Cidade de Chaves - Café Sport
Primeira parte – O Café Sport
Ontem fiquei pelo recorte desta primeira imagem. Prometi que viria aqui, hoje, com a imagem completa e algumas palavras que vão andar à volta do café sport, o meu primeiro café do tempo de liceu, o único desse tempo que se tem mantido quase como era então, com pequenas alterações (físicas) quase nada, pois tudo do meu tempo continua por lá. Tempo esse inicial ainda antes de existir o Carlton e o 5 Chaves, aliás em termos de cafés na cidade, resumiam-se praticamente aos da Rua de Stº António (Sport, Comercial, Ibéria e Geraldes, o Aurora nas Freiras e subindo a ladeira da Trindade, mais dois – o Brasil e o Brasília). Fora estes cafés, apenas umas passagens pela Adega do Faustino para festejos de passagens de exames ou antes de aulas mais complicadas do pós 25 de abril ou o então o Jorge, pelo jogo do sapo e uma caneca de traçado, mas o café de minha adoção foi o Sport. Para já era o mais in, tinha nome estrangeiro, mas principalmente porque desde o seu interior ou esplanada, dominava-se toda a vida do Jardim das Freiras, que então era o coração da cidade. Quanto ao Aurora, que ainda hoje existe mas que em nada reflete o Aurora de outrora, primeiro (antes 25 de Abril), era elitista e sala dos professores do Liceu, com tal clientela, era-nos impensável lá entrar, no pós 25 de Abril, democratizou-se e virou a uma mescla de intelectuais locais, pseudointelectuais, alguns queques resistentes, pseudoqueques aos montes, etc. Manteve as toalhas na mesa mas os lustres ficaram sem brilho… o Sport não, continuou com os seus clientes, o fazer mesa toda a tarde pelo preço de um café, as senhoras do chá frio das 5, os seus velhos do restelo, o grupo de comentadores à porta ( de política, futebol e outras atualidades, tipo os atuais comentadores de TV que discutem os assuntos do dia e sabem de tudo), o grupo da esplanada, o grupo da montra da atique, e os restantes, pessoas comuns, que davam sempre para ter casa e esplanada cheia em que chegando atrasado era complicado arranjar mesa. Aliás as mesas iam-se trespassando sem nunca ficarem vazias. Foi o meu café e nele tenho muitos momentos passados que ficarão eternamente guardados na memória. Ontem prometi algumas estórias, mas hoje vou continuar mantê-las num cantinho da memória. Pode ser que noutra altura surjam naturalmente por outro motivo qualquer, mas sim, o Sport era uma sala de estar, de discussões acaloradas, de projetos, de sonhos, de amor, de algumas desilusões, anedotas, curiosidades, ponto de encontro, porto de abrigo e de esperas. A respeito de esperas, apenas conto uma sem nada contar. Encontro marcado para as 17H30 numa tarde de verão. A mesa da esplanada junto à atique era estratégica para quem esperava. Ficou livre, assentei arraiais. Seriam por aí 17H00 quando tomei posse da mesa. Um café chegava para a pagar. Chegou um amigo e sentou-se, fomos conversando. Chegaram as 17H30 e comecei a lançar o olhar para a estrada, porque não era bem um encontro, era uma recolha para uma pequena viagem, a pessoa que ficou de me recolher vinha de carro, por isso tinha de estar atento à estrada. Costumava ser pontual, estaria para chegar, mas às 18H00 ainda nada, entretanto o amigo da mesa já tinha abalado, mas mais dois tinham chegado. 18H30 e nada, a mesma ausência na estrada, pelo menos de quem eu esperava. Os dois amigos também abalaram. 19H00, aumenta o trânsito na rua, encerramento dos comércios, hora de ponta. 19H30 e nada, a atique já fechou, o trânsito já passou e a esplanada quase esvaziou. 20H00 nada, 20H30 a mesma coisa, 21H00 começa a parecer o pessoal da noite, passam os primeiros amigos da noite, a vida regressa ao Sport e às 22H00 a a mesma espera. Sem comer mas também sem fome, a ansiedade da espera não dava tempo para apetites. 23H00 nada. Meia-noite o Sport começa as arrumações de fecho. A esplanada essa, ficava montada para o dia seguinte, não havia qualquer crise, ninguém mexia nela e sempre dava para algumas conversas mais tardias. 1 da manhã, já não sei bem se ainda era espera, sei que continuava lá, talvez já conformado com a ausência, mas mais um bocadinho não fazia mal. 2 da manhã. Desisti. Levantei-me, rumei a casa e dormi toda a noite ou o que restava dela. Na tarde seguinte, veio a explicação, a justificação e o pedido de desculpas, logo aceites. Muitas vezes me vem à memória essa espera e hoje, se fosse possível esperar por essa pessoa, esperaria de novo, nem que fosse uma semana, porque há ausências que são impossíveis de preencher o seu vazio, e não era de amores que se tratava, era antes um porto de abrigo. O bom desta estória, é que hoje quando tenho de esperar por alguém e chega atrasada meia-hora ou uma hora que seja, e eu possa esperar, espero, e quando chegam e me pedem desculpa, eu esboço um sorriso e digo: — Eh pá! deixa lá, isso não foi nada…
Segunda Parte – A Pintura de Nadir
Pois quando comecei a frequentar o café Sport, o Nadir Afonso ainda não era conhecido na cidade, refiro-me ao pessoal da minha geração, a de 60, pois quando nós nascemos já Nadir não andava por cá. Começámos a ouvir falar de Nadir já depois do 25 de abril, em que ele aparece por Chaves, com a sua figura esguia e diferente. Os mais velhos diziam que era pintor, o único que Chaves tinha e isso era importante. Que tinha estado em Paris, no Brasil e por esse mundo fora. Mas quem era!? Ora! Era o irmão do Professor Lareno, e esse conheciamos e bem, pelo menos quem foi aluno dele, como eu. Curioso que hoje é ao contrário, pois se se falar do professor Lareno e perguntarem quem era, os que sabem dizem logo: Ora, era irmão de Nadir. Pois ficámos a saber quem era Nadir, um grande pintor, mesmo sem nunca termos visto uma única obra dele. Ignorantes que éramos. No café Sport, claro que o aparecimento de Nadir em Chaves também passou a tema de conversa, começou-se a dizer que por trás da estantaria do balcão existia uma pintura dele, que taparam com as obras do estanteamento. Crime diziam uns, que deveria estar à vista, que nunca deveria ter sido tapada, etc, coisa e tal. Nadir lá ia aparecendo sempre de braço dado, ora a um, ora a outro amigo do seu tempo. Era artista, era pintor, vinha de fora, do estrangeiro, todos os amigos lhe queriam meter o braço, era importate e Nadir dava nas vistas, a sua figura esguia, o boné e a barba, davam-lhe uma imagem distinta de artista, não passava despercebido, era mesmo artista, encantava as pessoas e até as raparigas mais crescidas começaram a saber quem era e a olhar para ele com outros olhos... claro que na altura não havia telemóveis, senão, pela certa, que Nadir passava a ser o Marcelo das sélfies de Chaves. Mas voltemos à pintura de Nadir do Sport. Pois havia pessoas que diziam que sim, que era muito bonita, descreviam-na com pormenores, e o espírito da pintura de Nadir passou a andar no ar do Sport, até que, há uns anos atrás, agora com Nadir já mundialmente conhecido em Chaves, penso que já nos anos 90, pois não sei precisar porque dadas as circunstâncias da vida deixei de ser cliente assíduo do Sport ou de qualquer outro, mas dizia eu que nos anos 90 o sport entrou em obras, mais de restauro, pois manteve a sua estrutura inicial, e nessas obras surge a ideia de reproduzir uma obra de Nadir numa das suas paredes, penso que a ideia foi do Arquiteto Guerra, que infelizmente nos deixou há pouco tempo, também ele um grande pintor, faceta dele completamente deconhecida em Chaves. Mas a pintura de Nadir, finalmente aperece no Sport, e ela lá está, desde então. É dessa pintura que hoje fica a imagem. Quanto à outra, a das estanterias nunca a cheguei a ver, nem sei se nas ditas obras ela apareceu, seja como for, finalmente o Café Sport passou a ter uma pintura de Nadir, não é original e segundo me contaram até foram meia dúzia de funcionários da Câmara, dos jeitosos, que a pintaram, mas isso não interessa, e com o tempo, daqui a 100 anos ou 200 quando já não houver cá quem se lembre, se ainda lá estiver, até pode ser que a História se encarregue de a transformar em verdadeira e que seja objeto de estudo para uma tese qualquer.