Do livro " Chaves, Olhares Sobre a Cidade"
Ancestralidades
No adro da igreja românica de Santa Leocádia, ao remanso de um dos seus vetustos ciprestes, estendi as vistas pela Padrela. Depois mirei o Alvão, fronteira de um mundo outro. O Larouco, à direita, confesso que não me chaldrou! À esquerda, arroucei-me no eiteiro do Fecho e ideei.
Como foram sempre excomungados os corgos do Brunheiro! A neve e o sincelo tolheram-lhe as seivas, como os beiços de quem ateima em sorvê-las. O magro pão que o suor pare insiste num sabor acre a terra e a geada. Aos seus, jamais sobrarão ensejos para além do mourejar. Ócios e folganças são contas que desfiam os privilegiados da ribeira! O arrimo, no altiplano, continua a ter de ser varejado como a azeitona na Terra Quente. Na meseta é preciso empenhar mula e albarda para que o forno coza, o reco fuce e a pita ponha!.. De graça, só mesmo os pingarelhos do carambelo de janeiro. Mas não fartam barriga!..
Ai se a boa vida na Montanha arreganhasse, como arreganha o ouriço a dar castanha!..
Muitos não estiveram para esta penúria e desertaram. Outros, tantos, vergaram-se à crueza do destino, ditado por um Deus genioso. Pois se assim tinha de ser, que assim fosse! Restava apaziguar-lhe a ira. Sumindo à mó o pouco que já moía, desougaram-se cuidando da alma, já que da courela estavam escoucados. Assim cogitaram há 800 anos os homens rudes do Brunheiro. E assim fizeram! Todavia, para aquela lavoura, não serviria relha qualquer. Exigiram coisa fidalga, como fidalga era a determinação. Botaram pico à fraga e lavraram a pedra em veneranda obra!
Talvez por isso Santa Leocádia passasse a ser mais do que uma ignota aldeia, senhora de um monumento classificado. Passou a ser exemplo, lição de vida!
A igreja bem merece o epíteto de bastião do estoicismo e da abnegação de um povo quase tão duro como o granito que a erigiu!
E pese embora o pelourinho estar torto como um arrocho, mantém-se orgulhosamente em pé! Lampejo para a expi(r)ação! Sim, porque a minha gente morre de pé como o negrilho! A carcaça, depois, que ceve a terra. Assim com’ assim, nunca deixará de ser tísica!..
Mas o que de bérias importa é que a obra seja imortal!
De volta ao períbolo, interrogo-me:
─ Perante tanta exiguidade, porque não havemos nós de vingar também, se até nos corre nas veias do mesmo sangue?
Creio, firmemente, que não são os homens que fazem as obras, mas as obras que fazem os homens!..
Gil Santos
Muralha
Espera por mim deixa-me ir,
desde o passado ao porvir…
Muralha contas história
De poderosos e de servos
Contas derrota e glória
De tempos frios e severos
Ah horizonte passado
De enigmas velados
Albergas tanto mau olhado
E defendes tantos pecados…
Na pedra a autoridade
Dura mantém-se com firmeza
Almejando a liberdade
Não esquece que é defesa
Imponente e majestosa
Altruísta para o seu povo
É a bandeira corajosa
Com quem o velho se faz novo
História contas Muralha
De servos e ou poderosos
Ganhas sempre essa batalha
Aos hereges religiosos…
Deixa-me ir nesse teu olhar
Dessa guerra e paz a pairar…
Isabel Seixas