Fotografia e texto de Blog da Rua Nove
DOMINGO EM SANTO DOMINGO
Doña Consuelo alongava o seu olhar pelo intenso azul-larimar do céu. Por entre o aroma fresco que as chuvas da noite haviam deixado nas buganvíleas e azáleas, a cidade velha descia para a embocadura do Ozama, castanho e turvo das águas terrosas que trazia das montanhas e planaltos. Toda as pequenas vagas da marginal estavam assim manchadas, parecendo as palmeiras estar plantadas sobre uma líquida e espumosa ondulação de cacau. Só ao longe o azul-turquesa do mar se deixava ver. Uma finíssima linha, mais parecendo lápis-lazúli que azul turquesa, debruando toda a imensidão daquele larimar que se lhe sobrepunha.
Com um lenço leve e transparente protegendo os rolos que lhe moldavam o cabelo rebelde, deixava que a aragem matinal entrasse pelas janelas e a envolvesse. Ajoelhada perante uma imagem em madeira da Sagrada Família, deixava também que as primeiras orações do dia se misturassem com as promessas do novo novio. Promessas de salsa e merengue no fim de tarde daquele domingo, prolongando-se fora de casa até ao luar da meia-noite. A oração era um movimento de lábios encobrindo ritmos salseros. Sabia que apenas na missa da sé a sua fé não se distrairia.
Caminhou até à catedral para a missa da manhã, ignorando as mulheres que cedo se ofereciam nas transversais da Calle del Conde e o olhar guloso dos homens que pacientemente se sentavam à sombra, nas esplanadas do Parque Colón. A igreja estava já repleta, a missa sabia-se longa. Seria pela remissão dos pecados, pelo perdão de pensamentos e tentações. Alinhadas junto das colunas quinhentistas, as esguias ventoinhas verde-esmeralda traziam o ambiente dos trópicos para o cerimonial. Em tudo mais se mantinha a ortodoxa dignidade católica do velho mundo.
Compenetrada nas suas orações, doña Consuelo em nada mais pensava, nada mais imaginava. Não imaginava o sorriso, que era um esgar, da escanzelada mulata de meia-idade oferecendo-se por míseras centenas de pesos à porta da sé. Nem os candongueiros que se movimentavam na Calle Padre Billini, oferecendo charutos artesanais e câmbios ilegais. Nem o olhar do novio, que entretanto chegara à esplanada do parque, envolvendo uma espanhola, alta, morena e cheia de curvas, sentada duas mesas mais à frente. Nem a inquietação da espanhola. Nem a conversa entre os dois. Nem a mútua promessa de se encontrarem no Malecón ao princípio da noite. Nem a posterior ansiedade da espanhola, retocando incessantemente a maquilhagem para disfarçar a barba que despontava.