Soutelinho da Raia - Chaves - Portugal
SOUTELINHO DA RAIA
Chegou a vez de irmos até Soutelinho da Raia, uma das aldeias do concelho de Chaves que mais vezes tem passado por este blog e que continuará a passar, não só por aquilo que fotograficamente falando nos proporciona, mas também pela sua história, pela sua condição de ser uma aldeia da raia, ter sido um antigo povo promíscuo, entre outras razões, como a de ser uma aldeia com características tipicamente barrosãs, como não poderia deixar de ser, não estivesse ela no grande planalto da Serra do Larouco, em pleno território do Barroso. E iniciámos com esta imagem, por sinal a mais recente que temos da aldeia e que calhou numa das nossas passagens com destino ao concelho de Montalegre, num ponto onde paramos sempre, junto ao rochedo que aparece em primeiro plano e desde onde, quase com um simples olhar, alcançamos a Serra do Larouco em toda a sua majestosa plenitude, todo o seu planalto, terras galegas e Soutelinho da Raia. Nem que fosse só por isto, já valia a pena ir por lá, mas Soutelinho da Raia é muto mais.
Hoje iniciámos este post com aquilo que poderemos considerar um clássico, ou um cliché fotográfico, ou seja, com aquilo que é mais comum fotografar-se para além de serem motivos obrigatórios a serem fotografados. Este último, quase poderia resumir aquilo que é Soutelinho da Raia, não só na sua beleza ou na riqueza da composição, com a sua Igreja, mas também uma capela, a sua fonte de mergulho e o tanque, a água, o azul do céu, o sol e a neve, o seu casario, as suas varandas, só falta mesmo o fator humano que por sinal neste local é sempre habitual, aliás como em toda a aldeia.
Mas que não falte esse fator humano, e cá está ele, na companhia do rigor dos invernos, numa representação daquelas que exigem respeito mas também compreensão que nada tem a ver com tradição, embora também o seja, refiro-me ao luto, pesado, vestido numa única cor, o preto, muitas das vezes, ainda, a única cor que vestirão para todo o resto das suas vidas, o preto negro do luto, voluntário, símbolo de dor, de ausência, de respeito e honradez, às vezes pelo companheiro, outras vezes pelos filhos, mas também pelo pai, pela mãe, pelo irmão(s), e às vezes, é tão pesado, que é por todos eles.
O FATOR HUMANO
Fator humano que por aqui também é símbolo de trabalho, da terra, que outra ocupação não há, embora em tempos, dada a sua condição de aldeia da raia seca, o contrabando também fosse uma fonte de rendimento e de trabalho, pelo menos para a Guarda Fiscal, onde existia um posto fronteiriço, mesmo a queimar a raia, Guarda Fiscal que acabava também por enriquecer o povoamento da aldeia, com os Guardas Fiscais e as suas famílias. Aliás estou em crer que
Fator humano que aqui embora ainda bem presente nas ruas e nas casas também não escapa à maleita da modernidade, a do envelhecimento da sua população, despovoamento e natural abandono do casario, embora em menor escala que na maioria das aldeias, ou pelo menos, nota-se menos. Uma maleita que há 30 ou 40 anos atrás já era previsível acontecer, mas que desde então nada se fez para a contrariar.
De facto as condições criadas após o 25 de abril de acesso à educação, para todos, passando até a ser obrigatória, e muito bem, até aos 18 anos ou 12ª ano, levou a que os nossos jovens não queiram regressar ao trabalho árduo da terra, que repartida como está, quase ou nem sequer dá para sobreviver. Também a facilidade e apoios para acesso ao ensino superior, levou a grande maioria a formar-se com um curso superior ou a ter habilitações para outras profissões que maioritariamente só existem nas cidades, principalmente nas de maior dimensão. Claro que é mais que compreensível que depois de uma vida a estudar, principalmente agora que só a licenciatura já é coisa pouca no mercado tão competitivo, vendo-se os nossos jovens obrigados a continuar os estudos com mestrados, doutoramentos e outras graduações e até outras licenciaturas, dizia eu que era compreensível que não voltassem à sua aldeia para pegar na enxada, semear umas batatas, plantar umas couves e ter meia dúzia de galinhas e um reco, coisas boas por sinal, mas muito pouco para poderem ter uma vida digna e ate poder sobreviver com elas.
E nada contraria este estado de coisas, aliás antes pelo contrário, tudo que se dita e decide em Lisboa é feito no sentido contrário, o da centralizar nos grandes centros toda a vida económica, de trabalho, administrativa de ensino, etc. Grandes e médios centros cada vez mais povoados e amontoadas com todo o nosso interior a desfechar em sentido contrário – envelhecimento, despovoamento e abandono das terras e das casas, com velhos a viver das reformas e sentados nas escaleiras das casas à espera que as horas passem. Ou isto que é o pouco e tudo que têm ou um lar, que na maioria dos casos não passa de um lucrativo negócio de armazenamento de velhos.
Embora Soutelinho da Raia não seja o melhor exemplo desta maleita do despovoamento e envelhecimento, aliás que lá for ainda vê uma aldeia com vida, penso que, mesmo sendo uma das aldeias localizada no limite do concelho, vai servindo também de dormitório a pessoas que trabalham na cidade, sem dados para o garantir. Mas ainda se vive um certo espírito comunitário, já não há tabernas mas há cafés e no tanque comunitário ainda se lava roupa.
E nas ruas há sempre gente, nos seus afazeres, ou simplesmente estando em amena cavaqueira, vindos ou indo para outros trabalhos, aparentemente felizes, talvez herança dos tempos em que Soutelinho da Raia era um povo promíscuo em que a aldeia era atravessada a meio pela linha de fronteira, onde de uma lado da aldeia viviam portugueses e do outro galegos. Um mesmo povo, a mesma aldeia, duas nacionalidades. Até 1864 Soutelinho da Raia era assim, promíscua.
Embora o termo “promiscuidade”, em geral, seja utilizado em coisas mais depreciativas, aqui tinha um sentido romântico e até bem interessante. De facto podemos-lhe aqui utilizar o seu significado de mistura e indistinto, mas apenas na nacionalidade e na obediência a reinos e leis diferentes, de resto era apenas um povo misturado e indistinto de portugueses a galegos, assumindo aqui o indistinto o significado de não haver diferenças entre a povoação.
Estas aldeias promíscuas eram casos únicos, por sinal aconteciam em três aldeias do concelho de Chaves: Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos. A par destas aldeias, aqui bem próximo (do outro lado da Serra da Larouco) existia o Couto Misto (Couto Mixto) também com três aldeias: Santiago, Rubiás e Meaus. Era um micro estado independente encravado entre Portugal e a Espanha e que não estavam ligados nem à coroa portuguesa nem espanhola, tinha leis próprias, direitos e privilégios, isenção de impostos e dava asilo a foragidos da lei de Portugal e Espanha, exceto para crimes de sangue. Em 1864 com o tratado (das fronteiras) de Lisboa, os reinos de Portugal e Espanha chegaram ao acordo de as três aldeias promíscuas (Soutelinho da Raia, Cambedo e Lamadarcos) passaram na totalidade para o reino de Portugal, enquanto que o Couto Misto (Mixto) passou para o domínio do reino espanhol. Para saber mais sobre os povos promíscuos e o Couto Misto, siga os links no final do post.
Sobre o fator humano falta falar das atividades e iniciativas da juventude de Soutelinho da Raia que ia organizando alguns eventos para a população, mas também para todos os que quisessem participar. Há anos (2012) fomos a uma das suas iniciativas, só ver, fotografar e comer. Tratou-se do 2º Passeio de BTT. Não sei se ainda continuam ativos. Confesso que com a nossa aventura de descobrir todo o Barroso. Temo-nos descuidado um pouco com as aldeias flavienses. Espero que continuem ativos com as suas iniciativas.
Os invernos e o Larouco
O Larouco é também uma imagem de marca para Soutelinho da Raia, não só goza do seu planalto superior como goza das suas vistas, por sinal das mais interessantes que se podem lançar sobre o Larouco, de inverno muitas das vezes coberto de neve e nas restantes estações a mostrar todo o esplendor da sua grande encostas que só termina aos 1535 metros de altitude. Assim, se for por a Soutelinho da Raia, percorra a aldeia toda até ao final das suas ruas e contemple aquele que também é apelidado por Deus Larouco.
Neve e nevadas às quais Soutelinho da Raia está bem habituada, pois é visita recorrente todos os invernos. Pode não vir para ficar, mas às vezes fica durante uns dias. Aliás a neve e o frio seco de inverno também fazem a tempera desta gente barrosã do planalto do Larouco, mas também quando todo o vale de Chaves está mergulhado num mar de nevoeiro, ele lá no alto gozam do radioso sol de inverno, que sempre vai dando algum calor e alegria aos seus dias.
A Igreja
Já de início deixamos uma das que também é imagem de marca de Soutelinho, aquela com a fonte de mergulho e a igreja de fundo. Uma belíssima igreja localizada logo no largo de entrada da aldeia. Bonita e bem enquadrada exteriormente mas também muito interessante no seu interior, e agora ainda mais, com a descoberta e recuperação das pinturas, frescos de parede com que quase todo o seu interior está revestido, um deles datado de 1748, um ex.voto.
O Casario e seus pormenores
A primeira vez que fui a Soutelinho da Raia, já há uns bons 30 ou 40 anos que me rendi logo à beleza das suas ruas e do seu casario, passando a ser desde então uma das minhas aldeias de referência para aquilo que temos de melhor ao nível do conjunto mas também de pormenores no que respeita ao casario típico transmontano e no caso também barrosão.
Com o tempo, fui indo por lá amiúde, sempre de máquina fotográfica na mão. Primeiro as ruas principais, depois as outras, os pormenores são para descobri sempre que vou por lá, mas o que mais me fascina, é a aldeia manter a sua integridade, sem grande feridas no conjunto do seu casario, mesmo nas recuperações, ficando as construções novas, fora deste núcelo antigo, tal como deve de ser.
Dai não ser estranho que Soutelinho da Raia, talvez a par de Seara Velha, serem as aldeias que mais vezes têm passado aqui pelo blog. São os meus trunfos para quando não há tempo de cumprir com as aldeias flavienses, pois no meus arquivo fotográfico destas duas aldeias há sempre imagens a pedirem para serem publicadas e divulgadas.
Espero continuar a ir e encontrar assim Soutelinho da Raia, não só para manter a sua beleza mas também para a poder continuar a indicar como visita obrigatória a quem visita o concelho de Chaves e gosta do mundo rural.
Muito mais teríamos para deixar aqui sobre Soutelinho da Raia e já muita coisa fomos deixando ao longo da existência deste blog, mas temos de deixar ainda alguma coisa para podermos continuar a trazer aqui esta aldeia, que temos vindo a fotografar desde o nascer do sol até ele se pôr, principalmente nestes últimos tempos das nossas andanças pelo Barroso em que Soutelinho da Raia nos calha quase sempre nos nossos itinerários, de ida ou regresso a Chaves.
E para finalizar, aquele que já vai sendo habitual nos últimos tempos do blog, um vídeo com todas ou quase todas as imagens aqui publicadas até hoje. Após o vídeo ficam os links para mais informação sobre as aldeias promíscuas e o couto misto.
link para o vídeo no youtube:
Para saber mais sobre os povos promíscuos e o Couto Misto:
https://chaves.blogs.sapo.pt/lama-de-arcos-chaves-portugal-e-um-1636026
https://chaves.blogs.sapo.pt/231841.html