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Ontem passei a tarde no grande planalto do Brunheiro em terras da freguesia de Nogueira da Montanha, onde as sombras de Inverno são sempre brancas, das neves que não derretem e das geadas que se acumulam. Estive em algumas casas em que as paredes dos compartimentos interiores não habitados, estão brilhantes com o revestimento de uma camada de gelo. Os produtos agrícolas que guardam nas despensas e anexos exteriores, como as batatas e as cebolas, congelam.
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Uma das aldeias que ontem visitei foi Capeludos, um bom exemplo de aldeia de montanha, onde o frio é a constante de Outono/Inverno e onde as sombras são sempre brancas. Mas antes as sombras brancas, os frios intensos, as geadas e a neve do que a chuva, pois essa além de fria, entra nos ossos tolhidos por reumatismos.
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Capeludos é uma pequena aldeia que fica a 15 quilómetros de Chaves e é uma das onze aldeias da freguesia de Nogueira da Montanha. Situa-se em pleno planalto do Brunheiro a uma altitude acima dos 825m.
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Mesmo ao lado e ligada fisicamente por construções está a aldeia de Sandamil, aliás a Rua Central é comum às duas aldeias e, sinceramente, não compreendo a razão pela qual oficialmente existem duas aldeias, pois uma mais parece ser um bairro da outra. Mas pela certa que haverá razões e tradições que as separam e dão a cada uma o seu topónimo e em coisas de tradições não me meto, antes, respeito-as.
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Falar de despovoamento nesta freguesia de Nogueira da Montanha já não é novidade …
Bem poderia continuar por aqui fora com as palavras que dediquei ao post de Sandamil, que ninguém se daria conta da diferença entre Capeludos e Sandamil. Não por distracção, mas porque a realidade e a identidade das aldeias de montanha é em quase tudo idêntica e então entre estas duas aldeias, apenas um cruzamento das mesma rua as divide.
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Mas claro que no meio de tanta identidade algumas diferenças haverá, e começa pelas escolas, a antiga no meio do largo, abandona e a nova, à na entrada da aldeia, mas abandonada também. Afinal as duas aldeias diferem no ter ou não edifícios escolares, mas apenas isso, pois são escolas sem alunos e sem professores.
Capeludos tem Capela, pequena, simples e bonita, localizada também na entrada da aldeia, entre a escola nova abandonada e a escola velha abandonada. Um grande largo, separa a Capela do núcleo antigo da aldeia. Largo que em tempo de intervalo da escola (de uma aldeia próxima ou da cidade) se transforma em campo de futebol dos putos que por lá há, mas como o tempo é de crise, os putos também são poucos e o jogo compõe-se com dois jogadores para cada lado e sem respeitar escalões etários, senão não havia jogo.
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Alheios aos putos, está o burro que pasta junto à escola nova abandonada, um cão que por ali anda às voltas ou o cavalo que pasta no mesmo largo em que os putos jogam à bola, ou as cabras que partilham pasto com outro burro, ou até a senhora que vergada pelos anos mas também pelo frio a rondar os zero graus, seguia o seu caminho e lá ia à sua vida, atravessando o largo junto à escola velha abandonada, entre o cavalo que pastava e os putos, que dois de cada lado, jogavam à bola e nas suas corridas para lá e para cá, entre pontapés atraiçoados pela irregularidade do campo, se iam divertindo e combatendo o frio, mesmo que mãos e caras já estivessem roxas de tanto ar gelado.
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E eu por ali perdido no meio do largo lá ia apontando a objectiva para mais um fio azul, para a capela, registei a passagem da senhora, o jogo dos putos, o cavalo, os burros e cabras e eis que “apita” para intervalo do jogo, é tempo de voltar ao balneários, reduzido a um tanque junto à escola velha abandonada, com meia torneira presa por um fio azul e água do tanque congelada que os putos à força de pedrada, lá foram partindo, para com os pedaços de gelo, entre mãos roxas de frio, começarem um novo jogo e uma nova brincadeira, mas agora com gelo, enquanto a bola, pasmada no meio do largo, lá vai esperando por novos toques e pontapés, com dois jogadores de cada lado.
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Podem não acreditar, mas deliciei-me com aqueles momentos ao reviver brincadeiras e jogos passados como os da minha infância, também com o jogar da bola num largo qualquer ou no meio da rua e com o quebrar do gelo, em que o seu brilho e transparência impressionavam mais que o frio que nos deixava as mãos roxas de dor.
Ali, também no meio do largo como se invisível fosse, fiz os meus regressos no tempo, os meus registos fotográficos, deliciei-me e além dos putos, que não me ligaram nenhum, ninguém deu por mim, mas dava eu conta do frio que me convidava mais uma vez a entrar para o quente do carro.
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Elogio ao fio azul
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E agora vamos lá inventar mais um bocadinho que até ausência de melhor, é a minha opinião sobre o assunto. Vamos falar do topónimo Capeludos, que à primeira vista, o termo poderia derivar de capelas, mas embora até capeludos (termo) tenha alguma ligação indirecta a capelas, o termo provém de capelo + udo. Ora sabemos que capelo era o nome que se dava ao antigo capuz dos frades, ou à touca das freiras ou viúvas. Udo penso que sozinho não tem qualquer significado, mas acrescentado a certas palavras, reforça-as e dá-lhe um significado mais rude (tromb(udo), carranc(udo), abelh(udo) e por aí fora (continuo a inventar, pois nada percebo destas coisas). Mas então Capelo+udo – Capeludo – Capeludos, é o topónimo da nossa aldeia… e para que servia o capelo dos frades? Entre outras funções, para proteger as cabeças, sobretudo do frio. Coisa que em Capeludos (aldeia) é bem necessária, pois frio por lá não falta. Estamos chegados então ao topónimo Capeludos, onde dadas as alturas seriam necessários capelos para as pessoas antigamente abrigarem as cabeças, mas também os corpos. E fico-me por aqui até alguém contrariar a minha teoria.
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Quanto à população de Capeludos, segundo o Censos de 2001, tinha 68 residentes, dos quais 10 tinham menos de 10 anos, 4 residentes entre os 10 e os 20 anos e 18 com mais de 65 anos. Passados 9 anos sobre os censos, não sei como andará agora de população, sei que pelo menos 4 jogadores de bola rondam os 10 anos, ou seja, para uma aldeia pequena, (também aqui é semelhante a Sandamil), para a totalidade de população, ainda vai havendo crianças, numa aldeia que até tem duas escolas (a velha e a nova) mas abandonadas.
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E hoje não apresento os meus habituais lamentos sobre o despovoamento e os maus tratos a que as aldeias de montanha e do interior estão sujeitas, pois também aqui são semelhantes aos de Sandamil, aos de Nogueira da Montanha, aos de Alanhosa, aos da Amoinha Velha, aos de Carvela, aos de Gondar, aos de Maços, aos de Santa Marinha, aos de Santiago e aos do Sobrado, ou seja iguais a todas as aldeias do Planalto do Brunheiro, terras que estão lá bem no alto, para além da serra que todos avistamos aqui de baixo desde o vale, terras onde dói viver os invernos, mas também dói aos resistentes verem os seus filhos partirem para paragens longínquas à procura de uma vida mais digna que aquela que não encontram no grande planalto, e mais não digo, porque hoje não me lamento.
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E vai estando tudo dito sobre Capeludos, uma pequena aldeia, pouco povoada e cujo casario se resume a um pequeno núcleo de casario tradicional com casas em granito (muitas abandonadas e/ou em ruínas), um grande largo, duas escolas abandonadas, uma capela e meia dúzia de casas mais recentes que foram surgindo ao longo da na Rua da Capela.
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E sobre Capeludos é mesmo tudo. Por terras de Nogueira da Montanha, falta-nos apenas uma abordagem mais alargada de Santa Marinha. Alargada dentro do possível, pois é mais uma das pequenas aldeias de montanha. Fica a promessa que um dia destes vamos por lá.
Até amanhã!