Aldeias, capitalismo e globalização
Ao longo dos tempos a humanidade tem passado por várias transformações. A História dá-nos conta disso, mas nenhuma irá ter comparação com a que vivemos, a que começou com a revolução industrial, e vá-se- lá saber quando terminará. Poeticamente falando, se é que é possível meter poesia onde não a há, poderemos dizer que a revolução industrial foi a aurora de uma longa noite para o despertar de um longo dia, pois a partir de aí nada continuaria a ser como dantes e, se com esta nova era a humanidade se tornou mais humanizada em termos de direitos, de qualidade de vida, de liberdade… por outro lado também passou a ser marioneta do sistema, e vai-se movendo como o sistema manda ou permite. Presos nesta liberdade, somos cada vez mais reféns de palavras poderosas como o capitalismo e a globalização, tão poderosas como perigosas, isto se tivermos o mínimo de preocupação com a nossa identidade, com a nossa cultura, com as nossas tradições. Em suma, se tivermos alguma preocupação connosco, nós próprios, sem perder a nossa condição gregária, temos que forçosamente olhar para a globalização como nossa inimiga, pois ela conduz-nos para a nossa perda de identidade e tende para nos tornar todos iguais.
Todo o discurso do primeiro parágrafo é para entendermos melhor o porque nas nossas aldeias estarem a ficar despovoadas, pois a globalização tende e tem a intenção de concentrar pessoas onde haja consumo daquilo que o grande capital produz e, as aldeias autossuficientes que ainda por cima escoam os produtos sobrantes com qualidade, não entram nas contas do capitalismo e da globalização e não foi por mero acaso que apareceu a ASAE e uma fiscalização apertada e proibitiva sobre os produtos caseiros, aqueles de que verdadeiramente gostamos e são tão nossos, como o fumeiro, por exemplo, ou como o leite tomado quase diretamente da teta da vaca, aquele que as leiteiras de Outeiro Seco transportavam todas as manhãs em cântaros, em cima de burros, para alimentar a cidade de Chaves, por exemplo, que conhecíamos a origem e até os porcos e as vacas que nos davam esses produtos. Hoje penso que se alguém se atrevesse a ter a intenção de ter umas vacas em casa, mugi-las pela manhã, para transportar o leite em cântaros e cima de burros para vender na cidade, era logo multado ou preso quando tivesse a ideia, no entanto ninguém pergunta, ou sabe de onde vêm ou como são feitos os hambúrgueres do McDonald’s, ou as salsichas, ou toda essa quantidade de embalados à venda nas grandes superfícies, incluindo o leite…mas garantem-nos que são produtos garantidos e de qualidade, mesmo que venham da China ou de cascos de rolha, tanto faz.
Mas o mal da globalização, é que todos alinham nela, ou são forçados a alinhar por quem tem o poder, sobretudo o económico, aquele que domina a política e vai dai, globalizam-se escolas, como que diz concentram-se numa única, com o pretexto de uma melhor educação das criancinhas e não importam as outras aprendizagens não formais e informais que aprendiam nas aldeias com os avôs, com o agricultor, com o pedreiro, com o sapateiro, como se fazia o pão, aquecia o forno, como se fazia o vinho, quando era tempo da fruta madura, que aprendiam com a mãe que fazia alheira e chouriças, que apanhava os frutos maduros das árvores para comer em casa, que fazia compotas com a fruta que sobrava, marmelada e geleia dos marmelos, que lhe estrelava o ovo que tinha trazido da capoeira, que matava o galo, o perú ou o cabrito para comer no dia de festa, aqueles que criou com tanto amor e carinho, mas sobretudo, nas aldeias, as criança aprendiam valores que iam passando de geração em geração e só possíveis em famílias estruturadas à volta de uma verdadeira família com pais, tios, primos, avôs todos a viver na proximidade, mas sobretudo aprendiam com os mais velhos e respeitavam-nos porque sabiam tudo e de tudo, mesmo que fossem analfabetos.
Custa ver perder as nossas aldeias mas sobretudo a nossa cultura e os nossos valores.
As fotografias de hoje são de Vilas Boas ou que vai restando desta aldeia, mas para ilustrar o texto de hoje, poderiam ser de uma qualquer das nossas aldeias, exceção para as da periferia da cidade, que já há muito perderam a sua ruralidade e não passam de freguesias urbanas, iguais em todas as cidades, com o mesmo tipo de pessoas, hábitos e costumes, com muitos vizinhos, mas que raramente se conhecem… e com esta me vou.
Fernando DC Ribeiro