Ocasionais - “Ali, no Castro de CURALHA”
“Ali, no Castro de CURALHA”
Quem viaja pela Auto-estrada A24, em direcção à Galiza, passados os pórticos à frente de Vidago, oferece-se-lhe a indicação da “Saída” para BOTICAS e MONTALEGRE.
Até parece que há uma esquerda para BOTICAS e uma direita para a capital barrosã!
Mas essa “Saída” é bem mais uma envergonhada “ENTRADA” para CHAVES!
Feitos os cem metros curvos e inclinados, vira-se, à esquerda, para BOTICAS, CARVALHELHOS e MONTALEGRE; à direita, para CHAVES.
Afinal, aí já se está em CURALHA!
Sobranceiro, dá nas vistas um frondoso pinheiro manso.
Tem um ar misterioso.
E se, quando chegarmos logo à frente, ao “Café FRADE”, dobrarmos a esquina, sentimo-nos como que puxados pelo mistério que o pinheiro manso sugere esconder.
Dois, três coelhos-do-monte e uma lebre vêm espreitar-nos à beira do estreito carreiro que nos conduz às ruínas de um interessante castro - O CASTRO de CURALHA!
Saído do automóvel, apeteceu-nos muito respirar aquele ar, leve, misterioso, e olhar em redor, numa volta perfeita.
Bebemos um gole d’água numa torneira pública.
Olhámos o céu, como que a pedir-lhe licença para entrar na fortaleza.
Um coelhito-do-monte júnior resolveu vir mordiscar umas ervas, ali à nossa frente, olhar-nos com algum atrevimento e fazer umas olímpicas habilidades em salto e em corrida.
Achámos-lhe graça, e seguimo-lo com o olhar até desaparecer entre o mato.
No chão não se viam pègadas de homem, nem vestígios de visitas.
Uma folha de papel voou quando o coelhito-do-monte júnior fez o último zig-zag antes de desaparecer.
Afinal, a mão do homem deixara uma impressão.
Apanhámos a folha.
Estava escrita numa caligrafia a lembrar o «bastardinho» que, noutros tempos, tinha que se aprender na Escola Comercial e Industrial.
Dizia:
- “Por aqui vou andando.
Sem horizontes, sem sonhos, sem esperanças.
Vejo-me à beira do fim, da meta, do abismo. Mas não lhes topo o fio ou sinal do limite.
De que me valeu a vida?!
Neruda, no poema «el barco», diz que todos nós pagamos, entendo-lhe eu, a nossa passagem por este mundo!
E pergunta, com espanto, entendo eu: -“Porquê, por que é que não nos deixam sentarmo-nos e comer?/ Queremos olhar as nuvens/ queremos apanhar sol e sentir o cheiro a sal/ francamente, não se trata de fazer mal a ninguém/ é tão simples quanto isto: somos passageiros”!
Oh! Mas não me diz, e eu não sei, quem me pagou o bilhete!
Chegar ao fim da vida será, como a ancoragem de um navio, um «tocar terra» em porto seguro, uma «morte afortunada» …. depois de uma boa travessia pela existência, e “entrar serenamente na eternidade”.
Ou será como o naufrágio em mar revolto e tempestuoso?!
Nesta travessia, já com mais de setenta mil léguas cumpridas, raramente conheci outro mar que não encapelado, atalhado por Cabos e Cabos de Tormentas!
E porque nunca fui capaz de deitar borda fora as «cargas de trabalhos» que fui carregando às costas, do corpo e da alma, o lastro da barca da minha vida foi ficando cada vez mais pesado.
E eu afundando-me cada vez mais, atirado de um lado para o outro pelas vagas tenebrosas que me batiam e abatiam!
Os deuses são mesmo insaciáveis!
Não me concederam bonança que tranquilizasse!
Não me concederam vento que me entusiasmasse!
E, aqui chegado, a estas letras, não vislumbro ainda o horizonte da minha chegada, nem tampouco, olhando para trás, encontro o lugar e o momento em que fiquei perdido.
A morte não é a sorte legítima da vida!”.
Um murmúrio de queixume fez soluçar os ramos das giestas e as agulhetas das galhas do pinheiro manso, ali, no CASTRO de CURALHA!
M., 13 de Fevereiro de 2015
Luís Henrique Fernandes