Crónicas de assim dizer
Um desejo
Olhei para a porcaria da estrela e fiquei à espera. E ela a olhar para mim, fixamente, como se não percebesse! Disse- lhe: então, não fazes nada? Mas eu não sou cadente! Não és cadente, mas tens poderes! O poder de...? De me concederes um desejo! Mas tu não tens desejo? Não é isso, que diabo! Então é o quê? Estás aí parada a olhar para mim, como se o que eu quisesse não fizesse sentido! E, sabes que mais, pode não fazer para ti, mas faz para mim! Se fizesse para ti, já tinhas feito! Ah, então é isso! O quê? Tu não sabes o que queres, porque se soubesses, já o tinhas feito! O que vale para mim, vale para ti!
Pareceu-me que a estrela estava a desconversar ou a fugir àquilo que eu julgava serem as suas obrigações e emudeci. Mas ela continuou: deves ter ouvido dizer que às estrelas se pode pedir um desejo, mas não é isso que estás a fazer! Ouvi-a e continuei sem dizer nada, mas ela notou que eu estava atenta e como que expectante pela sua opinião. Continuou: o que tu queres é um conselho e isso eu não te posso dar. Porquê...? Porque eu não sou desse mundo, eu não vivo o que tu vives, eu não pertenço à tua vida! Sou uma estrela, acordo e vivo de noite e desapareço de dia, embora esteja sempre lá e tenha na mesma vida, como tu quando dormes, e essa verdade torna o nosso relacionamento incompatível! Como!?
Pareceu- me que a estrela estava a entrar por um caminho que a mim não me agradava, a pôr-se de fora, assim em linguagem vulgar para se perceber rapidamente e sem rodeios. Continuou no seu discurso pouco claro: eu não sou o teu espelho! Se queres um conselho porque não falas contigo? A sós, numa conversa intimista. Não me importo de servir de vela, embora a esta distância não te sirva de muito o eu estar! Aqui fiquei mesmo sem saber o que lhe dizer. Ela percebeu que eu tinha ficado desapontada e acrescentou: quando quiseres um desejo podes pedir-mo, não sou cadente, mas tenho uma amiga capaz de os conceder e que nunca me falhou, mas primeiro tens de o formular objectivamente. Já pensaste se eu o entendo mal e to concedo? É melhor não correrres esse risco e depois, se fizeres o que eu disse, vais-te surpreender! De que forma? Quando pedires claramente o teu desejo, em voz alta, vais perceber que não precisas nem de mim nem da minha amiga.
Baixei por momentos os olhos como a interiorizar o pensamento que a estrela me tinha enviado e quando reergui o olhar, ela já lá não estava! Há estrelas do arco-da-velha! A gente pede-lhe um desejo e elas dão- nos um conselho!
No dia seguinte, à mesma hora, porque sou teimosa como um burro, olhei para o céu. Havia muitas estrelas, mas a minha não a encontrava! Esta coisa da terra se mexer, é mesmo verdade! Desesperada, ainda perguntei por ela, a uma vizinha, julgava eu! Como, ontem o quê, falaste com quem? E veio- me, com a pergunta desta nova estrela, a consciência do significado do momento único, a percepção do irrepetível, o sentimento da perda...
Nos dias seguintes, à mesma hora, porque não há nenhum burro tão estúpido que não aprenda, mandei vir um céu nublado, assim como quem pede uma entrada de refeição e veio, acreditem que veio! Cheguei a pensar, Deus me perdoe, que a estrela dos conselhos tinha ido falar com a amiga, a cadente, que tinha percebido tudo mal, porque eu às vezes tenho dificuldade em me exprimir e digo: céu nublado querendo dizer céu limpo! O que me valeu depois disto foi a sapateira recheada! Há coisas mesmo boas, assim facilmente, à nossa disposição!
Cristina Pizarro