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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

20
Jul19

Soutelinho da Raia - Chaves - Portugal


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SOUTELINHO DA RAIA

 

Chegou a vez de irmos até Soutelinho da Raia, uma das aldeias do concelho de Chaves que mais vezes tem passado por este blog e que continuará a passar, não só por aquilo que fotograficamente falando nos proporciona, mas também pela sua história, pela sua condição de ser uma aldeia da raia, ter sido um antigo povo promíscuo, entre outras razões, como a de ser uma aldeia com características tipicamente barrosãs, como não poderia deixar de ser, não estivesse ela no grande planalto da Serra do Larouco, em pleno território do Barroso. E iniciámos com esta imagem, por sinal a mais recente que temos da aldeia e que calhou numa das nossas passagens com destino ao concelho de Montalegre, num ponto onde paramos sempre, junto ao rochedo que aparece em primeiro plano e desde onde, quase com um simples olhar, alcançamos a Serra do Larouco em toda a sua majestosa plenitude, todo o seu planalto, terras galegas e Soutelinho da Raia. Nem que fosse só por isto, já valia a pena ir por lá, mas Soutelinho da Raia é muto mais.

 

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Hoje iniciámos este post com aquilo que poderemos considerar um clássico, ou um cliché fotográfico, ou seja, com aquilo que é mais comum fotografar-se para além de serem motivos obrigatórios a serem fotografados. Este último, quase poderia resumir aquilo que é Soutelinho da Raia, não só na sua beleza ou na riqueza da composição, com a sua Igreja, mas também uma capela, a sua fonte de mergulho e o tanque, a água, o azul do céu, o sol e a neve, o seu casario, as suas varandas, só falta mesmo o fator humano que por sinal neste local é sempre habitual, aliás como em toda a aldeia.

 

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Mas que não falte esse fator humano, e cá está ele, na companhia do rigor dos invernos, numa representação daquelas que exigem respeito mas também compreensão que nada tem a ver com tradição, embora também o seja, refiro-me ao luto, pesado, vestido numa única cor, o preto, muitas das vezes, ainda, a única cor que vestirão para todo o resto das suas vidas, o preto negro do luto, voluntário,  símbolo de dor, de ausência, de respeito e honradez, às vezes pelo companheiro, outras vezes pelos filhos, mas também pelo pai, pela mãe, pelo irmão(s), e às vezes, é tão pesado, que é por todos eles.

 

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O FATOR HUMANO

 

Fator humano que por aqui também é símbolo de trabalho, da terra, que outra ocupação não há, embora em tempos, dada a sua condição de aldeia da raia seca, o contrabando também fosse uma fonte de rendimento e de trabalho, pelo menos para a Guarda Fiscal, onde existia um posto fronteiriço, mesmo a queimar a raia, Guarda Fiscal que acabava também por enriquecer o povoamento da aldeia, com os Guardas Fiscais e as suas famílias. Aliás estou em crer que

 

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Fator humano que aqui embora ainda bem presente nas ruas e nas casas também não escapa à maleita da modernidade, a do envelhecimento da sua população, despovoamento e natural abandono do casario, embora em menor escala que na maioria das aldeias, ou pelo menos, nota-se menos. Uma maleita que há 30 ou 40 anos atrás já era previsível acontecer, mas que desde então nada se fez para a contrariar.

 

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De facto as condições criadas após o 25 de abril de acesso à educação, para todos, passando até a ser obrigatória, e muito bem, até aos 18 anos ou 12ª ano, levou a que os nossos jovens não queiram regressar ao trabalho árduo da terra, que repartida como está, quase ou nem sequer dá para sobreviver. Também a facilidade e apoios para acesso ao ensino superior, levou a grande maioria a formar-se com um curso superior ou a ter habilitações para outras profissões que maioritariamente só existem nas cidades, principalmente nas de maior dimensão. Claro que é mais que compreensível que depois de uma vida a estudar, principalmente agora que só a licenciatura já é coisa pouca no mercado tão competitivo, vendo-se os nossos jovens obrigados a continuar os estudos com mestrados, doutoramentos e outras graduações e até outras licenciaturas, dizia eu que era compreensível que não voltassem à sua aldeia para pegar na enxada, semear umas batatas, plantar umas couves e ter meia dúzia de galinhas e um reco, coisas boas por sinal, mas muito pouco para poderem ter uma vida digna e ate poder sobreviver com elas.

 

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 E nada contraria este estado de coisas, aliás antes pelo contrário, tudo que se dita e decide em Lisboa é feito no sentido contrário, o da centralizar nos grandes centros toda a vida económica, de trabalho, administrativa de ensino, etc. Grandes e médios centros cada vez mais povoados e amontoadas com todo o nosso interior a desfechar em sentido contrário – envelhecimento, despovoamento e abandono das terras e das casas, com velhos a viver das reformas e sentados nas escaleiras das casas à espera que as horas passem. Ou isto que é o pouco e tudo que têm ou um lar, que na maioria dos casos não passa de um lucrativo negócio de armazenamento de velhos.

 

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Embora Soutelinho da Raia não seja o melhor exemplo desta maleita do despovoamento e envelhecimento, aliás que lá for ainda vê uma aldeia com vida, penso que, mesmo sendo uma das aldeias localizada no limite do concelho, vai servindo também de dormitório a pessoas que trabalham na cidade, sem dados para o garantir. Mas ainda se vive um certo espírito comunitário, já não há tabernas mas há cafés e no tanque comunitário ainda se lava roupa.

 

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E nas ruas há sempre gente, nos seus afazeres, ou simplesmente estando em amena cavaqueira, vindos ou indo para outros trabalhos, aparentemente felizes, talvez herança dos tempos em que Soutelinho da Raia era um povo promíscuo em que a aldeia era atravessada a meio pela linha de fronteira, onde de uma lado da aldeia viviam portugueses e do outro galegos. Um mesmo povo, a mesma aldeia, duas nacionalidades. Até 1864 Soutelinho da Raia era assim, promíscua.

 

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Embora o termo “promiscuidade”, em geral, seja utilizado em coisas mais depreciativas, aqui tinha um sentido romântico e até bem interessante. De facto podemos-lhe aqui utilizar o seu significado de mistura e indistinto, mas apenas na nacionalidade e na obediência a reinos e leis diferentes, de resto era apenas um povo misturado e indistinto de portugueses a galegos, assumindo aqui o indistinto o significado de não haver diferenças entre a povoação.

 

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Estas aldeias promíscuas eram casos únicos, por sinal aconteciam em três aldeias do concelho de Chaves: Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos. A par destas aldeias, aqui bem próximo (do outro lado da Serra da Larouco) existia o Couto Misto (Couto Mixto) também com três aldeias: Santiago, Rubiás e Meaus.  Era um micro estado independente encravado entre Portugal e a Espanha e que não estavam ligados nem à coroa portuguesa nem espanhola, tinha leis próprias, direitos e privilégios, isenção de impostos e dava asilo a foragidos da lei de Portugal e Espanha, exceto para crimes de sangue. Em 1864  com o tratado (das fronteiras) de Lisboa, os reinos de Portugal e Espanha chegaram ao acordo de as três aldeias promíscuas (Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos) passaram na totalidade para o reino de Portugal, enquanto que o Couto Misto (Mixto) passou para o domínio do reino espanhol.  Para saber mais sobre os povos promíscuos e o Couto Misto, siga os links no final do post.

 

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Sobre o fator humano falta falar das atividades e iniciativas da juventude de Soutelinho da Raia que ia organizando alguns eventos para a população, mas também para todos os que quisessem participar. Há anos (2012) fomos a uma das suas iniciativas, só ver, fotografar e comer. Tratou-se do 2º Passeio de BTT. Não sei se ainda continuam ativos. Confesso que com a nossa aventura de descobrir todo o Barroso. Temo-nos  descuidado um pouco com as aldeias flavienses. Espero que continuem ativos com as suas iniciativas.

 

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Os invernos e o Larouco

 

O Larouco é também uma imagem de marca para Soutelinho da Raia, não só goza do seu planalto superior como goza das suas vistas, por sinal das mais interessantes que se podem lançar sobre o Larouco, de inverno muitas das vezes coberto de neve e nas restantes estações a mostrar todo o esplendor da sua grande encostas que só termina aos 1535 metros de altitude. Assim, se for por a Soutelinho da Raia, percorra a aldeia toda até ao final das suas ruas e contemple  aquele que também é apelidado por Deus Larouco.

 

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Neve e nevadas às quais Soutelinho da Raia está bem habituada, pois é visita recorrente todos os invernos. Pode não vir para ficar, mas às vezes fica durante uns dias. Aliás a neve e o frio seco de inverno também fazem a tempera desta gente barrosã do planalto do Larouco, mas também quando todo o vale de Chaves está mergulhado num mar de nevoeiro, ele lá no alto gozam do radioso sol de inverno, que sempre vai dando algum calor e alegria aos seus dias.

 

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A Igreja

 

Já de início deixamos uma das que também é imagem de marca de Soutelinho, aquela com a fonte de mergulho e a igreja de fundo. Uma belíssima igreja localizada logo no largo de entrada da aldeia. Bonita e bem enquadrada exteriormente mas também muito interessante no seu interior, e agora ainda mais, com a descoberta e recuperação das pinturas, frescos de parede com que quase todo o seu interior está revestido, um deles datado de 1748, um ex.voto.

 

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O  Casario e seus pormenores

 

A primeira vez que fui a Soutelinho da Raia, já há uns bons 30 ou 40 anos que me rendi logo à beleza das suas ruas e do seu casario, passando a ser desde então uma das minhas aldeias de referência para aquilo que temos de melhor ao nível do conjunto mas também de pormenores no que respeita ao casario típico transmontano e no caso também barrosão.

 

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Com o tempo, fui indo por lá amiúde, sempre de máquina fotográfica na mão. Primeiro as ruas principais, depois as outras, os pormenores são para descobri sempre que vou por lá, mas o que mais me fascina, é a aldeia manter a sua integridade, sem grande feridas no conjunto do seu casario, mesmo nas recuperações, ficando as construções novas, fora deste núcelo antigo, tal como deve de ser.

 

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Dai não ser estranho que Soutelinho da Raia, talvez a par de Seara Velha, serem as aldeias que mais vezes têm passado aqui pelo blog. São os meus trunfos para quando não há tempo de cumprir com as aldeias flavienses, pois no meus arquivo fotográfico destas duas aldeias há sempre imagens a pedirem para serem publicadas e divulgadas.

 

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Espero continuar a ir e encontrar assim Soutelinho da Raia, não só para manter a sua beleza mas também para a poder continuar a indicar como visita obrigatória a quem visita o concelho de Chaves e gosta do mundo rural.

 

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Muito mais teríamos para deixar aqui sobre Soutelinho da Raia e já muita coisa fomos deixando ao longo da existência deste blog, mas temos de deixar ainda alguma coisa para podermos continuar a trazer aqui esta aldeia, que temos vindo a fotografar desde o nascer do sol até ele se pôr, principalmente nestes últimos tempos das nossas andanças pelo Barroso em que Soutelinho da Raia nos calha quase sempre nos nossos itinerários, de ida ou regresso a Chaves.

 

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 E para finalizar, aquele que já vai sendo habitual nos últimos tempos do blog, um vídeo com todas ou quase todas as imagens aqui publicadas até hoje. Após o vídeo ficam os links para mais informação sobre as aldeias promíscuas e o couto misto.

 

 

 

link para o vídeo no youtube:

https://youtu.be/18KaXGWpB3o

 

Para saber mais sobre os povos promíscuos e o Couto Misto:

 https://chaves.blogs.sapo.pt/lama-de-arcos-chaves-portugal-e-um-1636026

https://chaves.blogs.sapo.pt/231841.html

 

 

 

 

03
Fev18

Lama de Arcos, Chaves, Portugal e um pouco de História


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Vista geral de Lama de Arcos, na fronteira com a Galiza

 

De vez em quando ouve-se por aí falar dos povos promíscuos, pois a nossa aldeia de hoje — Lama de Arcos — foi um desses povos promíscuos, que não eram mais que aldeias que pertenciam ao Reino Espanhol e ao Reino Português, ou melhor, que eram atravessadas a meio pela fronteira entre os dois reinos.

Também quando se fala de Lama de Arcos ( ou Lamadarcos) e dos povos promíscuos, obrigatoriamente fala-se das aldeias portuguesas do Cambedo e Soutelino da Raia, ambas aldeias que foram também promiscuas, e das aldeias espanholas de  Rubiás, Santiago e Meaus  que foram um Couto Misto (ou Mixto), com leis próprias, encravado em território do Reino de Espanha, próximo da fronteira entre os dois reinos (perto de Tourém, concelho de Montalegre) com população portuguesa e espanhola, e independente dos Reinos de Espanha e Portugal.

 

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 Vista parcial de Lama de Arcos, com a igreja Portuguesa

 

Em Lama de Arcos, e nas restantes aldeias atrás mencionadas, assim foi ao longo dos tempos até ao Tratado de Limites entre Portugal e Hespanha realizado aos 29 de Setembro de 1864 e Assignado em Lisboa pelos respectivos plenipotenciários, tratado este pelo qual todas as aldeias atrás mencionada ficam ligadas pela História, mas para melhor compreendermos essa ligação, nem há como ir até ao que foi escrito no referido tratado, bilingue, grafado com o português e castelhano da época, conforme consta na edição da IMPRENSA NACIONAL —  LISBOA — 1866, do qual passamos a transcrever a introdução e os artigos 7º, 10º, 11º e 27º.

 

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 Um pormenor de rua de Lama de Arcos

 

"DOM LUIZ, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d’aquem e d’alem mar, em Africa senhor de Guiné, e da conquista, navegação e commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc. Faço saber aos que a presente carta de confirmação virem, que aos 29 dias do mez de setembro do anno de 1864, se concluiu e assignou na cidade de Lisboa entre mim e Sua Magestade a Rainha das Hespanhas, pelos respectivos plenipotenciarios munidos de competentes pelenos poderes, um tratado de limites dos reinos, desde a foz do rio Minho até á confluencia do rio Caia com o Guadiana, cujo teor é o seguinte:"

 

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Antigo trilho do contrabando entre a Galiza e Lama de Arcos

 

"Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e Sua majestade a Rainha das Hespanhas, tomando em consideração o estado de desassocego em que se encontram muitos povos situados nos confins de ambos os reinos, por não existir uma demarcação bem definida do território, nem tratado algum internacional que a designe, e desejando pôr termo, de uma vez para sempre, aos desagradaveis conflictos que por tal motivo se suscitam em varios ponto da raia, estabelecer e consolidar a paz e harmonia entre os povos limítrophes, e finalmente, reconhecendo a necessidade de fazer desapparecer a situação anómala em que, á sombra de antigas tradições feudaes, têem permanecido até hoje alguns povos immediatos á linha divisoria de ambos os estados, com reconhecido e commum prejuizo d’estes, convieram em celebrar um tratado especial que determine clara e positivamente tanto os direitos respectivos dos povos confinantes, como os limites territoriaes de ambas as soberanias, na linha de fronteira que se estende desde a foz do rio Minho, até á confluencia do Caia com o Guadiana. Para este effeito nomearam seus plenipotenciarios ; a saber:

 

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, o sr. Nuno José Severo de Mendonça Rolim de Moura Barreto, duque e marquez de Loulé, conde de Valle Reis, estribeiro mór,...

( …. )"

 

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  Campos entre Lama de Arcos e a Galiza

 

"Os quaes, depois de haverem communicado os seus plenos poderes, achados em boa e devida fórma, tendoexainado minuciosa e detidamente varios e numerosos documentos assim antigos como modernos, adduzidos por ambas as partes em apoio dos seus direitos e pretensões, e tendo alem d’isto presentes os estudos e trabalhos da commissão mixta de limites que nos ultimos annos percorrêra a linha de fronteira, convieram nos artigos seguintes:"

 

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Igreja "espanhola" em Lama de Arcos, antigamente em território espanhol

 

 

A seguir à introdução e termos do tratado, segue-se a publicação de 34 artigos com retificações de fronteira entre o Rio Minho e a confluência do Rio Caia com o Guadiana, dos quais a nós nos interessam os artigos 7º (sobre o Couto Misto)  o 10º e 11º dos povos promíscuos e o artigo 27º do Couto Misto/povos promíscuos, artigos que passo a transcrever:

 

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 Pormenor de um pátio/rua em Lama de Arcos

 

ARTIGO 7º

Desde as Pedras de Malrandim se dirigirá a raia em direcção N. pela actual linha se separação entre o Couto Mixto e o termo de Villar, até ao ponto em que a corte um alinhamento recto, tirado do Castello da Piconha ao Pico do Monte Agudo, e d’este ponto de encontro voltando em direcção E. continuará por outro alinhamento recto até ao Porto de Banzellos.

Portugal renuncia a favor de Hespanha todos os direitos que possa ter sobre o terreno do Couto Mixto, e sobre os povos n´elle situados, os quaes em virtude da direcção determinada pela linha acima descripta ficam em território hespanhol.

 

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Campos na periferia da aldeia de Lama de Arcos

 

ARTIGO 10º

Da ponte d’Assureira a linha de separação entre as duas monarchias se encaminhará pelos marcos ora existentes até ás immediações do Povo Promiscuo de Soutelinho, e passando pelos pontos que se demarcarão, perto do dito povo, que ficará em territorio portuguez tornará a encontrar o limite actual da fronteira, e continuará por elle tocando na Cruz da Fonte do Asno, Porto Cavallo de Cima, e de Baixo, Penedo dos Machados, Marco da Fexa, seguindo pelo ribeiro de Cambedo até á sua confluencia com o Valle de Ladera.

 

O povo promiscuo de Soutelinho pertencerá a Portugal, demarcando-se-lhe em território de Hespanha, uma zona de noventa a cem metros de largo contigua à povoação.

 

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Rua principal de Lama de Arcos, com a igreja Portuguesa

 

ARTIGO 11º

A raia partindo do ribeiro de Valle de Ladera seguirá o leito d’este, e continuará pelo limite do termo municipal hespanhol de Cambedo até á Portella de Vamba, para dirigir-se á Penha ou Fraga da Raia. D’este ponto irá atravessando o valle do rio Tamega pelos marcos que hoje determinam a fronteira, tocará no Pontão de Lama, e logo passando próxima dos povos portuguezes de Villarelho e Villarinho, entrará no rio Tamega pela Fraga do Bigode ou Porto de Villarinho. D’aqui seguirá pela veia principal do rio Tamega até á confluencia do rio Pequeno ou de Feces, por onde subirá até á Fraga de Maria Alves, proseguindo depois pelo limite do termo municipal hespanhol de Lama de Arcos até ao Oiteiro de Castello Ancho.

 

Os dois povos promíscuos Cambedo e Lama de Arcos, com seus actuaes termos municipaes ficam pertencendo a Portugal.

 

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Pormenor de construções típicas rurais em Lama de Arcos

 

Artigo 27º

Havendo passado integralmente ao domínio e soberania de Portugal, em virtude dos artigos 10º e 11º os tres povos promíscuos denominados Soutelinho, Cambedo e Lama de Arcos, e ficando igualmente sob o domínio e soberania de Hespanha, em vitude do artigo 7º, os tres povos do Couto Mixto, chamados Santa Maria de Rubias, S.Thiago e Meaus, conven ambas as partes contratantes, que tanto habitantes do Couto Mixto que sejam realmente subditos hespanhoes, como os habitantes do Couto Mixto que sejam realmente subditos  portuguesez, possam, se assim lhes convier, conservar a sua respectiva nacionalidade. Para este fim tanto uns como outros decalararão a sua decisão as auctoridades locaes no termo de um anno, contado desde o dia em que se ponha em execução o presente tratado.

 

 

13
Ago16

Lamadarcos e além da raia


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Um pouco mais além da aldeia de Lamadarcos entra-se na Galiza, todas as montanhas de fundo que se veem na imagem são galegas, mas nem sempre foi assim, aliás só a partir de 29 de setembro de 1864 é que assim é, pois até aí Lamadarcos era considerada uma das três aldeias promiscuas que o nosso concelho de Chaves tinha, isto porque a fronteira entre o então Reino de Portuga e de Espanha era a meio da aldeia, dividindo-a a meio. Com o tratado das fronteiras (1864) as três aldeias promíscuas do concelho de Chaves (Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos) passaram a ser pertença apenas de Portugal, em troca Espanha recebeu as três aldeias do Couto Misto, até aí sem nacionalidade definida, gozando de um estatuto próprio de certa independência em relação a Portugal e Espanha.

 

 

10
Out15

Porque parece estar na moda...


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De vez em quando parece estar na moda falar-se do Couto Misto o que obrigatoriamente nos leva até aos povos promíscuos. A ligação entre ambos é, quase, apenas política e porque uma decisão política, dos então reinos de Espanha e Portugal acaba por ligá-los nas trocas de território das definições da fronteira entre ambos os reinos em 1864. Mas isso são coisas da História que já foi aqui explicado neste blog e num outro também de nossa autoria, que dá pelo nome de Cambedo Maquis.

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Pois hoje não tenho tempo para repetir aqui aquilo que já aqui disse, mas há sempre tempo para deixar aqui imagens das 3 aldeias que, então, eram conhecidas por aldeias promíscuas. E eram promíscuas porque todas as 3 aldeias eram divididas a meio pela fronteira o que fazia com que metade fosse pertença do reino português e a outra metade pertença do reino espanhol.

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Essas 3 aldeias, todas no concelho de Chaves, dão pelo nome de Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos. Anuncio-as sempre por esta ordem porque é a ordem que elas ocupam ao longo da fronteira seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, se nós estivermos virados de frente para a Galiza. Noias a que nos vamos habituando desde miúdo de as coisas às quais incutiram normas seguirem sempre nesse sentido. Mas isso para aqui até nem interessa. Ficam então pela mesma ordem anunciada as fotos das 3 antigas aldeias promíscuas do nosso concelho: Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos. Quanto ao Couto Misto e à História destras 3 aldeias, um dia destes fica prometido, aqui, o derradeiro artigo, devidamente documentado com o rigor que se exige. Inté!

 

 

23
Jul11

Galego-Português, Português antigo e Português/Galego actuais


 

 “As imagens também nos falam, dizem-nos coisas, contam-nos estórias e história. Esta sugere-me e leva-me por aí fora, desperta sentimentos, contos  de amor e ódio e tantas outras coisas, mas agora, fico-me por aqui. Mais logo virá a mesma imagem com as palavras que em mim despertou. Para já apenas esta imagem e, já a seguir, os Pecados e Picardias de Isabel Seixas.”

 

Foi assim que terminei o penúltimo post e, como não sou político e ainda cumpro as minhas promessas, aqui estou com o post prometido, que sei desde já, que será apoiado por uns, incompreendido por outros e contestado por muitos, mas a mim pouco me interessa o que fiquem a pensar deste post, pois é o que eu penso e sou teimoso, e sou flaviense, e sou um português do Norte ou um Galego-Português - que vem a ser a mesma coisa e, quem não pensar assim, paciência, pode abandonar a carruagem ou então, ponham-me fora dela, que a mim, já disse – tanto me faz e depois, lá diz o povo que mais vale só… e o povo sabe sempre o que diz,  e o povo tem sempre razão, e eu sou do povo.

 

Então aqui fica a imagem que despertou esta prosa e toda a que se segue:

 

 

 

 

As guerras entre vizinhos sempre existiram. Quer sejam daquelas mesmo a sério, com pancada, mortes e tiros ou das outras mais suaves, simples picardias, arrufos e troca de galhardetes. São, todas elas, guerras de território, de domínio, de interesses, de influência, de castas e famílias ou simplesmente de estar. São, ao fim e ao cabo, o lado animalesco da civilização humana de marcar e possuir territórios, tal como o nosso cão vai marcando os muros e as esquinas das nossas casas com o seu chichi… Tudo isto, para dizer que há por aí muita boa gente a quem é comum ouvir dizer que não gosta de espanhóis, precisamente, e quase apenas, por serem vizinhos, onde o argumento das guerras e invasões e divisões do passado servem e chegam para justificar o seu sentimento e, felizmente que só conhecem a história mais recente, senão, não gostariam de meio mundo e abominariam toda a Europa à qual pertencemos, pois segundo reza a história conhecida, desde os celtas, aos romanos, aos bárbaros, mouros e mais recentemente os franceses com as suas invasões, vierem aqui meter o bedelho metendo-se com quem cá estava. E quem é que estava cá? – Curiosamente, também reza a história que somos feitos de um pouco de todos os que nos invadiram, pois a raça portuguesa nem sequer existe, não tem certificado de origem, não tem pedigree… mas não entristeçamos nem se ponham praí a ouvir ou cantar fados, pois para nosso contentamento poucos serão os povos neste planeta que se possam honrar da sua genuinidade de raça, e depois,  sempre temos a nossa cultura e ia dizer também  a língua, mas essa, felizmente,  já não é só nossa.

 

Cambedo - (Dizem os mais velhos que o prédio da foto era traçado a meio pela fronteira entre Portugal e Espanha)

 

 

Pois foi a imagem inicial que me levou até estas palavras de introdução mas também às seguintes.

 

Observando bem a imagem, o céu é azul é uniforme, as montanhas estendem-se sem interrupção no horizonte mais distante e, mais perto do observador, alguma montanha com ou sem floresta. Um pouco menos perceptível, mais ou menos confundidas com a paisagem, estão 11 aldeias com pessoas dentro que respiram o mesmo ar, são iluminadas pelo mesmo sol, olham o mesmo azul céu, servem-se e bebem das mesmas fontes e falam a mesma língua. Mas por entre estas aldeias há uma linha imaginária, guiada aqui e ali por marcos de pedra  que dividem duas nacionalidades. De um lado espanhóis embora sejam galegos e do outro portugueses que não são galegos nem espanhóis e cuja diferença é tanta entre portugueses (do Norte) e galegos, que a primeira aldeia que se vê na fotografia, em tempos não muito distantes (até 1864), era dividida a meio pela tal linha de fronteira que separava famílias de um mesmo povo com a mesma língua de origem – o Galego-Português ou Português Antigo que inicialmente era falado em toda a Galiza actual, todo o Norte de Portugal (excepção para o Mirandês) e parte da zona centro de Portugal com limite geográfico conhecido na Ria de Aveiro, e assim foi até que evoluiu para o Galego actual na Galiza e para o Português actual em Portugal, mas ambas não muito diferentes do Português Antigo, tanto, que há estudiosos da língua que dizem hoje em dia que, tal como é chamado o Português de Portugal e o Português do Brasil, também deveríamos chamar ao Galego,  o Português da Galiza.

 

(Apenas um pedaço de granito ao alto separa Galegos e Portugueses)

 

Mas toda esta discussão do galego ser português da Galiza, curiosamente é discutida na Galiza e os Portugueses pouco ou nada sabem dessa discussão e se sabem, pouco lhe ligam. De facto na Galiza a discussão está lançada quer a nível de academias quer a nível político e partidário. Assim,  se o Galego (língua) fosse grafado seguindo o Acordo Ortográfico adoptado pela Academia Galega da Língua Portuguesa, que tem adeptos em grupos e partidos políticos nacionalistas galegos, onde até a União Europeia acabou por aceitar o galego como oralmente sendo português nas intervenções de alguns ex-eurodeputados galegos, dizia eu que a ser aceite esse Galego, pouco diferença faria do actual Português. No entanto, a Real Academia Galega apoiada pelos partidos políticos espanhóis como o PSOE e o PP, já defendem outro Galego, o que actualmente é oficial na administração galega, este já com influências do castelhano e com algumas diferenças em relação ao Português actual e ao outro Galego defendido que é quase Português.

 

(Soutelinho da Raia em tempos foi uma aldeia promíscua dividida a meio pela fronteira)

 

Mas nem há como uma exemplo para melhor se entender. Tenhamos o início do “Pai nosso” como exemplo:

 

Em Português: Pai Nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no céu.

 

Em Galego grafado de acordo com a Academia Galega da Língua Portuguesa: Nosso Pai que estás no Céu, santificado seja o Teu nome, venha a nós o Teu reino e seja feita a Tua vontade aqui na terra como nos Céus.

 

 Em Galego oficial segundo a Real Academia Galega: Noso Pai que estás no ceo, santificado sexa o teu nome, veña a nós o teu reino e fágase a tua vontade aqui na terra coma no ceo.

 

Já agora, para terminar e comparar, veja-se o que é grafado em Espanhol: Padre nuestro que estás en los cielos, santificado sea tu Nombre, venga a nosotros tu reino y hágase tu voluntad en la tierra como en el cielo.

 

Tirem daqui as Vossas conclusões que eu sobre o assunto não digo mais nada e se calha, aqueles que não gostam dos espanhóis, até tem as suas razões. Mas eu não quero falar de espanhóis, mas antes, isso sim,  de galegos e da sua língua.

 

(ainda hoje Soutelinho da Raia termina onde termina Portugal)

 

Por questão de três meses ou quatro que não nasci a uns metros da fronteira  entre Portugal e a Galiza, mais propriamente na fronteira entre Vila Verde da Raia e Feces de Abajo, talvez por isso, tenha um sentimento de irmandade para com o povo galego que, mesmo sendo espanhol, é mais português que a grande maioria do povo que habita Portugal, principalmente o do Sul. Os galegos, tal como nós transmontanos e Norte de Portugal, somos os descendentes do  povo do Norte que durante séculos resistiu e os mouros não conseguiram conquistar. Pena que as guerrinhas de território, interesses, castas e famílias não soubessem, quisessem  ou conseguissem manter a hegemonia  que reinou contra mouros e outros povos invasores e depois  partissem por esta península ibérica adentro repartindo-a em lotes, pena também que muito antes a Galaécia não tivesse resistido às invasões bárbaras. No entanto, resta-nos a consolação n(d)essa mesma Galaécia ter nascido e sobrevivido o Galego-Português.

 

E termino dizendo que tal como o Português da Galiza deveria ser considerado Língua Portuguesa, também eu me sinto um Português descendente da Gallaecia romana.

 

(Também Lamadarcos até 1864 estava dividida a meio pela fronteira)

 

Tudo isto por uma imagem inicial do Cambedo da Raia que acabou por trazer aqui outras imagens dos povos promíscuos de igual condição, antes do Tratado de Lisboa de 1864, data em que o Couto Misto foi cedido a Espanha ou à Galiza em troca de metade das povoações de Soutelinho da Raia, Cambedo da Raia e Lamadarcos. Sobre isto ( Couto Misto ) já escrevi em tempos no Blog Cambedo Maquis tudo que sabia e tinha a contar.

 

Ainda sobre a primeira foto que despertou esta prosa de galegos-portugueses e o seu romance, a primeira imagem que me sugere é a de Juan, natural de uma aldeia galega (Casas dos Montes) a escassos metros de onde a foto foi tomada e que no dia 20 de Dezembro de 1946 subiu esta encosta mais próxima, entalado entre Salazar e Franco, para de novo a descer e ser assassinado a uma centena de metros do Cambedo. Um herói, um mártir, um Juan do povo Galego-Português que apenas queria sobreviver a uma guerra civil e que ao lado de um senhor da guerrilha, o Demétrio,  teve o azar de pernoitar na noite de 19 para 20 de Dezembro na povoação do Cambedo. Já uma vez o disse e volto a dizê-lo, a par do flaviense Francisco Pizarro que as castas flavienses teimam em ignorar, trocando o seu ser flaviense, coragem e bravura  por um não flaviense que cobardemente virou costas ao povo de Chaves quando os franceses nos invadiam pela segunda vez, tenho o Juan como um mártir e o Demétrio como um senhor que combateram pela vida, justiça e liberdade. Eles são os meus heróis do passado que defenderei sempre enquanto os meus dedos tiverem forças para teclar.

 

Tudo isto por uma imagem.

 

 

19
Abr09

Lamadarcos - Chaves - Portugal


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Ainda há dias quando por aqui passou o post da Pastoria eu dizia como dava gosto deixar a cidade para trás quando as aldeias nos recebiam com o seu verde a contrastar com o céu azul, onde os únicos sons que se ouvem, às vezes, é o do vento a passar pelas folhas das árvores, como quem acompanha toda uma sinfonia do cantar das aves, onde nesta visita, até o cuco nos brindou com o seu canto. Também é assim a entrada e estrada que nos leva até Lamadacos e que se repete na própria aldeia nos caminhos e carreiros do contrabando.

 

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Hoje vamos até Lamadarcos, com o seu post alargado, mas não é a primeira vez, pois já por diversas vezes aqui mencionamos a aldeia, pois é de referencia obrigatória quando se fala em terras da raia, quando se fala na sua promiscuidade e quando se fala no couto misto ou mixto, esse “reino maravilhoso” que existiu até ao ano de 1864 e só terminou no Tratado de Lisboa desse mesmo ano.

 

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Mas afinal o que foi o Couto Misto!? Para não me estar a repetir deixo por aqui o que disse sobre o assunto no post de 14 de Dezembro de 2007, onde a respeito do Cambedo abordava o Couto Misto:

 

 “Imaginem que três aldeias da raia entre Portugal e Espanha se constituíam numa pequena república, com regras e privilégios muito próprios e independentes dos dois estados, em que os naturais dessas aldeias poderiam optar pela nacionalidade portuguesa, pela espanhola ou por nenhuma delas, que não pagavam tributos ou impostos nem a Portugal nem a Espanha, que não usavam documentos de identificação pessoal e que juridicamente não estavam sujeitos a nenhum dos estados, que podiam usar armas sem qualquer licença e que não cumpriam o serviço militar nem em Espanha nem em Portugal. Uma república onde não existiam impressos, papeis selados, modelos ou normas, etc, e que em qualquer papel comum podiam fazer todo o tipo de acordos, contratos ou documentos. Uma república que se auto governava e discutia os seus assuntos ou firmava acordos em assembleia com todos os seus habitantes e que elegia entre os seus, um Juiz que exercia as funções governativas, administrativas e judicias, auxiliado por homens-bons das três aldeias, também eleitos entre si e, que guardavam o seu arquivo e selos numa arca de madeira fechada a três chaves (uma por cada aldeia), que para abri-la, além das três chaves, tinham de reunir a presença de pelo menos 12 homens-bons das suas aldeias.

 

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Imaginem uma república que podia comprar e vender, quer em Portugal quer em Espanha, todo o tipo de produtos e mercadorias, sem com isso ter obrigação de pagar direitos, apresentar guias ou qualquer documento aduaneiro. Uma República que não permitia a entrada das autoridades espanholas ou portuguesas em perseguição de qualquer indivíduo de um desses estados, excepto os perseguidos por delitos graves, como o homicídio, mas que além de não permitirem a entrada das autoridades, ainda acolhiam os fugidos e lhes davam asilo. Imaginem ainda que nas terras desta república podiam cultivar todos os géneros, sem quotas ou objecto de estanco como o tabaco.

 

Pois não é necessário imaginarem mais, porque essa república existiu mesmo e dava pelo nome de Couto Misto ou Couto Mixto e, era composta pelas aldeias de Rubiás, Meaus e Santiago. Aldeias de montanha, localizadas entre o Concelho de Montalegre (Portugal) e os concelhos de Baltar, Calvos e Randim (Galiza), tinha cerca de 27 hectares de território e menos de 1000 habitantes. Foi assim desde o início da nacionalidade portuguesa até ao de 1864”

 

Para saber mais sobre o Couto Misto seguir este link: http://chaves.blogs.sapo.pt/231841.html

 

Ou então consultar o blog cambedo-maquis

 

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E o que tem a ver Lamadarcos com o Couto Misto!?

 

Pois no mencionado tratado de 1864, Portugal e Espanha, fizeram  uma rectificação de fronteiras em que o Couto Misto passava para o reino espanhol e em troca Portugal ficava com a totalidade das aldeias de Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos, pois até aí eram aldeias promíscuas, ou seja, aldeias que eram divididas ao meio pela fronteira.

 

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Então poderemos dizer que até 1864 havia a aldeia de Lamadarcos espanhola e a aldeia de Lamadarcos portuguesa.

 

Ainda hoje existem por lá se distingue a Igreja Portuguesa e a Igreja Espanhola e os seus habitantes ainda sabem traçar a fronteira que então existia e que atravessava pátios, casas e a rua principal e até se contam estórias da casa que tinha a cozinha em Espanha e a sala e os quartos em Portugal.

 

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Mas em termos de vida, usos e costumes, tudo continuou igual como igual é o povo da raia de um lado e do outro da fronteira, com a única diferença que as trocas, tornas e comércio que até aí se faziam no íntimo de uma aldeia, se passou a fazer clandestinamente pelos caminhos e carreiros do contrabando que ligam Lamadarcos às aldeias mais próximas galegas. Também como sempre ainda hoje não se estranha que também pelas ruas de Lamadarcos às vezes a língua que se ouve seja a galega.

 

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Muitas estórias há pela certa para contar na história de Lamadarcos. Estórias dos seus tempos promíscuos e estórias de clandestinidade com contrabandistas e guardas-fiscais como principais protagonistas, mas também no grande pulo e passagem de “peles” (os nossos emigrantes dos anos 50 a 70) que também por Lamadarcos tinha uma das suas rotas e também de políticos a caminho do esílio, Algumas estórias que pela certa a população mais idosa ainda conhecerá e muitas que se perderam para todo o sempre.

 

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Mas vamos lá saber mais um pouco de Lamadarcos, que é sede de freguesia, à qual pertence também a aldeia de Vila Frade.

 

Lamadarcos é assim terra da raia, que fica a 15 quilómetros de Chaves e que tem como companheiras de raia as aldeias de Vila Verde da Raia e de Mairos.

 

Aldeia situada a nordeste do vale de Chaves, na margem esquerda do rio Tâmega, já nas faldas da serra da Cota, a uma altitude compreendida entre os 390 e os 530 metros de altitude, confrontando com as terras da Galiza. Possui abundantes águas e daí todo o seu verde que tão agradáveis faz as suas entradas e também, por isso,  belos prados e veigas que produzem cereais, legumes, frutas, vinho e batata.

 

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O topónimo Lamadarcos que às vezes também aparece como Lama de Arcos, tem sido objecto de estudo dos nossos historiadores, mas todos parecem encaminhar a origem do topónimo precisamente para Lama de Arcos, que teria origem ou faziam referência aos arcos pertencentes a uma ponte que existiria sobre o ribeiro do Rosmaninho. A ponte ou pontilhão de arcos desapareceu com as possíveis intempéries, mas o topónimo permaneceu. Até prova em contrário, também eu aceito esta hipótese, embora, como tudo na história, fique sempre em aberto outras hipóteses e origens.

 

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Mas Lamadarcos não é só na simples promiscuidade  de uma aldeia dividida a meio que tem história, pois durante as demoradas guerras da Restauração, a parte desta aldeia, pertencente a Espanha, foi destruída e incendiada em 1641, pelas tropas portuguesas comandadas por Luiz Gomes de Figueiredo.

 

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Dissemos atrás que a aldeia ainda hoje tinha a Igreja Portuguesa e a Espanhola, embora em uso actualmente só esteja a portuguesa, no entanto a Igreja espanhola tem uma traça bem interessante, com o seu campanário lanceolado, a rosácea aberta sobre a portada principal e a capela mor, com um altar de pedra bem lavrado e de interessantes colunas serpeantes e outros motivos ornamentais. A imagem da padroeira, diz a voz do povo, que na data da sua inclusão em território português foi transferida pelos espanhóis para a aldeia de Feces. A igreja esteve dotada ao abandono quase durante um século. Foi restaurada em 1930 e decorada com estatuária, embora ainda hoje apresente o seu interior amplo, sem bancos, mas que deixam à vista todo o seu chão em pedra que não são mais que o fecho das sepulturas que existem no seu interior.

 

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A Igreja Matriz portuguesa, como é designada, possui uma arquitectura muito simples.

 

A padroeira é a Nossa Senhora da Conceição, que está representada numa bela imagem neo barroca que ostenta a seus pés o escudo de Portugal, no entanto o Santo que se festeja é o Stº António, no 2º Domingo de Agosto  e até há uns anos atrás, festejava-se também o Stº Amaro em 15 de Janeiro.

 

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E sobre Lamadarcos por hoje é tudo, pois ainda vamos de novo à freguesia para o post em falta de Vila Frade e depois disso ainda terá por aqui o seu mosaico. Assim para já ficamos por aqui mas ainda a tempo de agradecer a quem nos acompanhou e deu a conhecer a aldeia na nossa visita, com um grato obrigado ao sr. Orlando Serra e à sua filha Fernanda.

 

Até amanhã.

30
Nov08

Soutelinho da Raia - Chaves - Portugal


 

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Em dia de neve todos somos putos e como em Chaves (cidade) ainda não nevou, havia que ir à procura da neve onde de certeza a havia, e ontem, a oferta até era grande, bastava subir a uma das montanhas das redondezas e tudo estava vestido de branco.

 

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Para neve e nevões, nem há como o Barroso e Chaves, nesta sua condição de concelho de transição da terra fria para a terra quente, também tem um pouco de Barroso.

 

De facto o nosso concelho dilui-se bem nos concelhos vizinhos com as nossas aldeias de transição, principalmente com os concelhos de Vinhais onde as nossas aldeias do xisto (freguesia de S.Vicente da Raia) fazem a passagem, com o concelho de Valpaços onde desde Tronco até à Dorna se começa a descair para as suas terras, sendo Limãos um caso flagrante, pois para chegarmos até lá temos que entrar primeiro no concelho de Valpaços.

 

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Acontece o mesmo com os concelhos do Barroso, com Seara Velha a entrar por Boticas adentro ou Soutelinho da Raia, já instalado quase nas faldas do Deus Larouco. Por último temos as nossas aldeias da raia, que desde Soutelinho da Raia, passando por terras de Ervededo, Cambedo e toda a freguesia de Vilarelho também da Raia, passando pelas freguesias de Mairos e Travancas, para terminar de novo na freguesia de S.Vicente da Raia, onde Segirei fecha a promiscuidade que há entre o povo galego e o povo transmontano da raia, ou melhor, apenas um povo, o mesmo povo da raia de um e outro lado da fronteira, que pese embora tivesse existido oficialmente, nunca existiu entre estas aldeias.

 

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Claro que em tempo de nevão tínhamos que ir até uma das nossas aldeias barrosãs – Soutelinho da Raia.

 

Soutelinho da Raia é uma aldeia cheia de história e estórias, começando pela sua história da promiscuidade de ter sido, claro, um povo promíscuo, ou seja, uma aldeia que nos anos até finais do Século IXX era partilhada pelos reinos de Portugal e Espanha, com a fronteira a cortar uma das ruas principais da aldeia. Foi assim até a abolição do Couto Misto ou Mixto, aquele tal “estado” que pertencia a Portugal, mas também pertencia a Espanha e que quando convinha, nem pertencia a Espanha, nem a Portugal. Mas tudo isto já foi explicado aqui no blog e no blog Cambedo Maquis, onde se explica como as aldeias promíscuas de Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos, passaram para o reino português em troca do Couto Misto que passou todo ele a ser pertença de Espanha.

 

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Para quem não seguiu o Cambedo Maquis, fica aqui o linck para a promiscuidade dos povos da raia e o Couto Misto  ou aqui no Cambedo-maquis .

 

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Escusado será dizer que Soutelinho da Raia foi desde obrigatoriamente terra de contrabando, Guardas-Fiscais e contrabandistas e, também, terra que sofreu bem de perto a guerra civil espanhola e no pós guerra civil, também as passagens da guerrilha espanhola e a passagem de muito contrabando para a II Guerra Mundial. Tempos difíceis, apenas mal recordados pelo mais idosos (porque preferem esquecer) e duplamente penosos pela sua circunstância de aldeia da raia.

 

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Em termos de contrabando e Guarda-fiscal, era quase aldeia de passagem obrigatória para todos os guardas que escolhiam como fim de carreira a sua aproximação ao posto da cidade de Chaves.

 

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Soutelinho da Raia está implantada num planalto, bem lá no alto da Serra da Panadeira onde esta faz a transição para a Serra do Larouco. É uma das aldeias que assume em tudo as características do clima do concelho de Montalegre, com Invernos rigorosos, frios e geralmente secos e onde, sempre, caem, as primeiras neves do Outono ou os grandes nevões de Inverno e se não caem, tem sempre o ar frio da neve do Larouco por companhia.

 

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Fora do contrabando que durante muitos anos ajudou a povoar a aldeia, tem a agricultura como uma das suas principais actividades, ou quase única, com as culturas características das terras altas e frias da montanha, ou seja a batata, o centeio e a castanha.

 

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Castanha aliada à raia com a Galiza, que se crê estar na origem do topónimo de Soutelinho da Raia, ou seja um pequeno souto na raia. Também e até melhor explicação, aceito perfeitamente esta origem para o seu topónimo.

 

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Em termos de arquitectura tradicional do granito, podemos sem qualquer dúvida apontá-la como uma das aldeias mais típicas e interessantes, pese embora agora esse mesmo casario esteja em grande parte degradado e abandonado, mas mesmo assim, não perdeu o seu interesse e tipicidade onde até se encontra algumas recuperações cuidadas.

 

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É uma das aldeias do nosso concelho que merecem uma visita demorada e cuidada para apreciar o seu casario típico, o forno comunitário ou do povo, as fontes de mergulo, os cruzeiros, uma capela de galilé aberta e de devoção ao Senhor dos Desamparados, uma outra capela devotada ao Senhor dos Aflitos e a Igreja barroca cuja construção é apontada para os Séculos XVII ou XVIII e que tem como padroeira a Santa Bárbara. Contudo e segundo apurei é o Senhor dos Desamparados que tem direito a festa, cuja tradição a festeja no mês de Junho.

 

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Em termos históricos e políticos, consta na história da aldeia o assassinato do Tenente Coronel António Victor Macedo, vítima dos seus adversários políticos no dia seguinte ao combate de Valpaços, em 1846, travado entre Sá da Bandeira e as tropas da rainha S.Maria II.

 

Soutelinho da Raia é a única aldeia da freguesia com o mesmo nome. Possui 5.97 km2

 

 Em termos de população e despovoamento (e hoje não vou falar das políticas do esquecimento a que as aldeias estão sujeitas), deixo-vos apenas os números que falam por sí. Soutelinho e segundo os Censos de 2001 tinha 192 habitantes residentes, que pode fazer inveja a muitas aldeias, mas nem tanto se compararmos os números com os Censos de 1960 em que havia 493 habitantes, ou mesmo com os Censos de 1981 em que ainda havia 342 habitantes. Penso que em termos de população está tudo dito, mesmo assim ainda vai mantendo alguma população, embora os restantes números não sejam promissores para a sua manutenção, pois segundo o mesmo Censos 2001 apenas havia uma (1) criança com menos de 10 anos e 5 habitantes com menos de 20 anos.

 

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E só falta mesmo creditar aqui os créditos do post, pois ontem tinha prometido à minha criança levá-la até à neve, mas também tinha (a criança) compromissos inadiáveis para o meio da tarde, assim tinha apenas uma hora para a recolha fotográfica de ilustração deste post, tarefa que se apresentava quase impossível. Ainda bem que por aqui os amigos ainda são para as ocasiões e lacei o convite ao amigo Dinis Ponteira para uns bonecos na neve mas também para uma mãozinha na recolha fotográfica, que já sabemos, que saindo do seu olhar, são olhares de qualidade. Obrigado Dinis pela ajuda e para quem ainda não conhece o amigo e colega blogueiro ou companheiro de viagem na arte dos olhares sobre Chaves, fica aqui um linck para o seu blog, onde poderá encontrar outros lincks para as suas galerias de fotografia de olhares apurados sobre a cidade e outro locais: Dinis Ponteira

 

 

E por hoje é tudo. Amanhã cá estarei de novo com mais um ilustre flaviense.

 

Até amanhã!

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