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Castelo de Monforte, Chaves, 24 de Setembro de 1961
Rezam as crónicas que certo infante, de visita à antiga Vila de que resta apenas a fortaleza desmantelada onde me encontro encarrapitado, ficou altamente ofendido com o presente de alguns açafates de figos – única fruta abundante na região – que à chegada recebeu dos pobres vassalos. A tal ponto, que mandou amarrar a um poste o vereador responsável pela ideia do mimo, e o obrigou a servir de alvo dos lacaios do séquito, num tiroteio em que as balas eram os gravosos lampos da oferta.
Falso ou verdadeiro, o episódio, que à leitura me pareceu repugnante, considerado aqui tem a sua justificação. Há certos destemperos que, embora se não desculpem, se compreendem. Quem me diz a mim que os desconchavo da alteza não foi apenas a expressão insolente dum grande amor magoado? Também eu sinto neste momento não sei que despeitada revolta, que surdo desespero. Do lado de lá da fronteira, Monterrey, altaneiro, majestoso, ufano das suas aladas torres, do seu palácio senhorial, da sua igreja românica, cofre de um retábulo de pedra de cegar a gente; deste, quatro paredes toscas de desilusão, que a hera aguenta de pé por devoção pátria. É, realmente, de um homem perder a paciência de vítima passiva do destino. Sempre pequenas muralhas de fraqueza e pobreza! Sempre um prato de figos ao fim de cada fome!
Miguel Torga, In Diário IX
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Se não fosse por Torga já não estar entre nós e o texto estar datado de 1961, pensaria que tinha acabado de o escrever, pois o Castelo de Monforte, está em pleno estado selvagem, entregue a si próprio ou seja, ao abandono, como se não lhe bastasse ter de aguentar o rigor das alturas, tem agora também de aguentar o rigor do desprezo.
Fico sem palavras quando assim se trata aquilo que de melhor temos, mas o que mais custa é, que no meio de tanto desprezo, não haver culpados para a sua situação de abandono e, por muito carinho que a população das redondezas tenha pelo seu castelo, as denúncias do desprezo caiem sempre em saco roto.
Houve há anos atrás uma tentativa de revitalizar o Castelo de Monforte e a sua envolvente. Foi criado um parque de lazer e falava-se então na intenção de por lá (na torre) se construir um museu. Levaram-se para lá alguns eventos, como a recriação de uma feira medieval, que embora só acontecesse uma vez por ano, era um bom princípio para dar vida a todo o seu espaço. Mas tudo não passou de um investimento em vão e temporário que mais uma vez desonra toda a importância de um dos legados mais importantes que temos e de toda a história que àquele Castelo lhe está associada e que ainda hoje dá nome às terras da sua envolvente – Terras de Monforte.
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Ao desleixo no qual o Castelo de Monforte caiu está também associado o desinteresse cultural e histórico, para além da falta de imaginação, e porque não ignorância, de quem manda e de quem tutela todo este património histórico que também é cultural e que há muito poderia ser turístico.
Tal como Torga, é, realmente, de um homem perder a paciência de vítima passiva destes destinos e abandonos. Perdemos e paciência e revoltamo-nos com estes acontecimentos. Ousamos a denúncia e, ou é remetida para o silêncio ou somos criticados por tal, enquanto que os culpados, que nunca têm culpa, saem ilesos de ignorar, esquecer, ou seja, maltratar assim o nosso património.
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Mas nestes casos, onde o património cultural e histórico que é também Monumento Nacional e de interesse público, está esquecido, abandonado e maltratado, há que ousar denunciar quem para tal contribui, pois também por tal é responsável. Responsabilidades que são divididas por muitas entidades e que, como tal, dividem também as culpas, ou pior, alheiam-se delas. Começando pela Junta de Freguesia que tem uma palavra importante a dizer ou a defender, pela Câmara Municipal que deveria ser a mais interessada no assunto, não esquecendo a Comissão Regional de Turismo (ou quem agora a substitui), passando para os senhores de Lisboa e as suas instituições (IGESPAR, Monumentos Nacionais, etc.) e até o próprio Governo (das quais são dependentes) por falta de uma política de defesa e preservação dos Castelos e Fortalezas de Portugal, do património e da cultura a eles associada.
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Com o desprezo e abandono do Castelo de Monforte, não é só o Castelo, a história e a cultura que ficam a perder, mas também as aldeias e freguesias que lhes são próximas, o concelho e a região. Não admira que com tanto marasmo que é dedicado aos nossos interesses, as populações locais se dediquem, ou melhor, sejam forçadas ao abandonar as terras que amam e que os viu nascer. Mais um pouco de dignidade e defesa das coisas públicas e do nosso património e nossos interesses, também se exigem a que é eleito ou pago para tal.
Mas no meio de tanto esquecimento ainda há quem individualmente se manifeste e denuncie estes casos, tal como é, entre outros, o caso dos blogues de Águas Frias e dos seus autores, mas ao que sei, nem sequer obtêm resposta das denúncias que fazem às entidades competentes. É caso para dizer – Já não há respeito! Pena também que se tenha perdido a tradição de amarrar aos postes quem nos ofende e mesmo sem figos, sempre se arranjavam uns tomates, bem maduros...