dias) a souberam organizar e mantiveram, ao longo de anos, a sede aberta, mantendo bem vivo e de pé o nome do Partido Socialista no concelho de Chaves.


E, a este propósito, pedindo perdão àqueles que aqui, porventura injustamente, não refiro – e que foram tantos! – queria nomear  três militantes, muitas vezes tão injustamente esquecidos e/ou criticados:


Um deles – e que, infelizmente, há muito tempo nos deixou – António Chaves Medeiros. Tendo sido deputado e desempenhado mais vida político-partidária a nível nacional (e, com certa predominância em Valpaços), não nos devemos esquecer do trabalho de bastidores e de «sapa», junto do mundo rural. Em particular quando o Partido Socialista sobe, pela primeira vez, ao poder na Câmara de Chaves, após o 25 de Abril.


De lá até agora algum de nós se lembrou de António Medeiros? De o associar ao mundo rural e aos lavradores da nossa região? E de se instituir ou criar seja o que fosse para preservar e continuar a sua memória e obra?


Um outro – que também infelizmente há muito tempo nos deixou – José Augusto Fillol Guimarães.


Alguém duvida da sua militância como também do seu compromisso para com o Partido Socialista?


Alguém se lembra, nos tempos difíceis para o PS de Chaves – e áureos para o PPD, dono da Câmara flaviense – dos candidatos socialistas à Câmara? Quem, na altura em que Fillol Guimarães desempenhava as funções de deputado na Assembleia da República, os responsáveis da altura do PS de Chaves foram buscar para ser opositor ao todo poderoso Branco Teixeira? Sabem, porventura, o que este convicto socialista, e também republicano, respondeu? Como sabeis, estou de armas e bagagens em Lisboa, desempenhando as minhas funções de deputado, contudo, se não tendes candidato e achais que deva ser eu, é meu dever aceitar.


E, de lá até cá, algum dos socialistas se lembrou de José Augusto Fillol Guimarães? De associar o seu nome a qualquer iniciativa ligada ao ensino, onde, aliás, ele desenvolveu quase toda a sua vida? Como, por exemplo, a de um prémio, com o seu nome, para o melhor estudante dos membros da JS de Chaves, aliás como já a Escola onde trabalhou tantos anos – A Escola Secundária Fernão de Magalhães – faz aos alunos que se distinguem pelas suas qualidades humanas…


Finalmente, um terceiro, emigrado há longos anos em terras helvéticas – Domingos Benjamim Carneiro Ferreira, o mal-amado por alguns militantes, de memória curta. A quem recordo, melhor, desafio  que, nos arquivos da Secção do Partido Socialista de Chaves «vasculhem», nas primeiras listas à edilidade flaviense, após o 25 de Abril, e digam quem nelas figura, nomeadamente, como cabeça de lista.


Dizem que, Benjamim Ferreira, na prática, era um aliado de Branco Teixeira. Não me compete, aqui e agora, julgar cada acto ou decisão de Benjamim Ferreira enquanto vereador socialista na Câmara de Chaves. Apenas deixo aqui uma constatação e faço uma pergunta: Benjamim Ferreira comprometeu-se a aparecer na sede do Partido todas as semanas para dar conta aos responsáveis da secção do que se tinha passado nas reuniões e preparar os assuntos que o PS achasse por conveniente levar à seguinte sessão de Câmara. Salvo raras excepções, Benjamim Ferreira cumpriu escrupulosamente o seu compromisso, muitas vezes mesmo com sacrifício da sua vida familiar, numa altura tão complicada da sua vida. Estava sozinho, pelo PS, na Câmara. A pergunta: quantas pessoas apareciam a essas reuniões para o ajudar?...


Como se trata de um grande amigo meu, não peço para ele nada, apenas justiça quanto ao seu julgamento e respeito pelo seu trabalho como verdadeiro militante socialista da Secção de Chaves, enquanto permaneceu nesta terra e desempenhou funções públicas.


Não é de bom tom avaliar o trabalho de qualquer militante atendendo ao berço onde se nasce ou de se ser de «gema» flaviense. O que importa é o amor e o empenho que se dedica à terra que se aprendeu a amar ou que se escolheu para viver. Isso é que é o mais importante!


Urge, hoje em dia, que muitos militantes, sejam de que quadrantes partidários forem, revejam o verdadeiro sentido da palavra «militância», tantas e tão reiteradamente corrompida!

 

IV

 

Tenho ultimamente frequentado com mais assiduidade as terras dos nossos vizinhos espanhóis, em particular Galiza e, recentemente, Astúrias.


O que mais me impressiona, quando deambulo pelos diferentes recantos das suas cidades e vilas é o «orgulho» que eles têm pelos seus «maiores». Desde os mais humildes aos mais ilustres. E que está tão bem espelhado na respectiva estatuária urbana.



Referia ainda, aqui há dias, na minha página do Facebook, em tom de brincadeira, dirigindo-me aos associados Lumbudus, que, no Parque de São Francisco, na cidade de Oviedo, capital das Astúrias, tinha encontrado uma personagem original – a mulher do nosso fotógrafo Lombudo, que havia emigrado para aquelas paragens exercendo a profissão do ex-marido. Ali chamaram-lhe «La Torera», por usar uns sapatos iguais aos que os toureiros usam. Ao mostrar a foto desta escultura aposta naquele Parque São Francisco obviamente estava a brincar!


Contudo, pergunto: onde temos nós as figuras tão autênticas da nossa cidade e que marcaram tanto uma época? Será que, para além das pessoas ditas ilustres, não vale a pena recordar o Lombudo, a tia Landainas e, porventura, tantas outras? Não vale mesmo a pena? O que deve valer mais a pena: A fidalguia;  o preconceito ou a humanidade?


A história e a identidade de uma terra constrói-se com episódios e figuras que definem e moldam uma época, mesmo que sejam simples.  Perdendo essa memória não só um pedaço da nossa identidade se perde como a nossa auto-estima se enfraquece. E, sem auto-estima, não se constrói e faz história. E, desta forma, a alma de uma terra se esvazia e tende a desaparecer.


O mesmo acontece em toda e qualquer instituição, seja ela de que cariz for!


António de Souza e Silva



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