Ocasionais
“QUINZENTENA”
“QUINZENTENA”
“O homem não se rende aos anjos,
nem se entrega inteiramente à morte,
a não ser pela fraqueza
da sua frágil vontade”-
-Edgar A. POE-
À minha porta passou um destes goliardos da moda, com o «pópó» em marcha lenta e os altofalantes no máximo, aproveitando o movimento e as filas de pessoas para entrada no CAFÉ, na Pastelaria, na Clínica Veterinária, no “Euromilhões”, no Talho, na Lavandaria, no “Take Away”, no super-mini-Mercado, no Multibanco, na Farmácia a convidar, ou a provocar, a que as pessoas reparassem no carro novo, com dez anos de livrete, que acabara de comprar, a prestações, no stand que mais alargadas condições de crédito lhe tinha dado.
Fazendo uma aceleração, com um chiar de pneus, lá ao cimo da rua, sumiu-se na curva da «poça».
O sol e o cheiro a Primavera tentaram-me a sair à rua.
Sei lá bem por quê, lembrei-me que o meu amigo Jorge Agamben me disse, se a memória não me falha, que o estado de excepção era «o momento do direito em que se suspende o direito precisamente para garantir a sua continuidade e, inclusive, a sua existência».
Fiz a vontade à tentação. E fiz uma excepção ao estado de excepção.
Saí à rua!
Tive a sorte de ver dois melros e um casal de lavandiscas a pisgarem-se para o arvoredo de um quintal vizinho. Nos arbustos do meu jardim, os pardais chilreavam tanto que até pareciam andar engaliados.
E vejo por aqui criaturas excepcionais a quem o estado de excepção confere uma excepcional excelência de atitude e de comportamento.
Um cliente do Talho estaciona ao viés o seu automóvel. Sai da viatura com ar severo, depois de ter afivelado todos os músculos do rosto com um aperto mais puxado que o das albardas das burras e burrecos do «comboio de Seara Velha»! Empurra o ar com um «pipo» onde armazena zelosamente bifanas, entrecosto, costeletas, «francesinhas», feijoada e umas grades de «bejecas»! Olha para os transeuntes com ar de castigador imperador. Convencido de que elevava o grau da sua alpina importância, arrima os óculos para cima da cabeça! De acordo com o estatuto social que se atribui a si mesmo, calcula a excepcional distância coronovírica e aguarda a vez de ir encher a saca que pendura na mão direita.
Um casal, também acabadinho de chegar no seu Renault Clio de 1990, estaciona de tal forma que nem à esquerda nem à direita cabe um «papa-reformas»: ganharam espaço para abrir as portas do seu «topo de gama», com uma solenidade e ares de grandeza realmente mais «grande»! Ambos vestem (para ser mais fino, pois falo de «gente fina», não digo calçam!) luvas e usam máscaras ANTI-COVID/19!
Passados uns largos minutos (Não!... Que se fossem estreitos minutos os que estavam, cá fora; à espera, não reparariam na excepcional exigência na selecção das suas compras!) vi-os sair, a ela, com uma saca colorida e meia cheia de mercearia; a ele, com duas «boxes» de 5 litros, cada, de vinho alentejano.
Do lado de lá da rua, sobe o passeio e pára à porta de uma CAFÈ um jovem de trinta e cinco anos - se tivesse trinta e seis já não lhe podia chamar jovem, segundo a lei empresarial – ministerial - com a cara tapada por uma máscara e as mãos tapadas com umas luvas, uma e outras também anti-pandémicas!
Não demora muito, e vejo, entre os grupos que se dirigem à Farmácia, à Lavandaria, ao “Euromilhões”, ao «Continente», à Pastelaria, ao «Multibanco», pessoas a menearem a cabeça e a balouçarem as mãos, preocupadas em exibir os privilégios de serem pessoas excepcionais, muito especialmente neste estado de excepção; senhoras de recursos excepcionais para, neste regime de excepção, se defenderem excepcional e excelsamente do «coronavírus chinês»!
Realmente! O regime de excepção cria mesmo gente de excepção!
Cria mesmo gente excepcional!
Toda a equipa médico-sanitária se queixa da falta de máscaras e de luvas - e de outros equipamentos fundamentais para o exercício das suas tarefas (e que não são assim tão poucas!), e, pelas ruas e alamedas deste «jardim da Europa» - como se a Galiza e a Andaluzia não fossem também um jardim!... - «à beira do mar plantado» passeiam, «garbosos e contentes», dezenas de “combatentes anti-vírus”, com ar de super-heróis - de quem até o ZORRO teria medo e vergonha!...
Ontem, numa Farmácia aqui vizinha, entrou um “MASCARILHA-COVID /19”, com ar de “Batman” à portuguesa!
Coitado! Não fora a «doutora de Framácia» (a farmacêutica) chamar-lhe a atenção para a máscara colocada ao contrário e este «tugalês» excepcional ainda a estas horas andaria por aí a fazer «alegre» figura! E se o Bronco Bustin visse este MASCARILHA-COVID /19”, de tanto rir, até daria um tiro no pé!
Como agora, por decreto presidencial, mais rebeladamente afectivo do que efectivo, uma «QUARENTENA COVÍDICA» é igual a quinze dias, uma QUINZENA de FÉRIAS será de quarenta dias», olarilolela!
Ah! Sindicalistas!
O Povo é quem mais ordena!
Se uma QUARENTENA SANITÁRIA é de quinze dias, uma QUINZENA de FÉRIAS tem mesmo de ser de quarenta dias!
A luta continua!
E há já muito que não se falava de guerra!
Vejam só a coragem, a valentia, o arroubo, o «lanço» com que os nossos pistoleiros de treta e das tretas, os nossos guerreiros «parlamenteiros» e bem-governados falam de guerra, graças ao seu enorme conhecimento e sabidola experiência adquiridos no uso «exponencial» de pistolas e de metralhadoras ……………de plástico ……… ou dos vídeo - jogos!
Treinos desses não os tive eu, nem alguns de vós, caraças!
Coisas e loisas de uma excepcional pandemania de excepção!
(Agora a sério: espero que «a íntima solidariedade» entre Democracia e Totalitarismo não esteja a brincar connosco).
Mozelos, vinte e oito de Março de 2020
Luís Henrique Fernandes, da Granginha