5 de Outubro - Dia da Implantação da República
Chaves - Praça da República
Hoje, dia 5 de outubro, comemora-se o dia da Implantação da República em Portugal e nós, blog, mas com este nós alargado a todos os flavienses, não devemos ficar estranhos a este dia, por várias razões que nos ligam à História da República Portuguesa, principalmente à 1ª república e à 3ª República.
Na 1ª República a cidade de Chaves fica a ela ligada por dois acontecimentos. O primeiro com o início da República com os acontecimentos do dia 12 de julho de 1912 em que acontece o “outro dia da implantação da República” quando em Chaves se trava a última tentativa armada dos Monárquicos comandados do Paiva Couceiro retomarem a Monarquia, e que faz com que Chaves seja hoje consagrada e reconhecida em Portugal pelos “Defensores de Chaves” que até dá nome a uma das principais Avenidas da capital e Chaves tenha nesse dia o seu feriado municipal “Dia do Município”. O Segundo acontecimento prende-se com o fim da 1ª República e a “Noite Sangrenta” em que o flaviense Dr. António Granjo, então primeiro Ministro de Portugal é assassinado em Lisboa.
Estátua de António Granjo, em Chaves
Mas Chaves está também ligado à “implantação” da 3ª Republica (pós 25 de abril) pelo ser de outro flaviense, o Marechal Francisco da Costa Gomes, como Presidente da República em que ficará para sempre na História de Portugal como um dos principais obreiros da instauração da democracia em Portugal (siga os links no nome ou imagem para ficar a saber mais deste Ilustre Flaviense).
Assim fica, ainda um pouco da História da implantação da República, que não faz mal a ninguém, em vídeo:
Mas também com um Trailer do filme a “Noite Sangrenta”, filme que está disponível em episódios no youtube.
Noite sangrenta
E por fim um artigo da revista Sábado sobre a noite sangrenta e a morte de António Granjo:
Segundos antes de morrer, António Granjo ouviu o desprezo dos algozes: "Supunhas que escapavas?!" O presidente do ministério (equivalente a primeiro-ministro) demissionário estava escondido num quarto simples do primeiro andar da casa da guarda no Arsenal da Marinha. "Matem-me, que matam um bom republicano." Os três militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e um número desconhecido de marinheiros - provavelmente já bem bebidos pelas celebrações da revolta que na manhã desse 19 de Outubro de 1921 depusera o governo de Granjo - dispararam, em raiva (houve quem falasse em 400 tiros). Quando o político liberal tombou, em agonia, deram-lhe uma coronhada que lhe partiu o maxilar e um clarim da Guarda, que lideraria o grupo, rasgou-lhe o tronco com um sabre e gritou: "Vejam de que cor é o sangue de porco!"
António Granjo, 39 anos, era um homem alto, encorpado, de sorriso fácil. Mas os que o viram no necrotério, com muita dificuldade identificaram algum desses traços: balas na cabeça, pescoço, braços e pernas, o rosto inchado em resultado da coronhada, o colete e a camisa rasgados pela baioneta que lhe trespassara o peito. Depois dele, a carrinha que ao início da noite transportara Granjo até ali sob falsas promessas de protecção (e que ficou para a história como camioneta-fantasma) voltou a deixar o Arsenal, junto ao Terreiro do Paço, à procura de nova vítima: José Carlos da Maia, maçon, destacado oficial no 5 de Outubro, deputado à Constituinte e ministro da Marinha nos tempos de Sidónio Pais. Este capitão-de-fragata, de 43 anos, era vítima de um daqueles boatos que surgiam para fazer cair governos e faziam crescer o ressentimento nos militares: dizia-se que ele enviara os marinheiros rebeldes do 18 de Janeiro de 1918 para África. Era mentira.
O Dente de Ouro
Ganha protagonismo, a partir daqui, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, um desconhecido que aparece nos livros como uma espécie de capataz desta noite sangrenta. Era ele que, durante a viagem até à Rua dos Açores, perto do Jardim Constantino, lembrava o papel desdenhoso de José Carlos da Maia às talvez duas dezenas de GNR, marinheiros e civis que seguiam na caixa da camioneta-fantasma. Foi ele que, pelas 23h, deu voz de prisão ao capitão-de-fragata. Aos pedidos de clemência de Berta Maia, que tinha o filho de 6 meses ao colo, o Dente de Ouro fez crescer a mentira: "Foi por causa deste que os marinheiros foram deportados para África, no tempo do Sidónio. Também a minha mãe morreu de dor quando me mandaram para lá." Ora, ele não fora deportado e a mãe estava viva.
A caminho do Arsenal, gritava ainda o cabo Olímpio: "Cá está o Barbas de Chibo! É preciso liquidar este bandido, foi ele quem deportou os marinheiros!" Já no interior do recinto, as tropas aplaudem-no, os oficiais pouco intervêm e José Carlos da Maia é liquidado com um tiro de pistola na nuca enquanto tenta fugir.
Dois mortos. Mas a "noite infame", como a recordaria o escritor Raul Brandão, ainda não acabara. Ainda seriam assassinados o motorista Carlos Gentil por ter criticado a onda de mortes e o capitão-de-fragata Carlos Freitas da Silva, aparentemente em substituição do seu antigo chefe, o ex-ministro da Marinha, Ricardo Pais Gomes, que estaria em Viseu. A camioneta pararia ainda junto ao nº 14 da Rua José Estêvão, para perpetrar um golpe contra o chamado pai da República, António Machado Santos, 46 anos, invejado pela sua pensão vitalícia e apodado de traidor pelos marinheiros que o viram a passar revista às unidades desarmadas num golpe contra Sidónio Pais. O Dente de Ouro prosseguia com a sua lengalenga: Machado Santos era mais um dos que castigara os marinheiros. E, escreve Jaime Nogueira Pinto em Nobre Povo - Os Anos da República, fora a fonte do desprezo a que os soldados que combateram no 5 de Outubro tinham sido votados desde então.
À 1h30, o almirante parou de resistir e aceitou acompanhá-los até ao Arsenal. Saiu para a fresca madrugada de 20 de Outubro vestido à civil, com o tabaco no bolso, mas o seu destino terminou antes do que supunha: no Largo do Intendente, o motor da carrinha avariou e foi fuzilado.
Os ocupantes da carrinha, cujo número variava em função do serviço e cujo teor alcoólico parecia subir com o avançar das horas, ainda deixaram às portas da morte o coronel de Cavalaria Carlos Botelho de Vasconcelos, que diziam os boatos (mais uma vez os boatos) "mandara os marinheiros beber água" nos tempos de Sidónio Pais. A frase depreciativa - verdadeira ou não - nunca foi perdoada. Mas a liderar o seu pelotão de fuzilamento estava o sargento Heitor Gilman, que tinha outros motivos: queria vingar-se do homem que o interrogara durante o dezembrismo. Em frente da Câmara Municipal de Lisboa, Gilman mandou o velho coronel encomendar "a alma ao diabo" antes de disparar.
Mais uma vez, os oficiais do Arsenal nada fizeram para evitar o fuzilamento. Só apareceram quando Botelho de Vasconcelos já estava tombado, mas ainda vivo. Pediram que um sidecar da Cruz Vermelha (CV) o retirasse para o hospital. Gilman ainda voltou a disparar - e outros dois marinheiros manifestaram a intenção de fazer o mesmo - antes de o enfermeiro Henrique Alberto Teixeira o tapar com a bandeira da CV e declarar que estava protegido pela instituição. Só assim conseguiu afastá-lo daqueles homens "sedentos de sangue e cegos pelo ódio", recordaria mais tarde. Botelho Vasconcelos não resistiria aos ferimentos.
Numa só noite, cinco mortos e outras tentativas de assassinato (entre elas do industrial Alfredo da Silva, que ironicamente seria apontado - mas nunca acusado - como financiador da operação). Como é que se derramou tanto sangue num dia que começara com um golpe quase não violento, coordenado por Manuel Maria Coelho, o célebre tenente Coelho da revolução de 31 de Janeiro de 1891? Apenas o segundo-tenente do secretariado naval, José Correia Júnior, fora ferido no Quartel de Marinheiros, em Alcântara. E, excepto na zona da Rotunda, onde os revolucionários se concentravam, cumpria-se o quotidiano na capital (a normalidade percebe-se também porque esta era a 25ª revolta da República): as lojas estavam abertas, os eléctricos circulavam, os bombeiros, a Cruz Vermelha e os hospitais, que se tinham organizado para responder às urgências, não foram necessários, recorda José Brandão em A Noite Sangrenta.
O presidente falha os planos
António Granjo, que fora avisado do golpe e na véspera garantira ter o exército do seu lado, demitira-se de manhã, já que todas as unidades militares e da polícia obedeciam às ordens da Junta Revolucionária. Para isto contribuiu a força da GNR, que tinha 14 mil militares e o melhor armamento do País e o facto de o exército estar deslocado em Mafra. Ao meio-dia, os representantes da Junta Revolucionária (coronel Nobre da Veiga, primeiro-tenente Serrão Machado, capitão Camilo de Oliveira e os civis Veiga Simões, Afonso de Macedo e Jacinto Simões) estavam na sala de recepção do Presidente da República, António José de Almeida, com decretos sobre a constituição do novo Governo. Tudo ia bem. Só que o chefe do Estado recusou-se a assiná-los. "Considero findas as minhas funções oficiais de Presidente da República", anunciou-lhes. Até às 17h, muitos o contactariam, nomeadamente o tenente Coelho. Ninguém o demoveu. "Mandem-me fuzilar, mandem-me prender, mandem-me exilar, mas eu não me desonro."
Pelas ruas circulava, então, a primeira proclamação dos revolucionários: "Não cumprir as ordens de um Governo incompetente que procura defender apenas interesses pessoais e de partido é um dever de todos os patriotas." A mensagem foi mais uma acha atirada à fogueira de ódio a António Granjo, alimentado nos meses anteriores nas notícias nos jornais Imprensa da Manhã e Mundo sobre a sua intenção de desarmar a Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Marinha.
José Brandão diz à SÁBADO que "o País ficaria para sempre manchado por uma revolução da qual ainda hoje pouco se sabe". Aquela noite, de há 96 anos, foi marcada pela anarquia sanguinária e sobre o seu autor moral (se é que houve) nada se sabe. Treze dos 22 assassinos foram condenados a penas de prisão e degredo por um tribunal especial que tinha como promotor da justiça Óscar Carmona, futuro Presidente da República no Estado Novo. A mais gravosa foi a do cabo Abel Olímpio (10 anos na Penitenciária de Coimbra e 20 no degredo). Mas os oficiais, que "eram os mesmos da cúpula revolucionária e da Junta do 19 de Outubro", sublinha Jaime Nogueira Pinto em Nobre Povo - Os Anos da República, foram absolvidos das acusações de negligência criminosa e de cumplicidade activa por não impedirem os crimes dos subalternos.
Teorias, houve muitas: que foram incitados por monárquicos que queriam vingar o regicídio, pelos do partido democrático que perdera o poder para Granjo (dos liberais), pelos maçons - e até por Espanha, que teria financiado a revolta para justificar a acção das suas tropas no país vizinho. Em treze anos, os portugueses viram assassinar o Rei D. Carlos, em 1908, o Presidente da República, Sidónio Pais, em 1918 e o chefe do governo demissionário. "Se o Regicídio é o prenúncio do fim da Monarquia, a Noite Sangrenta é o adivinhar do fim da República", diz José Brandão. "A República tinha cometido demasiados erros" para sobreviver e escancarava-se a porta para a ditadura militar de 1926.
Artigo publicado originalmente na edição 702 da SÁBADO, de 12 de Outubro de 2017
Viva a República!