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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

28
Abr14

De regresso à cidade, mas a pensar nas aldeias


 

Quase a terminar mais um fim de semana e faltava por aqui uma das nossas aldeias. Mas lá diz o ditado que “mais vale tarde do que nunca” e, cá estamos para cumprir o contrato.

 

Penso que aqui no blog não se deu conta, mas quase toda esta semana que passou andei por outros caminhos e noutras terras. Quase sem internet, telemóvel  quase só para o indispensável, notícias quase nada, televisão nem ao quase chegou. Andei por terras do Ribatejo nos caminhos da Animação Sociocultural que, em Congresso internacional , debateu questões do Turismo, Património, Cultura e Desenvolvimento Local, e, sempre que me vejo nestas andanças tenho pena, lamento mesmo que todo o conhecimento, ideias e experiências expostas em congresso, se limitem a um salão e a um livro que pela certa só circulará no meio académico de quem estuda e vive estas questões da Animação ou do anima e animus da sociedade. Claro que quem esteve presente saiu de lá mais enriquecido, mas não basta para chegar àqueles que verdadeiramente decidem, conduzem e transformam a vida social quase sempre sem se preocuparem com ela e com as vidas que a compõem, principalmente os que detêm o poder político e económico, ou vice-versa, uma vez quem ambos vivem promiscuamente  e em pecado.

 

 

Tinha que trazer aqui estas questões da Animação Sociocultural e dos temas debatidos neste último congresso precisamente porque poderia e deveria ser uma das soluções para os problemas da nossa interioridade e desenvolvimento sustentável.  Sublinho o sustentável, não por agora tudo ter de ser rotulado com sustentável, mas por ser nele que está o futuro da nossa identidade e do nosso ser. O nosso desenvolvimento local tem de passar obrigatoriamente pela nossa cultura e pelo nosso património, ou seja, por nós, por aquilo que nós somos e por aquilo que nós temos. Mais nada. Não precisamos de absolutamente mais nada pois afinal de contas são essas as nossas maiores riquezas – a nossa cultura, a cultura de um povo interior, de montanha, transmontano, que, como dizia Torga, vive num Reino Maravilhoso, e o património natural, arquitetónico, religioso, gastronómico. Tomaram muitos ter tudo isto que nós desperdiçamos e desprezamos.

 

 

Claro que para se atingir o tal desenvolvimento local e sustentável só o património e a nossa cultura não são suficientes, antes necessários para nos fazerem diferentes e para termos um produto para vender, um produto com a marca “nós” e só através do comércio e do turismo o poderemos atingir, mas há muito trabalhinho para fazer, muita asneira para corrigir… pois está demonstrado que não é com as políticas do betão que vamos lá, pois já vimos no que deu, mas antes fazer o nosso desenvolvimento com aquilo que é nosso, mesmo com a nossa “pobreza” que é a nossa maior riqueza. A nossa riqueza está precisamente no sermos diferentes que não é mais que a nossa cultura e património.

 

 

Talvez seja por isto tudo que hoje aqui deixo em palavras que eu insisto em trazer aqui as nossas aldeias, as coisas mais simples, mais puras e por isso mais belas, que todos teimam em querer abandonar e desprezar, em trocar pela(s) cidades, que a continuar como até aqui não tardarão a fazer parte de um mundo esquecido ou extinto, ainda para mais com políticas centralistas que não fazem mais que acelerar a sua extinção. Em troca, temos bairros e ruas que se desenvolvem na vertical e tenta-se industrializar tudo que fazemos para sermos iguais a tudo que é igual, quando a beleza e a riqueza está na diferença de seguirmos o nosso caminho.

 

 

Se é que ainda há quem encontre algum conforto ou luz na poesia, deixo-vos com o Cântico Negro de José Régio, porque eu também não quero ir pelo caminho dos outros:

 

Cântico negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

 

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

 

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

 

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

 

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

 

José Régio

 

Para terminar, as fotos de hoje são todas da aldeia de Paradela de Veiga, mas podiam ser de outra qualquer aldeia.

 

 

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