Factor Humano, por Manuel Cunha (Pité)
O meu Serrat
Juan Manuel Serrat vem fazer um espectáculo em Lisboa no próximo dia 4 de Junho. Para a maioria dos leitores deste blogue, Serrat é um catalão desconhecido. Não sabem sequer que embora tenha muitas obras em catalão, a maioria das suas canções é em castelhano (espanhol).
A minha vida teria sido diferente se não existisse Serrat. Comecei a ouvi-lo ainda antes do 25 de Abril e fui crescendo com ele. Disfrutei milhares de horas a escutá-lo, com a aparelhagem ligada ou desligada.
Para os que não conhecem a sua obra, uma aproximação poderá ser o nosso Sérgio Godinho. Espero que um dia alguém faça um trabalho profundo de comparação (e sonho que um dia serei eu capaz de o fazer…).
Serrat ensinou-me a gostar da poesia com a ajuda da música. Os seus álbuns iniciais com poemas de António Machado e de Miguel Hernandez, eram suficientes para ele se tornar incontornável na canção ibérica.
Cresci a pescar nos nossos rios com as suas músicas na minha cabeça, escapando-se-me às vezes pela boca. Cada caminho para a pesca, cada corrente do rio Mente, cada presa do rio Mousse têm um verso cantado por ele. Podia não pescar muito bem, mas ao ouvir em casa as suas canções, revia cada lançamento, cada paisagem, cada truta. Assim, ultrapassava o deserto que a época do defeso da pesca impunha aos outros pescadores.
E depois assisti ao aparecimento regular de novas canções e de novos álbuns. Aprendi a disfrutar com requinte, mas mantendo o entusiasmo juvenil da infância. Atrevi-me a reconstruir alguns versos, a completar outros.
Não há tema da vida que ele não tenha abordado nas suas canções. Do amor de filho ao amor abandonado, da balada de outono à matrioska. Da miséria dos campos espanhóis à tragédia de Africa. Da viagem de metro à areia deserta da praia. Da festa da aldeia ao amor de adolescente. Talvez tenha sido decisiva a sua divulgação do verso mais famoso de António Machado:
“Caminante, no hay camino, se hace camino al andar,
Golpe a golpe, verso a verso…
…Y al volver la vista atras, se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar”…
Não sei se todos, em especial os menos antigos, conseguem entender este mundo de Serrat, do qual quis deixar aqui algumas pistas. Nem se conseguem perceber o meu entusiasmo de mais de quarenta anos.
O meu mundo é aqui, nas nossas paisagens, com as nossas gentes, mas está impregnado de Serrat, das suas músicas e das de outros, que aqui não fiz referência. Por isso quis deixar este registo assim, neste blogue, que é sobre nós e sobre a forma como nos vamos construindo.
Manuel Cunha (Pité)