O Barroso aqui tão perto - Cavalos, Chãos e Vila Boa
Hoje no “Barroso aqui tão perto” não vamos para uma aldeia ou localidade, nem duas, mas para três que até poderiam ser mais ou apenas uma. Vai ser difícil de explicar e justificar em palavras esta decisão, e vai-me obrigar a uma introdução explicativa que talvez não explique nada em particular, mas um todo que é real, de um Barroso feito de Barrosos, aqui e hoje a uma escala mais pequena que se vai ficar pelas três localidades que hoje vamos aqui, e que são elas: Vila Boa, Cavalos e Chãos.
Umas palavras em jeito de introdução
Seguindo o terreno, sem olhar a estradas e caminhos, de Norte para Sul, temos Vilas Boas, a seguir Chãos e depois Cavalos, mas tudo isto, no terreno, é muito confuso. Se não fossem as placas indicativas da estrada e sabermos que estas três localidades existiam, eu diria que estava em Cabril, ou bairros de Cabril. Não é por nada, mas entre Vilas Boas e Cabril são apenas 800 metros e é entre estas duas localidades que se localizam Cavalos e Chãos.
Já perceberam que estamos num outro Barroso dentro do Barroso, é o Barroso de um povoamento mais disperso que se vai desenvolvendo em linha, no caso, numa linha paralela ao Rio Cabril, em terras baixas com cotas entre os 250 m de altitude junto ao Rio Cabril, ou seja, e só para termos uma ideia e uma comparação, são 100m abaixo da cota do Vale de Chaves, mas como aqui não estamos a falar de vales mas de localidades adossadas à encosta da montanha com pendente para o Rio Cabril, Vila Boa (lá muito mais no alto) atinge a cota dos 390m (idêntica à cota das terras mais baixas de Vilar de Nantes ou Samaiões, ainda do Vale de Chaves).
Claro que o que deixo atrás em nada corresponde à realidade que se vive in loco, pois quem ler as palavras que deixei vai ficar com a ideia que andamos por outras paisagens, mas não é assim. Como disse estas aldeias ou localidades situam-se numa encosta de montanha com pendente para o Rio Cabril, na sua margem esquerda, mas mesmo em frente, a outra pendente da montanha na margem direita do rio, vai acima dos 1400m de altitude, é que mesmo em frente temos a grande muralha e imponência da Serra do Gerês. Isto é complicado de explicar e descrever em palavras, há mesmo que ir ao local para ver e sentir este ambiente e como o verde vivo da vegetação da margem direita do Rio Cabril se vai transformando numa paisagem sem vegetação onde os grandes rochedos são reis e senhores assumindo um colorido próprio com vários matizes ténues que terminam ou não a confundir-se com o próprio céu, dependendo da luz e da meteorologia do dia, havendo dias de chuva em que a grande serra nem se deixa ver. Há portanto que ir por lá várias vezes e em várias épocas do ano.
É, o Barroso é assim, não lhe chegava pertencer ao Reino Maravilhoso que Torga tão bem descreve, como tem de ter todo um colar de pérolas matizado, isto quando à natureza não lhe dá para cobrir tudo com um manto branco, como se Deus fizesse um intervalo na vaidade destas pérolas coloridas para descansar a vista na pureza do branco. Da maneira como vou pintando esta tela do Barroso, quase parece que se vive no paraíso, mas não é bem assim, pois são terras de vida difícil que chegam a doer, onde sobretudo se sobrepõe um sentimento telúrico, com uma vida fortemente ligada ao chão, à terra que os viu nascer e os fez para a vida de viver o Barroso onde cada habitante é um Barrosão e não um Barrosinho, ou como Torga diz no “Reino Maravilhoso”: “Homens de uma só peça, inteiriços, altos e espadaúdos, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão.”
Cavalos, Chãos e Vila Boa
Vamos então às nossas três localidades de hoje.
Esta descoberta do Barroso que há anos me propus fazer, foi feita em muitas etapas, com roteiros previamente definidos e mais ou menos pensados para um dia completo. Passei por estas localidades algumas vezes, ainda antes de fazerem parte do roteiro do dia. Numa dessas passagens, uma placa da estrada chamou-me a atenção, é que a mesma nunca me tinha aparecido nos meus mapas de estudo nem nos mapas turísticos de Montalegre. Cavalos, era o que estava escrito na placa e fui andando à espera que a aldeia surgisse mas quando dei conta estava em Cabril. Isto, segundo o registo da fotografia que então tirei à placa, aconteceu em julho de 2016.
Passado 1 ano, mais precisamente em agosto de 2017, finalmente Vila Boa, Cavalos e Chãos, entre outras, calharam no roteiro do dia. Parámos em Vila Boa, coisa breve, pois a vila é boa mas pequena e de seguida tocámos o carro para Cavalos, mas a placa de Chãos fez-nos sair da estrada para fazermos primeiro o seu registo, e lá fomos até Chãos, igualmente pequena, a uns escassos 200 ou 300 metros abaixo de Vila Boa. Registámos algumas imagens e bota de novo para trás, para Cavalos. De regresso à estrada mais principal, fomos registando o que fomos vendo com interesse para a nossa objetiva. Passados uns escassos 200 a 300 metros estávamos em Cabril. Voltamos atrás, voltamos à frente e era mesmo assim. Cheguei à conclusão que Cavalos é assim como o efluente de um rio, desagua em Cabril.
Assim, as nossas imagens de hoje são apenas destas três localidades correndo o rico de algumas delas já serem mesmo de Cabril, o que por aí nem há mal nenhum, pois todas estas localidades pertencem à freguesia de Cabril, mas paramos na sua entrada, pois Cabril irá ter aqui o seu próprio post, e para breve, pois já são poucas as aldeias do concelho de Montalegre que nos faltam abordar.
Itinerário e localização
Quanto à localização o assunto já está mais ou menos abordado. Sabemos que as três aldeias ficam juntas a Cabril, já é uma boa referência, mas indo pela habitual referência dos rios e das barragens, as três aldeias ficam também próximas do Rio Cabril, na sua margem esquerda, imediatamente antes deste rio, teoricamente, desaguar no Rio Cávado, pois na prática já desagua na barragem de Salamonde.
Quanto ao itinerário para chegarmos a esta três aldeias, como sempre a partir de Chaves, é via estrada de S. Caetano/Soutelinho da Raia, depois Montalegre, aqui desce-se ao campo de futebol e continua-se sempre por esta estrada até à aldeia e barragem de Padrela. Aqui atravessa-se o paredão da barragem para a outra margem e seguimos sempre por essa estrada, a única que existe até chegarmos As nossas aldeias de hoje, mas antes terá de passar (sempre ao lado) de Sirvozelo, Cela, Lapela, Azevedo, Xertelo, Chelo e Bosto Chão, logo a seguir será Vila Boa, uma das nossas aldeias de hoje, as outras duas, são logo a seguir. Mas fica o nosso habitual mapa.
Quanto aos topónimos, vejamos o que nos diz a “Toponímia de Barroso”:
Cavalos
O topónimo chega-nos de “cavalo” (pelo latino popular caballu) mas com outros significados. Assim, pode o nome dever-se ao facto de se tratar de sítio de pedras cavaleiras ou penedos encavalados; Pode também referir-se a muitos animais dado que a categoria social dos habitantes o exigia. Com efeito,
- 1258 «se algum destes habitantes tiver cavalo, escudo e lança, defenda o seu tributo…» como como se afirma nas INQUIRIÇÕES de 1258. Tanto uma como outra explicação, ambas se ajustam ao topónimo e estão em consonância com os topónimos anteriores e seguintes. A zona cabrilense é cheia de penedos sob os quais os seus habitantes fazem ainda hoje as suas adegas de verdinho e aguardentes afins.
Chãos
Plural de chão – por planu. É adjectivo e pressupões o substantivo campos, prados.
Vila Boa
Villa < Vila e Bona < Boa. Não aparece nas inquirições nem no Arquivo Histórico Português (1531). Esta Vila Boa pertence a Cabril.
Quanto à “Toponímia Alegre”, temos:
“Apelidos” de Cabril
Moeda falsa de Lapela,
Vinho-azedo de Azevedo,
Cava-touças de Sertelo,
Escorricha-picheis de S. Lourenço,
Rabões de Chelo,
Bufos de Vila Boa,
Lagartos de Fontaínho,
Cinzentos de Chãos,
Carrapatos de Cavalos,
Paparoteiros da Vila
Dente-Grande da Ponte,
Pousa-fois na Chã de Moinho,
Raposos de Busto-Chão,
Esfola-vacas de São Ane,
Ferra-bestas de Pincães,
Putaria de Fafião.
Na Etnografia Transmontana I, de Lourenço Fontes, aparecem os “apelidos de Cabril”, lá intitulados como “Alcunhas da Freguesia de Cabril” e com algumas variantes, uma delas diz respeito a Chãos e Cavalos não aparece:
Alcunhas da Freguesia de Cabril
Moeda falsa de Lapela,
Vinho-azedo de Azevedo,
Cava touça de Xertelo,
Escorricha capichés de S. Lourenço,
Rabões de Chelo,
Lagartos de Fontaínho,
Bufos de Vila Boa,
Cinzeiros de Chãos,
Dente grande da Ponte,
Esfola vacas em Soane,
Pousa fois em Chão de Moinho
Ferra bestas em Pincães,
Putaria de Fafião.
E o livro “Montalegre” o que nos diz sobre as nossas aldeias de hoje!?
Em relação a Vila Boa e Cavalos, apenas a referência de pertencerem à freguesia de Cabril e à sua altitude, mas isso já nós o dissemos atrás.
Quanto a Chãos, temos uma referência ao Penedo do Touro, mas como são abordados outros penedos na região, transcrevemos todo o parágrafo:
São igualmente célebres por serem incomuns: o penedo do Esporão (S. Lourenço Cabril), a Laje dos Bois (Lapela-Cabril) o Penedo da Pala (Cela-Outeiro) o Penedo da Caçoila (Pedrário-Sarraquinhos) A Casa dos Mouros ( Morgade), o Penedo Sagrado (Salto) A Mesa do Galo (Borralha-Salto), o Penedo da Caldeira (Vila da Ponte), o Castelo (Fervidelas), A Fraga, os Cornos da Fonte Fria, Altar de Cabrões (Pitões), o Altar da Moura (Frades-Cambezes) A Pedra Bolideira (Ponteira – Paradela), o Penedo do Touro (Chãos-Cabril) “ ao abrigo dele se podem defender das inclemências do tempo mais de duzentas cabras”, os Pedralhos (Vila da Ponte) onde escreviam o nome os emigrantes para o Brasil, alguns dos quais nunca regressaram à terra, a Pedra da Gola Furada e a Pedra que Tine (Seselhe), o Penedo Buraco da Serpe (São Ane - Cabril) e uma infinidade de outros mais ao longo do concelho de Montalegre.
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BIBLIOGRAFIA
BAPTISTA, José Dias, Montalegre. Montalegre: Município de Montalegre, 2006.
BAPTISTA, José Dias, Toponímia de Barroso. Montalegre: Ecomuseu – Associação de Barroso, 2014.
FONTES, Lourenço, Etnografia Transmontana I – Crenças e Tradições de Barroso, edição do autor, Montalegre, 1974.