Pedra de Toque - Domingo de Ramos
Domingo de Ramos
Hoje, os leitores compreenderão, escrevo para a minha madrinha.
Também tive uma madrinha.
Sei que com cuidado e carinho me pegou ao colo quando na Matriz, na moleirinha cabeluda, o padre verteu a água fria da pia baptismal.
Dizem-me que dei os berros da praxe.
A minha madrinha, que também era minha tia, sempre me mereceu respeito, amizade sincera que lhe devotei no dia-a-dia e que, consagrava neste Domingo antes da Páscoa, quando lhe oferecia o ramo.
Era um ritual bonito, uma solenidade simples.
Julgo, com tristeza, que caiu em desuso.
Neste meu lamento não há passadismo nem sequer conservadorismo e muito menos revivalismo, considerado por alguns, eventualmente senil.
Para esses, sinceramente, estou-me nas tintas.
Esforço-me, no entanto, para compreender este tempo que também é meu.
E é curioso, a reflexão me ter conduzido à certeza que o futuro nunca terá futuro se não se alicerçar nas lições do passado sempre que estas sejam exemplos de solidariedade, de fraternidade, de carinho, de amor que devem revestir as relações humanas.
O trovador brasileiro diz na canção que só com afecto se pode cozinhar o doce predilecto.
As fotografias do passado que publico nos meus textos, pretendem tão só realçar os ângulos que gostaria de ver no presente para que nunca se perca a esperança no porvir.
E era afecto, que o ritual de levar o ramo à madrinha, tantas vezes um “parentesco” nascido pelo baptismo, sempre traduzia.
E mantinha-se no decurso da viagem da vida.
A minha madrinha está muito longe.
Hoje, contudo, está muito perto.
Pela sua amizade, pela sua ajuda desinteressada que me prestou quando dela necessitei, pela afeição com que sempre me envolveu, hoje vou levar-lhe o meu ramo.
Não o faço com o “papillon” e a camisa, nascida das mãos hábeis da Sr.ª Marquinhas Roque (a primeira paixão da minha vida), nem com as calças à golfe costuradas com perfeição pela senhora Preciosa no topo das escadas íngremes depois de provas difíceis.
Não irei também com brilhantina no cabelo a segurar uma poupa arrebitada e luzidia.
Caminharei como homem de idade adulta a quem a vida vai gastando e oferecerei o ramo, em forma de crónica, composto de palavras floridas, com toda a cor e perfume que a minha imaginação conseguir.
E daqui do papel, sem complexos, mas com todo o respeito e muita ternura, saudando-a, não deixarei de lhe pedir
“- A sua bênção, madrinha!”
António Roque