Pedra de Toque - As Deolindas
AS DEOLINDAS
Três. Eu conheci-as.
Uma, lembro-a toda de preto vestida.
Encarquilhada, anciã, senhora de muitos filhos (um deles meu pai), professora de muitos alunos ensinados.
Viúva, respeitadíssima, mãe extremosa, maestra venerada por todos, muitos, que com ela aprenderam palavras, números, história e geografia pátrias.
Quando pereceu, vi meu pai chorar convulsivamente.
Só lhe voltei a ver lágrimas marejando nos olhos quando pressentiu a morte rondando e sofreu com as saudades que levava de nós.
A minha avó Deolinda, morreu gasta mais pelas agruras do que pelas benesses da vida.
Recordo-a serena, generosa, extremamente devota. Tinha pouco mais de doze anos quando ela partiu.
Nunca ouvi nada em seu desfavor.
Na altura acreditei piamente, que iria para o céu, onde só pode estar, se céu existe.
A outra Deolinda que foi criança, foi menina, hoje é mulher mas desde sempre mais LINDA que Deolinda.
Linda para todos. Para os (as) amigos (as) fidelíssimos (as) que a adoram.
Linda para os olhos que poisam no seu sorriso, na alegria que irradia, mesmo quando enfrenta o desencanto com que a vida nos brinda.
Mulher companheira e solidária, sempre presente mesmo quando lhe dói a amargura e a teimosia, nunca lhe beliscando o amor que tem pelos dela.
Mãe, muito mãe, com a determinação e a força que se derretem perante as crias, que compreende, que defende, ainda quando tudo é aparentemente, só aparentemente estranho e difícil.
Linda irmã, é sangue do meu pai, sangue da minha mãe.
É os genes que adivinha a tristeza ou a felicidade, logo na primeira palavra que o telefone faz chegar.
Linda é a amizade sem limite.
Houve uma outra Deolinda, que … já não está.
Que as outras me perdoem, mas foi a memória dela viva, vivíssima, que ontem me ressuscitou a saudade em momentos de êxtase.
Se a paixão, ainda que fugaz aconteceu na minha vida, ela ficou nas sardas da Deolinda, no seu sorriso radioso, que me percorria o corpo todo, até à seiva com que regava os espasmos mais íntimos de felicidade.
Serena-me a certeza que não foram minhas mãos, nem meus beijos, sempre rebuçados de ternura (muita), que lhe contaminaram os seios belos.
Partiu, dolorosamente, muito antes do tempo certo.
Os deuses são por vezes tão injustos!...
António Roque