Chaves, Casa Azul e a ausência do parpalhaço
De vez em quando dou comigo a regressar a casa por outros caminhos. Felizmente hoje todos andamos com um instrumento no bolso que além de nos manter contactáveis a todo o momento, também nos permite fazer registos por onde passamos. Refiro-me ao telemóvel. Pois numa desses regressos a casa tomei os meus caminhos de infância e primeira juventude, caminhos que calcorreei desde que nasci até finais dos meus 14 anos de idade, caminhos do meu bairro da Casa Azul. Curioso que desde essa altura já passei por outros bairros e moradas, bem mais tempo que os 14 anos da Casa Azul, mas este, continua a ser o meu único bairro, e não o é só por ter nascido lá… Mas continuando, ia eu dizendo que numa das vezes que por lá passei, fiz três registos de imagem, apenas três, sem qualquer razão aparente, mas que hoje, revendo essas imagens, vejo que foi o meu inconsciente (o da psicologia) que deu impulso ao meu acto, pois nele registei as três casas que mais me marcaram e trago sempre comigo na memória viva do consciente. Primeiro, esta casa que ficou atrás na primeira imagem do post, é a casa dos braguinhas (foi assim que a conheci), a casa principal de um conjunto de casas que se desenvolviam de um e do outro lado da estrada, casa que para mim sempre foi a construção mais bonita da cidade de Chaves, cheia de pormenores de encantar, com jardins lindíssimos e uma pérgula que de verão irradiava os aromas de perfume das glicínias. Sempre me encantou e continua a encantar, mas o registo que tenho desta casa, é um registo estranho e talvez seja por isso que a mantive para sempre na memória, ou seja, não tenho memória de alguma vez ter visto esta casa habitada, pessoas na varanda, à janela, a usufruir da pérgula, e a pergunta que sempre me pus sem a fazer é: Porquê uma casa de encanto, a mais bonita, de contos de fadas, príncipes e princesas, nunca teve gente dentro para dela poder usufruir e nela ser feliz?
A segunda casa que aqui fica é a casa onde nasci, vivi nela apenas 14 anos mas conheço de memória todos os seus cantinhos. 14 degraus de escadas, virar á direita, 4 passos e a entrada, e fico-me por aqui, pois lá dentro há toda uma imensidão de recordações, boas recordações, mesmo aquelas em que chorei de dor ou de revolta, hoje são boas recordações, recordadas como momentos felizes. Curiosamente hoje refleti um pouco sobre a felicidade, em como ela se conjuga no passado e em todos os pretéritos, e ao que parece, quanto mais distante é esse passado mais felizes fomos, mesmo que então o não tivéssemos sido. Passar hoje por esta rua, pela “minha” casa, é reviver acontecimentos em cada palmo de casa, em cada palmo de rua, sempre cheia de gente, muita rapaziada de todas as idades. Daquela varanda do meu quarto, dominava toda a rua e todo o mundo, mas apenas servia para espreitar se era o momento certo de descer para a viver, a rua. Ultimamente tenho passado por lá mais vezes do que era habitual e há uma razão, desta vez conhecida e consciente. Lembro-me de tudo nesta rua, dos rostos de toda a gente, onde moravam, os nomes e alcunhas, o que faziam, onde trabalhavam, sei indicar com precisão onde malhei a primeira vez de bicicleta, depois de motorizada, quando fiz as cicatrizes que ainda hoje tenho nos joelhos, etc, etc, etc. Mas há dias um rapaz do meu bairro, em conversa, referiu-se a um acontecimento que ocorreu ao pé da casa do “parpalhaço”, e desde aí a minha cabeça não tem tido descanso. Ao ouvir “parpalhaço” uma luz acendeu-se e trouxe-me à vida o nome, alcunha que durante anos a fio esteve escondido em qualquer canto da memória, mas não há raio de me lembrar onde o homem morava, quem era, como era, a minha memória trouxe-me o nome do “parpalhaço”, apenas isso. Porquê esqueci o resto!? Porquê!? Não tenho insónias com o caso porque sou de bom dormir e não entro em depressão porque não tenho tempo, senão andava praí todo deprimido e a morrer de sono. É inadmissível que toda a rapaziada do meu bairro se lembre do parpalhaço e eu não.
Mas passemos à frente, à casota do pastor. Desde que tenho memória, sempre me lembro dela, ali estacionada, no mesmo sítio ao lado da oliveira, às vezes com ovelhas espalhadas à volta pelo campo, outras vezes sem elas, é uma das três casas que guardo comigo para todo o sempre, vejo-a na perfeição de olhos fechados mas tal como a primeira, há uma coisa que sempre me intrigou e continua a intrigar, nunca vi a casota habitada, mais ainda, nunca vi ou conheci o pastor. Imperdoável talvez, mas desta vez sei que não há esquecimentos, apenas nunca calhou ter visto o pastor.
Bom, e para terminar num momento feliz, o engraçado era se o pastor fosse o parpalhaço, mas não, isso sei que não é verdade, pois o pastor tenho a certeza que nunca o vi, já quanto ao parpalhaço, tenho também a certeza de que o conheci… daí, lá terei que continua a passar pela minha rua para ver se me vem à lembrança.