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CHAVES

Olhares sobre o "Reino Maravilhoso"

24
Mar10

Bento da Cruz


PROLEGÓMENO 30 de Agosto de 2009.

 

Caia a tarde e eu regressava das Caldas de Chaves onde tenho estado em tratamento de águas quando, ao desembocar na Rua Direita, ouvi um violino. Ou seria um violoncelo? Por esta hesitação se podem avaliar os meus conhecimentos musicais. Para além do realejo e do bombo, não sou homem de distinguir um violino Stradivarius de uma viola chuleira. Mas lá por não perceber nada de música, não quer dizer que a não saiba apreciar. E aquela que enchia a Rua Direita era aquilo que os poetas julgam que é o canto da sereia.

 

Quedei logo de nariz no ar e ver de onde é que aquilo vinha. Alguma escola de música? Não. Aquilo não era de principiante. Alguma jovem apaixonada e triste? Mas onde é que hoje se encontra uma jovem triste? Andam todas alegres e despreocupadas como andorinhas. Alguma velha saudosa de amores antigos? Como se as velhas não tivessem mais em que pensar.

 

Nisto especulava eu quando descobri, à esquina da “Sociedade Flaviense”, um pequeno grupo de mirones. Aproximei-me. Um indivíduo ainda novo montara ali o seu guinhol de feira: uma figura feminina, delicada, gentil, vestida de princezinha da Baviera, a fingir que tocava violino. Um trecho de Mozart, assim me pareceu, executado na perfeição. Pérolas a porcos. A maioria dos transeuntes passava indiferente. Que o digam três moedas de cobre a reluzir aos pés da grácil e aristocrática violinista.

 

Eu também me não detive nem descosi, com vergonha o confesso. Mas indiferente não fiquei. Aquela suave melodia acompanhou-me até ao cimo da rua. Mesmo depois de ter deixado de a ouvir, ela persistiu no meu ouvido durante muito tempo e fez-me saudades. Da flauta do Virgílio, para não ir mais longe.

 

Que ninguém fique a pensar que me estou a referir ao poeta latino do mesmo nome, o melhor tocador de avena de todos os tempos. Não. O Virgílio de que falo era um adolescente dos seus catorze ou quinze anos, servia em casa do meu vizinho Pitrasca e tinha uma flauta de cana.

 

Não estou em condições de dizer se o Virgílio era bom ou mau executante. O que sei é que, quando ele ia com o rebanho e se punha a tocar flauta na solidão dos montes, eu quedava pensativo. É caso para dizer que a minha inclinação para a poesia bucólica vem de longe. Dos meus seis ou sete anos, idade em que, influenciado pelo Virgílio, pedi uma flauta à minha mãe.

 

Ela foi à feira, vendeu uma dúzia de ovos e comprou-me um pífaro de barro. Comecei logo a ensaiar. E ao cabo de um mês já tocava o tiroliro razoavelmente.

 

Principiava eu a ensaiar o malhão, quando a desgraça aconteceu. Fui com as vacas lá para um prado ribeirinho, sentei-me numa pedra, à sombra de um salgueiro, e agarrei-me à flauta. Tão fora de mim e do mundo, que não dei conta de que as vacas me tinham ido para o lameiro do Pitrasca. Este surdiu detrás de uma parede, correu a mim como um lobo, e perpetrou dois crimes qual deles o mais execrável. Primeiro, desfez-me a flauta no cangote. Depois suspendeu-me pelas orelhas. Deu-me cabo do ouvido para o resto da vida, o bruto…

 

Esta a razão pela qual cheguei a velho sem perceber nada de música. Mas isso não tira que eu a saiba apreciar. Como aconteceu hoje, no regresso das Caldas, ao cair da tarde.

 

VIVA BARROSO!

 

Bento da Cruz

 

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Estas foram algumas das palavras que o Dr. Bento da Cruz partilhou com quem assistiu ao lançamento em Chaves do seu último livro « A Fárria ».  Livro que aliás tive o gosto de anunciar aqui o seu lançamento, e tive esse gosto, pelas mais variadas razões, como ser apreciador da obra de Bento da Cruz, mas também porque este blog já bebeu muito daquilo que o autor escreveu em alguns dos seus livros, principalmente na feitura dos posts do Cambedo Maquis que viria a dar origem a outro blog, mas também, porque Bento da Cruz, barrosão,  é um dos nossos, que tão bem tem sabido contar e enaltecer o Barroso e a região, fazendo a nossa história de uma forma universal, ou seja, em estória e romances.

 

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Pois embora este blog já muitas vezes tenha bebido nas obras de Bento da Cruz e dezenas de vezes ele tivesse sido referido ou mencionado, nunca falei de Bento da Cruz, do homem  e a sua obra. É tempo de o fazer, pois este blog há muito que está em dívida com ele e com o escritor que já fez 50 de vida literária.

 

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Bento Gonçalves da Cruz

 

Filho e neto de lavradores, nasceu em 22 de Fevereiro de 1925 na aldeia de Peireses, concelho de Montalegre.

Até 1940 trabalhou na lavoura. Nesse ano ingressou na Escola Claustral de Singeverga, dirigida por monges beneditinos.

Em 1946, após noviciado, abandonou, de moto próprio, a vida religiosa.

Em 1948 matriculou-se na faculdade de Medicina de Coimbra.

De 1956 a 1970 trabalhou em Barroso, acumulando a clínica geral com a estomatologia.

Em 1971 fixou-se no Porto.

Foi deputado à Assembleia da República, distinguido com a medalha de honra (oiro) da Câmara Municipal de Montalegre e é patrono da Escola Secundária da mesma vila.

Logo após o 25 de Abril, fundou o quinzenário regionalista Correio da Manhã que ainda hoje dirige.

 

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Bento da Cruz Jornalista, Médico, Deputado, “Monge”, Lavrador, todo um percurso de vida, no entanto, será como contador de estórias e escritor que registará, ou melhor, já tem registado o seu nome na história e para a posteridade.

 

Publicou o seu primeiro livro em 1959. Chamava-se Hemoptise e era de versos. É, como ele diz, um livro do qual não fala nem menciona na sua bibliografia, mas também não enjeita, como um pai nunca enjeita um filho.

 

Da sua bibliografia constam:

 

PLANATO EM CHAMAS – romance, 1963

 

AO LONGO DA FRONTEIRA – romance, 1964

 

FILHAS DE LOTH – romance, 1967 (4 edições, a última em 1993 – Circulo de Leitores)

 

CONTOS DE GOSTOFRIO – 1973 – Prémio “Fialho de Almeida” (2ª edição – 1993)

 

HISTÓRIAS DA VERMELHINHA – Contos de tradição oral de Barroso – 1991 (2ª Edição – 2000)

 

PLANATO DE GOSTOFRIO – romance – 1982 – (2ª edição – 1992)

 

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O LOBO GUERRILHEIRO – romance – Prémio Literário “Diário de Notícias”, Prémio de literatura  (Ficção) da Sociedade Portuguesa de Escritores Médicos. Traduzido para galego: Edicións Xerais de Galícia, 1996. (2ª Edição – 2001).

 

VICTOR BRANCO – Escritor Barrosão – Vida e Obra, Prémio Literário de Investigação da Câmara Municipal de Montalegre, 1995.

 

O RETÁBULO DAS VIRGENS LOUCAS – romance – Prémio Literário (Ficção) da Câmara Municipal de Montalegre – 1996.

 

HISTÓRIAS DE LANA-CAPRINA – contos – 1998 (2ª edição – 1999)

 

A LOBA – romance. “Prémio Eixo Atlântico de Narrativa Galega e Portuguesa” de 1999 e “Prémio Arzobispo Juan de San Clemente” na modalidade “ A melhor novela em galego do ano 2000” 1ª Edição – 2000. 2ª Edição – 2000. 3ª Edição – 2001.

 

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GUERRILHEIROS ANTIFRANQUISTAS EM TRÁS-OS-MONTES – história – 1ª Edição – 2003. 2ª Edição – 2005.

 

EIXO ATLÂNTICO – Um mundo a descobrir. Co-autoria -  2004.

 

A LENDA DE HIRÃN E BELKISS – Novela, 2005.

 

PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso, 2007. 2ª Edição – 2008.

 

PROLEGÓMENOS II – 2009.

 

A FÁRRIA – romance – 2009.

 

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Para já é esta a sua obra publicada.

 

Pela minha parte, confesso-me um devoto leitor de Bento da Cruz desde que o descobri com o “Lobo Guerrilheiro”.

 

 

Fica a minha pequena homenagem a este Homem grande do Barroso que tão bem escreve e descreve nos seus escritos e romances. Escritos que muitas vezes também passam por Chaves e que faz grande parte da história dos acontecimentos de Dezembro de 1946 no  Cambedo da Raia, com o relato dos acontecimentos no seu livro «Guerrilheiros Antifranquistas em Trás-os-Montes».

 

Para saber mais sobre Bento da Cruz:

 

http://www.bentodacruz.com/

 

 

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